A Honestidade Intelectual do Expresso…

É pena, chega a ser triste.

Aos poucos, de um jornal de referência que, escrevendo algo logo se acreditava que seria verdade, se vai chegando a um jornal que, escrevendo algo, logo se acredita que muito provavelmente tem gralhas ou omissões. E as omissões não são gralhas ou lapsos…

Aconteceu que o Expresso publicou uma galeria online com o sugestivo título “Viagem ao Douro dos anos 50, sem barragens“.

O título é verosímil. Os autores da peça apenas se esqueceram (terá sido omissão ou gralha?) de referir quer a origem quer a data das fotografias ali publicadas. Não são – de todo! – imagens da década de 50 do século XX. São antes fotografias de Emílio Biel a quem a então Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses (legítima predecessora da actual CP EPE) encomendara o acompanhamento fotográfico da valerosa e insana construção da Linha do Douro (1873-1889), Porto a Barca d’Alva, numa extensão aproximada de 200,5 km. Portanto, algumas fotografias têm mais que 60 anos, têm 137 anos.

Com efeito, nos tais “anos 50, sem barragens” a que alude o documento, e ao contrário do mostrado nas fotografias, já toda a linha do Douro tinha balastro (pedra) na via, algumas das estações tinham já sido largamente ampliadas e algumas das pontes ou viadutos tinham sido substituídos: tal é o caso do Viaduto da Pala (na imagem acima) (outra imagem de 1972, máquina a vapor com carruagens metálicas de fabrico suiço Schindler).

Ainda, e ao contrário do que o texto advoga, os “investimentos em barragens” não foram o sinónimo de se terem feito estradas “e melhoram-se as acessibilidades” porque muitas das estradas ribeirinhas (naturalmente sinuosas – são centenárias embora não tão antigas como o caminho-de-ferro). Portanto, se “ficou mais fácil circular junto ao vale do Douro vinhateiro, hoje património da humanidade” tal se deveu muito, e na maior escala, à chegada do comboio e não às barragens. Pormenores! Tanto mais que ninguém vem quotidianamente trabalhar da Régua para o Porto de barco…

E a patranha continua: “com mais energia verde e com novas acessibilidades junto a esses empreendimentos.” Esta afirmação é feita com base nos latos benefícios que o Douro (ele próprio) tem recebido como contrapartida da exploração da sua riqueza?? É que desde os tais anos 50 não se tem notado. Agora andam todos aflitos a dizer que sim, agora é que vai ser progresso para o Douro… já são os jornalistas do Expresso a dizê-lo, deve ser verdade.