A conversão de Gouveia e Melo

Elogiei várias vezes o desempenho do vice-almirante à frente da task force. Mantenho tudo o que disse e escrevi. E é talvez por isso que me custou vê-lo ser atropelado pelo Ricardo Araújo Pereira, primeiro no Governo Sombra, depois no Isto é Gozar com quem Trabalha. E bem atropelado, diga-se. Porque, no início de Setembro, em entrevista à Lusa, Gouveia e Melo afirmou o seguinte:

– Não sinto necessidade de dar [o meu contributo] enquanto político, primeiro porque não estou preparado para isso, acho que daria um péssimo político e também acho que devemos separar o que é militar do que é político, porque são campos de atuação completamente diferentes. , afirmou o vice-almirante Gouveia e Melo à Lusa, numa entrevista de balanço sobre o processo de vacinação.

Nem dois meses depois, em resposta aos jornalistas presentes num evento no qual foi orador, Gouveia e Melo disse esperar não se “deixar cair na tentação” da política. E foi categórico:

– Se isso acontecer, dêem-me uma corda para me enforcar.

Esta semana, questionado novamente sobre uma hipotética candidatura a Belém, virou o bico ao prego:

– Tem coragem para se candidatar?, perguntou alguém
– O futuro a Deus pertence. – respondeu o vice-almirante.

Em pouco mais de três meses, passou de “daria um péssimo político” para “dêem-me uma corda para me enforcar”, e acabou por entregar o seu destino nas mãos de Deus, que, neste contexto, é exactamente a mesma coisa que dizer “afinal já não descarto essa opção”. No fundo, a prova do óbvio: um militar, por muito competente e valoroso, é um ser humano como os restantes, com as mesmas virtudes e defeitos. E o cheiro poder, sabemos, tem esse encanto irresistível, ao qual nem um asceta como Gouveia e Melo resiste.

Comments

  1. Armindo de Vasconcelos says:

    Johny, be good to the Admiral…

  2. Paulo Marques says:

    Media mole em almirante duro, tanto chateia que até diz que não sabe.
    Não vale a pena perder sono com isso.

  3. balio says:

    As eleições presidenciais são daqui a quatro anos.
    Não vale a pena preocuparmo-nos agora com o que virá a acontecer nessa altura.
    Concentremo-nos no presente, não no futuro.

    • Carlos Almeida says:

      Tem toda a razão.

      Saber lá quem está vivo. Eu que tenho quase 80, não faço contas a tão longo prazo

  4. estevesayres says:

    Pelos visto, matem o mesmo critério da maioria dos políticos e presidentes, deve candidatar-se!!! Eu não voto nele … Nem morto…

  5. Rui Naldinho says:

    Não acredito que este Vice Almirante se candidate. Pura intuição minha. Caso contrário demonstra uma enorme falta de inteligência, passando de “herói a oportunista”, num ápice.
    Até porque depois das afirmações que ele fez num passado recente, tão categóricas elas foram, ao ponto de o colocarmos num pedestal similar ao do General Ramalho Eanes, isto no plano da integridade de carácter e dos princípios, se desse o dito por não dito, seria para ele uma catástrofe moral e ética.
    “Há que ter bom senso, ou está merda acabará vendida em leilão, ao melhor preço de saldo”.

    Era bom que os mais esquecidos se recordassem das palavras de um ex Primeiro Ministro e ex Presidente da República, que foi de certa forma entronizado e acabou em desgraça, tornando-se no mais rançoso dos personagens políticos na reforma, exprimindo ideias, tais como:

    “raramente me engano e nunca tenho dúvidas” ;
    ou
    “Tem de nascer duas vezes alguém mais sério do que eu”;
    isto entre uma série de outras frases de forte impacto mediático, que mais tarde vieram tornar-se assassinas da sua pessoa e da sua própria história de vida.
    As figuras públicas ou têm dois dedos de testa e saem em grande, ou não o tendo, só merecem a fogueira das redes sociais, a nova inquisição dos tempos globais, por burrice e manifesta falta de escrúpulos.

    • J. M. Freitas says:

      “ao ponto de o colocarmos num pedestal similar ao do General Ramalho Eanes,”
      Quando se fala no General Eanes e se pretende fazer dele um santo esquece-se sempre uma coisa. A figura que fez na criação do PRD (o tal partido dele) e as consequências seguidas de completa desistência. Só depois disso foi canonizado. Na altura o termo “populismo” era quase desconhecido. Hoje, Eanes e o seu partido seriam vistos de outro modo e apodados de populistas e, se calhar, de mais coisas. Era um partido que não tinha propriamente programa e que, no essencial, se distinguia por pretender fazer política outro modo. De outro modo significava com ética porque os outros políticos eram todos rasca (ideia que parece ser do agrado de A. Ventura).

      • Rui Naldinho says:

        A analogia entre Eanes e Ventura parece-me abusiva. Comparar a gente (eleitores e dirigentes) do Chega, com a do PRD, também.
        O PRD funcionou ao Centro, na dicotomia Esquerda/Direita, como uma pedrada no charco, na manifesta falta de vergonha e escrúpulos de PS e PSD, ainda que, com laivos de populismo. Um pouco como o BE, no espaço entre PS e PCP.
        Contudo foi Sol de pouca dura, e Eanes apercebeu-se a certa altura onde estava metido. Numa miscelânea de interesses vários.

