Pessoas que dizem que os outros têm mas é inveja

A crítica é algo tão desagradável que chega a ser desagradável até para o crítico. O criticado nunca gosta – é como perder um jogo: pode-se disfarçar, pode haver contenção, uma piada descontraída, mas é sempre mau.

São várias as reacções do criticado. Se for educado, será contido, declara que aceita, mentindo em grande parte, mas pensando sempre que a crítica é o fumo que prova a existência de um fogo.

Há, contudo, muitos mais espécimes. Há o criticado que afirma aceitar a crítica, mas. E a seguir ao mas, vêm desculpas não necessariamente esfarrapadas, porque também há desculpas bem vestidas, perfumadas.

Dentro do criticado nitidamente desagradado, há uma grande variedade de raças. Uma delas é o que critica a crítica, reclamando que seja construtiva. Ora, a verdade é que a crítica só é bem feita se for destrutiva – porque a crítica serve para destruir, cabendo ao criticado reconstruir a partir das ruínas.

O meu preferido, entre os desagradados, é o criticado que acusa os críticos de serem unicamente motivados pela inveja. Neste caso, o crítico só critica porque, no fundo, quer ser como o criticado.

Um dos mais conhecidos exemplares desta variedade é José Rodrigues dos Santos (JRS), acolitado por muitos dos seus fiéis. Diante das críticas de que é alvo nas várias actividades que pratica, JRS limita-se a acusar os outros de

  1. não aceitarem a sua frontalidade como homem e até como jornalista.
  2. criticarem os seus livros, porque gostariam de publicar livros que fossem também sucessos de vendas ou, porque, mesmo não querendo publicar, são alérgicos a livros que sejam sucessos de vendas.
  3. não investigarem os assuntos com a profundidade de que só JRS é capaz.

Face a este problema do crítico necessariamente invejoso, é preciso reconhecer que ninguém está livre do pecado da inveja, mas também não é menos verdade que até um invejoso pode ter razão. Num mundo em que houvesse debate, não se perderia tempo a provar que um crítico é invejoso – mais: não se perderia tempo a provar que um invejoso é invejoso. Em vez disso, seria importante demonstrar que o crítico está errado ou que tem todo o direito a não gostar, mesmo a embirrar.

Para um ególatra como JRS, o crítico estará sempre errado, pelo que o seu único móbil só pode ser a inveja. Na realidade, se tudo o que faz é evidentemente espectacular, como é que é possível criticar? Inveja, claro, esse pecado que está no final d’ Os Lusíadas ou na boca de qualquer cidadão sem qualidades sempre invejado pelos vizinhos.

Comments

  1. Filipe Bastos says:

    É fácil embirrar com o Rodrigues dos Santos: um tipo maniento, irritante, tem daquelas carinhas a que só apetece dar sopapos. Para cúmulo, aproveitou a imerecida fama acumulada em anos na TV pública para mamar milhões com os seus livrecos.

    Mas é do que a carneirada gosta; ele não a obriga a comprar as poias que publica. Além de ser devidamente taxado e a sua riqueza limitada, como todas deviam ser, não vejo que mais se lhe possa fazer. Há até jornalistas piores; ele apertou com o Trafulha 44 mais do que a maioria. Nem tudo é mau.

  2. Filipe Bastos says:

    Mais que o JRS, parece-me interessante a inveja. O conceito de inveja. É sempre atirada como insulto, mas sê-lo-á realmente?

    Tende-se a ver a inveja como cobiça ou ressentimento indevido porque alguém tem algo que queremos. Mas não será natural, numa vida finita e irrepetível, querermos algo – seja o que for – e sofrermos porque alguém o tem e nós não?

    Além de ser normal, até que ponto será injusto? A inveja é sempre apresentada como injusta e maldosa; mas voltando ao exemplo do JRS, muito do que ele tem é excessivo. Seja sorte, aproveitamento da mediocridade geral, da falta de exigência, o que for, o mérito dele é muito inferior ao que mama.

    Nestes casos, provavelmente a larga maioria, será inveja? E será má? Ou será isto justa indignação, um sentido de equidade, um impulso de corrigir um desequilíbrio?

  3. Rui Naldinho says:

    José Rodrigues dos Santos é uma das muitas “vítimas” do mediatismo, tal como o é a Padaria Portuguesa, o Manuel Luís Goucha, ou a Cristina Ferreira, entre outra tantas celebridades.
    Nem o Miguel Sousa Tavares foge a esse desiderato. O protagonismo que a CS lhes deu e dá.
    A culpa é só deles?
    Não. É muito mais da nossa própria ignorância e da nossa falta de exigência.
    Somos um país pequeno, onde tudo gravita em torno do Estado, ou de umas quantas empresas que não sendo estatais, vivem ainda assim, das subvenções deste. Foi assim que a filha de um antigo ministro das finanças, Ana Macedo, se promoveu através da EDP.
    Criticar a “obra literária” de José Rodrigues dos Santos é como criticar um novo rico. O gajo que na primeira oportunidade, depois de ganhar uns trocos, compra um Tesla ou um Porche. Alguém que vindo do anonimato, vive momentos de Glória, não pelo saber, muito mais pela perspicácia e um certo oportunismo.
    Tem mérito? Se calhar até tem. Num país onde a esperteza saloia é sinal de audácia e empreendorismo, não podemos estranhar este comportamento.

  4. JgMenos says:

    Nunca li obra do JR dos Santos. mas seguramente que o que escreve requer trabalho, uma vez que me asseguram que não publica estados de alma, como alguns chatérrimos introspectores da nossa praça.

    Que o volume de vendas suscita invejas , é uma certeza.

    • JgMenos says:

      Correcção.
      Li ‘Crónicas de Guerra’ de 2002.

      • POIS! says:

        Pois leu, mas foi de fugida!

        Foi no intervalo da leitura entre outra grande obra dramática, “A Mulher na Sala e na Cozinha” e o empolgante “Manual de Saneamento Básico”.

        É por isso que JgMenos não tem tempo para ler literatura menor.

    • Paulo Marques says:

      O que Rita Rato escreveu também deu trabalho, mas aí já admitia o negacionismo.
      Coincidências.

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