Não faltam tentações para as mulheres sérias

Temos a janela sempre aberta, até fazem pouco de nós, as acaloradas, mas chega-se a uma idade em que é mesmo assim. E porque temos a janela aberta ouvimos a música dos vizinhos o dia inteiro. Naquele dia, era uma colectânea de êxitos dos anos 50 e 60 e passamos a manhã a ouvir o «Oh, Carol» e o «Sweet Caroline», que são canções que até dispõem bem. Só que depois o vizinho trocou o disco por uma colectânea do Elvis. Ui, o Elvis, disse a Filomena.

Começou a tocar o “Hound Dog” (conheço-as todas), e foi então que o espírito dele, do Rei, subiu por entre o quarteirão de escritórios, entrou-nos pela janela, muito pesadão, com o fato branco e a capa (capa!) dos concertos de Las Vegas, quando ele cantava com olhinhos de carneiro mal morto, e se lhe via o suor a pingar para cima das quarentonas na primeira fila, e lançava ursos de peluche para a plateia. E então as paredes do escritório estremeceram, o chão começou a vibrar, as pastas de arquivo saltitaram nas prateleiras, o fax começou a despejar páginas e páginas em branco, e o espírito do Elvis materializou-se naquele espaço entre as secretárias onde metemos a máquina do café. [Read more…]

Fernando Nobre, a carochinha

Durante a campanha presidencial, Fernando Nobre acusou Manuel Alegre de ser o candidato do nim. Fernando Nobre é, pelo contrário, um homem do “sim”, um verdadeiro “yes-man”, alguém que não consegue dizer que não. Se fosse mulher, noutros tempos, isso seria suficiente para que fosse considerado pouco séria, eufemismo desagradável para mulheres com ouvidos, essa parte da anatomia cuja ausência era marca de seriedade

Nos contos infantis, Fernando Nobre seria a carochinha, debruçada à janela, alardeando um decote abundante que permitiria entrever a sensualidade de uma intervenção cívica apartidária e a abundância de uma mediatização apetitosa. É certo que chegou a afirmar que nunca aceitaria cargos partidários, mas também não é verdade que seja fácil a vida das mulheres de vida fácil e, por vezes, é necessário estarem dispostas a coisas que nunca pensariam vir a fazer. Quando é preciso lutar pela sobrevivência, ser nobre torna-se difícil.