A réplica e o original

   Na vertigem mediática e blogosférica dos tempos que correm, uma réplica mereceu recentemente mais destaque do que o original. Compreende-se, seja pelo teor da notícia, seja porque, convenhamos, seria difícil utilizar o original para perpetrar a agressão.

   Desfeita a espuma volátil do fait-divers, voltemos agora ao esplendor monumental do Duomo de Milão.

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   Nunca o tinha visto como agora, tão limpo e branco, o mármore tão aparentemente acabado de talhar. Tendo em conta os quinhentos anos que demorou a sua construção, é possível que nenhuma outra geração o tenha visto desta forma, com as suas 3400 estátuas tão inesperadamente resplandescentes, os fantásticos vitrais absolutamente recuperados, a Madonnina refulgente como nos primeiros dias. Mark Twain – e suponho que não só –  considerava o Duomo a primeira entre as obras feitas por mãos humanas.

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   Eu não digo tanto, mas não consigo ir a Milão sem o visitar, vez após vez.  No entanto, para mim, apesar de toda a sua monumentalidade, beleza e, acreditem, leveza, a obra mais impressionante presente no Duomo encontra-se, quase discretamente, no seu interior e mantém inalterada a patine do tempo. Trata-se da figura de S. Bartolomeu ( Miguel Angelo pintou-a no Juízo Final, na Capela Sistina, segurando a sua própria pele ) de Marco d’Agrate (1562 ) esfolado vivo, uma das maiores representações do sacrifício, da brutalidade e da intolerância humanas.

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