​Arranje-se um culpado, por favor!

[Rui Naldinho]

Portugal foi mais uma vez atingido pela fúria da natureza, cuja lógica destruidora não teve contemplações com quem passasse à sua frente. Lamentar o sucedido, venerar os mortos e dar-lhes o repouso merecido é uma obrigação moral e cívica, para com os que tiveram a infelicidade de estar naquele local há hora errada.

Mas a natureza também pode ser regeneradora. Vamos ver como e o que se plantará sobre as cinzas de tão fatídico incêndio. Será que aprendemos alguma coisa? Ou cometeremos agora e sempre, os mesmos erros?

Hoje é fácil arranjar culpados sobre um conjunto de personagens intervenientes no processo florestal. Como também é fácil arranjar bodes expiatórios nas instituições que têm por obrigação proteger bens e pessoas. Das celuloses aos madeireiros, mas também os agentes políticos, seja a Ministra da Administração Interna ou os Autarcas das regiões atingidas, os primeiros responsáveis pela proteção civil dos seus Concelhos, diga-se, ao SIRESP, à GNR e os Bombeiros, todos estão na mira dos justiceiros do regime. Note-se que a maioria nunca apagou o mais pequeno incêndio, no quintal do vizinho. Se tudo isto não fosse recorrente, eu até acreditava que o país tinha sido vítima de um ataque terrorista.

Portugal tem condições climatéricas ímpares na Europa. Para o bem e para o mal. Talvez só o Sudeste de França tenha condições análogas às nossas, pelo que, chovendo bastante e com regularidade, no Outono e Primavera, essa meteorologia potência o crescimento da vegetação que serve de ignição ao incêndio florestal. Num qualquer Verão mais seco, quando as condições meteorológicas se posicionam a favor, com altas temperaturas e ventos, a catástrofe espreita. E há sempre uma pior do que a outra. Mesmo com a melhoria dos meios disponíveis. Mesmo com o desenvolvimento de novas tecnologias. A natureza é o que é!

Na Califórnia, no Canadá e na Austrália, locais cuja dificuldade em encontrar sinais de subdesenvolvimento me parece óbvia, são todos os anos fustigados por fogos intermináveis, com perdas de vidas e bens. Aí a culpa será de quem?

Podia aqui colocar dezenas de links com entrevistas, textos e análises, de uma enormidade especialistas que este país parece ter em matéria de Ciência Florestal, Meteorológica e Ambiental, contradizendo-se por vezes uns aos outros, mas não o faço. Porque ninguém me dá uma certeza. Uma resposta exata e definitiva. Apenas teorias. Dessas estou eu farto.

O nosso ordenamento florestal é mau. Mas sempre foi, ou não? Mas tudo piorou desde que há umas largas décadas atrás, nos anos 60, as aldeias do interior e os territórios adjacentes começaram a ficar despovoados, e já numa fase mais recente, habitados “apenas” por pessoas idosas que resistiram à saída, ou regressaram após a reforma. Com o abandono progressivo da agricultura, por fenómenos sobejamente conhecidos, os solos ficaram entregues à florestação desordenada. Mas também à soberba de grupos económicos instalados nas grandes urbes, que fazem da floresta uma espécie de árvore das patacas. Não faltaram no passado Fundos Europeus para isso. Falo com conhecimento de causa, e tempos houve em que o regabofe deu que falar.

Portanto, meus caros crucificar hoje a Ministra da Administração Interna é fácil, é barato, e poderá dar milhões aos novos “eucalipteiros do regime”.

Se bem que não foi ela provocou o êxodo maciço de populações para o estrangeiro e para as grandes urbes no litoral. Nem me recordo de ter sido ela a adjudicar o SIRESP. Também não foi ela que integrou os Guardas Florestais no corpo da GNR, nem me parece ser a proprietária das áreas ardidas.

Mas já que assim é, arranje-se então um culpado, e siga o coro fúnebre.

Façam-no por favor. Até à próxima tragédia!

Comments

  1. Luís says:

    O problema não está na Ministra, que não se deve demitir numa altura em que o governo está a avançar com medidas para tentar ordenar a floresta.
    O problema está em que foram dezenas de anos em que vários governos colocaram a floresta ao serviço das celuloses.

    • Rui Naldinho says:

      Para mim, mais do que a demissão da atual Ministra é necessário mudarmos de atitude.
      Se cada vez que houver uma tragédia, seja um fogo, seja uma ponte, seja um terramoto, seja num aeroporto, muda o ministro, e nada mais muda, haverá um dia em que ninguém para lá quererá ir.

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