        • J. M. Freitas says:

          “A analogia entre Eanes e Ventura parece-me abusiva.” Tem toda a razão. Nem era esse o meu objectivo, talvez me tenha exprimido mal. Só queria dizer que havia no PRD ideias que agradariam a Ventura.
          De facto parece-me que o PRD foi um percursor longínquo de ideias populistas (género: os políticos não prestam, nós vamos proceder com ética). Ventura é um populista extremado com posições explícitas que são muito perigosas. Mas tem quem goste do que diz. Em certos meios (entre pessoas de menor cultura e que não acompanham os acontecimentos políticos nem parecem compreendê-los) ouvi com frequência, referindo o discurso de Ventura, “este é que as diz”.
          Apesar de tudo continuo a discordar da canonização de Eanes. Canonização sempre acompanhada do esquecimento cuidadoso de muitas das suas acções passadas.

  6. Filipe Bastos says:

    Quanto ao garboso almirante, nada de novo: as forças armadas são, no geral e no essencial, uma colecção de tachistas. A começar pelos oficiais. Ninguém me contou, vi-o e vivi-o lá.

    A tropa é boa em logística. É a única coisa em que é realmente boa. Basta pensar nos exércitos de milhões da I ou da II Guerra, ou nos quartéis onde milhares têm de comer, vestir e fingir que trabalham todos os dias. Se algo tem de ser feito em grandes números, pode-se contar com a tropa. Até com a portuguesa.

    Mas quem faz as coisas funcionar, e todos lá sabem disto, não são os oficiais: são os sargentos. Raros oficiais vão além do tacho. Este Gouveia e Melo é um mero relações-públicas.

    Uma cara para os merdia e para a carneirada sempre salivante por ‘messias’. Neste pardieiro parolo e corrupto a que chamamos país, basta isso para ser o próximo D. Sebastião. As donas de casa em particular adoram-no. É o novo Prof. Martelo.

  7. Filipe Bastos says:

    Quanto ao Ricardo Araújo Pereira, o comuna-caviar favorito da carneirada, e pelo visto do João Mendes, já ouviram? Vai mamar também no Expresso. É semp’a mamar!

    Vêem como compensa ser um ‘crítico’ manso e bem comportado? Lavar as cuecas sujas da política, sobretudo do Partido Sucateiro – ainda há dias lambia o cu ao nojento Ferro? Nada como ser o piadista-comentadeiro oficial do regime.

    Claro que não é só ele, outros lá mamam, como os seus compinchas João Miguel Tavares e Pedro Mexia: todos contribuem para esta pífia partidocracia. São pseudo-analistas pulhiticamente correctos, cuja finalidade é dar a ilusão de haver crítica e contraditório.

    A mamar, porém, ninguém bate o RAP. Nem o almirante.

  8. Diz o jornal da família Azevedo: «Candidatura de Gouveia e Melo a Belém? – “Não se deve dizer que dessa água não beberei” – O vice-almirante, que coordenou a vacinação de 85% da população portuguesa contra a covid-19, justifica que afastou o tema para não “politizar” o processo de vacinação, mas admite que não é um cenário completamente excluído.»
    Ou seja, desde algum tempo que a candidatura do herói das vacinas que está a ser vendida como o sucessor de Marcelo, em 2025, como, alguém já disse, um “sabonete”; no caso, irá lavar o actual regime democrático, mas, atendendo aos casos cada vez mais frequentes de corrupção, assalto ao erário público e nepotismo, se assemelha mais a uma vulgar cleptocracia, própria de qualquer república das bananas da América Latina.
    É muito provável que nem PS nem PSD venham a ter maioria absoluta nas próximas eleições legislativas de 30 de Janeiro e os dois cenários previsíveis serão: um de bloco central, em que muito boa gente está a apostar e de preferência sob liderança de Rui Rio, outro semelhante ao actual. Tanto um como o outro levarão ao impasse, e à desorientação das nossas elites se a situação económica, como tudo parece indicar, se agravar.
    Então ninguém se admire que venhamos a ter um governo “tecnocrata” ao serviço (e controlo) directo do grande capital financeiro/Bruxelas, como acontece na Itália com a solução Draghi, homem de mão do Goldman Sachs e ex-presidente do BCE, num governo não eleito e quando aquele país se preparava para sair da União Europeia, devido ao estado de bancarrota iminente (maior dívida púbica em valor absoluto e relativo).
    E as melhores figuras que de momento se encontram para liderar esta opção são exactamente: um almirante, tipo Américo Tomás 2.0 que não chateie e seja apenas decorativo, e um primeiro-ministro, mais presidente do conselho de ministros como no antigo regime pré-25 de Abril, como Centeno, também um “herói nacional” mas das finanças, que já disse que as políticas do próximo governo deverão estar sob escrutínio directo do BCE (Banco Central Europeu).
    O tempo dirá (e a economia capitalista em estado de pré-implosão)… entretanto todas as medidas tomadas serão para “combater a pandemia”.

  9. JgMenos says:

    O princípio democrático em vigor nesta choldra consiste em borrar tudo o que se destaque da mediocridade.

    Assim o assédio ao vice-almirante que hoje é militar, amanhã é civil, que hoje é ignorante da política, amanhã será o que quiser.

    Cambada de bandalhos abandalhadores!

    • Paulo Marques says:

      Como um ministro que reforme e reforce os transportes com apoio da UE? Só para saber qual a bandalheira de bem.

Trackbacks

  1. […] Gouveia e Melo inicie a sua carreira política. Nada contra, até pode vir a ser um bom político. Escusava era de se ter descredibilizado com as lengalengas que nos serviu há meses, quando afirmava…, ou sugerir que, “por hipótese, podia criar um movimento de cidadania”. Confirma-se: […]

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading