Anti-bolha

Combater o consumo de tabaco? Eu, como fumador que padece do mal que é o vício, até concordo. Sei que é para o meu bem, apesar de tudo. Mas eu não preciso de entidades “superiores” pouco recomendáveis, como o é este Estado sem estado, que me digam o que é bom ou mau para mim; para isso, basta-me o bom-senso e, a partir daí, faço as minhas escolhas conscientemente, sabendo que A me faz mal e B me faz bem, escolhendo, ou não, o consumo de A ou B.

No entanto, convinha serem coerentes. Isto de haver lojas de gomas, retalhistas do ‘fast-food’ ou casas de apostas perto de escolas, faculdades e outros que tais, também tem muito que se lhe diga. Se calhar, proibia-se também o consumo de álcool junto a faculdades (ó, caraças!) e o consumo de cocaína junto das administrações das grandes empresas (lá se ia a meritocracia!).

Aliás, esta “moda” de super-proteger os cidadãos, usando as proibições como arma, cheira um bocado a mofo de outros tempos, onde usando a premissa de que “isto é mau para ti” (fosse qual fosse o consumo), o Estado proibia isto e aquilo como bem lhe aprazia. Vai-se a ver e qualquer dia só vamos poder usar fósforos produzidos em Portugal.

Não somos todos o Gino. Não queremos viver em bolhas.

Vais levar, Fabiana

Ainda há meia dúzia de esplanadas pobres, longe das ruas da moda, onde a dona serve às mesas e o marido carrega o vasilhame e faz contas à vida ao balcão. As cadeiras nunca são confortáveis, as mesas assentam sobre o empedrado irregular, a garrafa que nos trazem bem pode deslizar pelo tampo inclinado e rebolar pelo chão. Tudo é precário como se a qualquer altura os donos tivessem de levantar mesas e cadeiras e sair a correr com elas à cabeça, tal e qual como as vendedeiras de meias, que nos tiram os collants das mãos quando estamos a apreçá-los e largam a correr, rua abaixo, com a polícia caça-licenças no encalço. Mas havendo sol, e uma nesga de rio, é quanto nos basta para desfrutar do precário.

Numa das mesas, uma mulher escreve versos num caderno e esconde-os com a mão, risca a última linha, resgata da rasura uma palavra, afaga a nuca e vai-se encolhendo toda, como quem fecha a concha.

Ao meu lado, um segurança de discoteca fala ao telefone com um cliente, discute preços, horários, quer saber que tipo de festa é, quantos homens terá de levar com ele. Fico a saber que o melhor dos seus homens levou um tiro num braço mas vai ficar porreiro, como o aço. [Read more…]

Enquanto os pássaros visitarem as cidades

"A Balada do Mar Salgado" - Hugo Pratt

“A Balada do Mar Salgado” – Hugo Pratt

Deu a certa imprensa, aqui há dias, um arrebato de histeria contra as gaivotas. Chamaram-lhes ladras, acusaram-nas de roubar peixe e pão aos distraídos, de assustar os turistas nas esplanadas, de acordar a vizinhança quando gritam de fome nos telhados. Foram ouvidos os especialistas, que explicaram tratar-se de uma “espécie oportunista”, por adaptar-se às pessoas e aos ambientes urbanos.

Devem ter sido os primeiros rebates da época tola, que este ano parecia mais arredada da imprensa, não fosse o Verão estar a ser quente em todas as acepções da palavra. Mas é certo que todos os anos se recuperam notícias alarmistas sobre a “praga” de gaivotas, os perigos das bactérias que as bichas carregam, e até se lamenta, muito hipocritamente, que elas ataquem as pombas, as mesmas pombas que são também uma praga a exterminar em nome da saúde pública.

Levo anos a ter as gaivotas como inquilinas no telhado, a sofrer os seus ataques de cada vez que há crias nos ninhos e eu tenho o atrevimento de querer sair para a varanda, a descobrir cagadelas diárias nos vidros das janelas. [Read more…]