Sobre as intenções

Uma consequência de se envelhecer (uma vantagem?) é ter-se visto no que dão as boas intenções.

Spoiler alert: o inferno está cheio delas.

Olho, por isso, com um ar de a-ver-vamos para o entusiasmo à volta da Iniciativa Liberal e, em particular, para a crença sobre ser preferível ter certos sectores no domínio privado em vez de serem públicos.

Mas, lá está, se nada mudar, tudo fica na mesma, como se dizer poderia dizer numa Lapalissada. Por isso, logo se vê.

Vem isto a propósito da onda de despedimentos que as big tech têm levado a cabo na América, especialmente na forma como foram feitos.

De um dia para o outro, milhares de trabalhadores ficaram sem emprego, tendo-o descoberto quando o assesso ao ambiente de trabalho ficou inacessível e confirmado depois com o inexorável email sobre o despedimento, perdão, sobre a despensa.

Circulam pelo linkedin dezenas de histórias pessoais sobre estes actos. Muitos deles da Google, que, outrora, teve como moto “do no evil”. Mas também do Facebook, Spotify, Amazon, entre outras.

Num relato, um homem conta como a esposa se levantou às 6h30 para ter uma reunião às 7h00, para descobrir, nesse momento, que não conseguia ligar-se à empresa. Momentos depois, estava ela e o marido a olharem para os seus emails no telemóvel para constatarem que tinham ambos sido despedidos.

As histórias são todas neste registo. Pessoas com anos e anos de dedicação a uma empresa, com excelentes resultados profissionais, serem corridos como sendo um simples número.

É disto que se trata quando o liberalismo é aplicado na sua plenitude. As pessoas são números apenas, passando a ser um zero à esquerda quando convém.

Não apenas no trabalho, mas também na saúde, educação e demais áreas onde o indivíduo passa a colectivo.

Se o oposto, a colectivização, é melhor? Obviamente que não, tal como temos visto nas sociedades de influência comunista. São, quanto a mim comparáveis, apenas estando em extremos opostos.

Como em tudo na vida, é necessário equilíbrio. E a Iniciativa Liberal não o é.

Ficam a seguir dois dos referidos relatos.

Link na imagem

Link na imagem

Comments

  1. Luís Lavoura says:

    É claro que quando uma empresa necessita de se remodelar, porque está a perder mercado, tem que despedir trabalhadores, incluindo alguns que trabalhavam muito bem e já tinham muitos anos “de casa”.
    Podemos criticar a metodologia utilizada para comunicar o despedimento aos funcionários, e podemos criticar a ausência de uma indemnização. Porém, o despedimento em si mesmo nada tem de condenável.

    • j. manuel cordeiro says:

      Empregados demitidos pela Amazon ~ 18.000
      Funcionários demitidos pelo Google ~ 12.000
      Funcionários demitidos pela Microsoft ~ 10.000
      Funcionários demitidos por Meta ~ 13.000

      Mas dizem que a empresa é a família e casa dos seus trabalhadores.

      A questão não é se a empresa precisa de se remodelar ou não. O ponto é como é que se chega ao objectivo.

      Por exemplo, o CEO da Apple fez um corte de 40% no seu vencimento.

      https://www.marketwatch.com/picks/apple-ceo-tim-cook-asked-for-and-got-a-major-pay-cut-this-year-is-there-ever-a-time-when-some-of-us-should-accept-one-too-the-answer-is-yes-01674032911

      Outras grandes empresas cortaram em benefícios para reduzir os despedimentos.

      Outras ainda, reduziram o pagamento aos accionistas.

      O ponto, portanto, não é chegar ao topo da montanha mas que caminho se seguiu. E o que estas empresas fizeram foi simplesmente serem absolutamente liberais. Podem despedir? Então despediram.

      • Luís Lavoura says:

        Tem razão, mas a questão também é saber o que é que os trabalhadores despedidos estavam a fazer na empresa. Muito possivelmente, estavam a fazer trabalho dispensável ou, grosso modo, inútil.
        Tal como os professores portugueses se queixam, provavelmente com razão, de passarem muito tempo a preencher formulários em vez de o passarem a ensinar, o mesmo também se passa nas empresas privadas: têm muita gente a fazer trabalhos de merda (“bullshit jobs”) em vez de trabalho útil.

        • j. manuel cordeiro says:

          “Muito possivelmente, estavam a fazer trabalho dispensável ou, grosso modo, inútil.”

          Não necessariamente. Reestruturações acontecem por muitas razões. Pode haver uma decisão de mudar a estratégia, por exemplo.

          Nas big tech, acham que o marcado vai ter menos procura (recessão), possivelmente devido à guerra na Ucrânia, pelo que diminuem o investimento em áreas que não considerem centrais.

    • Paulo Marques says:

      E quando um mercado inteiro (até são vários, devido ao tamanho, mas pronto) “precisa” de se “remodelar” simultaneamente, não sendo nem a primeira vez, nem restrito a este tipo de empresas, quando é que resolve?

  2. j. manuel cordeiro says:

    Tenho muitos colegas de profissão acérrimos crentes no modelo liberal. Têm falado do alto da sua segurança por causa das TI que têm estado em alta no mercado de emprego.

    Se há coisa que sabemos é que tudo é efémero. É uma questão de tempo até que o modo de pensar muda um pouco, tipo 180º.

  3. JgMenos says:

    Talvez então um pré-aviso para ter um zombie dentro da empresa a pensar no que vai fazer a seguir?
    A questão do fundo de desemprego põe-se por oposição à poupança.

    Na Dinamarca, em frente a representantes sindicais e patronais, o sistema tinha 3 andamentos:
    – Despedimento livre
    – Fundo de desemprego acrescido de plano de formação.
    – Subsídio a diminuir planeadamente; se mantido por 7 anos, a terminar em níveis de subsistência.
    Reacção de quem representava a CGTP – num comovente testemunho de como os patrões detestam explorar – em Portugal seríamos todos despedidos!

    • Paulo Marques says:

      Pré-avisos, e complementaridade, só como subsídio aos zombies obrigados a competir internacionalmente, a bem da nação.
      Esses dinamarqueses são uns despesistas, aqui dá-se uns trocos se quem cria riqueza os for gastar no tribunal e quiser uma marca escarlate.

  4. Fernando Manuel Rodrigues says:

    Podem sempre vir para Portugal trabalhar na Web Summit ou nos “unicórnios” que estão por aqui a nascer como cogumelos depois da chuva (sarcasmo).

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading