Tu t´appelais Maria Schneider

Morreu hoje Bertolucci. O genial realizador, cujos filmes são padrão de referência do cinema europeu e estão na nossa memória, dos que temos idade para isso. Acima de todos 1900, o imperdível.

Morreu hoje Bertolucci – a notícia aparece em todos os media. Os elogios ao defunto são rasgados, terá um lugar eterno na história da cinematografia.

Morreu hoje Bertolucci, o realizador que quebrou a vida de uma rapariga de 19 anos.

Morreu hoje Bertolucci, o cineasta que traiçoeiramente engendrou, em conluio com Marlon Brando, 48 anos, a simulação da violação anal de uma miúda de 19 anos, perante as câmaras. Sem que ela soubesse o que ia acontecer, para exacerbar a autenticidade.

O filme, ficou como expoente de libertação da sexualidade. De que sexualidade?

Antes da sua morte por cancro em 2011, Maria Schneider repetidamente denunciou o abuso traumático de que foi vítima, a humilhação que sentiu. Ninguém a ouviu, a ninguém interessou. Nos 50 papéis que desempenhou depois do Último Tango em Paris, Maria nunca mais voltou a despir-se.

Numa entrevista que deu em 2013, Bertolucci contou o “detalhe” “da cena da manteiga” – de como traçou com Brando o plano de enganar e abusar de Maria; “De certo modo fui horrível para a Maria porque não lhe contei o que ía acontecer, porque queria a sua reacção como uma rapariga, não como uma actriz (…) Queria que ela sentisse, não que representasse a raiva e a humilhação.”  E se afirmou que se sentia culpado, também disse que não o lamentava; sentia-se culpado por não lamentar. De Maria, disse que ela o odiou para o resto da vida.

Morreu hoje Bertolucci, impune.

Vanessa Schneider, prima de Maria, escreveu sobre ela em „Tu t´appelais Maria Schneider“:

«Tu étais libre et sauvage. D’une beauté à couper le souffle. Tu n’étais plus une enfant, pas encore une adulte quand tu enflammas la pellicule du Dernier Tango à Paris, un huis clos de sexe et de violence avec Marlon Brando.
Tu étais ma cousine. J’étais une petite fille et tu étais célèbre. Tu avais eu plusieurs vies déjà et de premières fêlures. Tu avais quitté ta mère à quinze ans pour venir vivre chez mes parents. Ce Tango marquait le début d’une grande carrière, voulais-tu croire. Il fut le linceul de tes rêves. Tu n’étais préparée à rien, ni à la gloire, ni au scandale. Tu as continué à tourner, mais la douleur s’est installée. »

Abuso sexual e dominância masculina – razões da causa Me Too, que tanta controvérsia e incompreensão suscita.

Comments

  1. JgMenos says:

    Não percebo.
    Fui simulado ou não?

    • Lourdes Ribeiro says:

      O realizador confessou que não tinha avisado a actriz da violência da cena. Queria que ela reagisse naturalmente…

    • Se percebesses é que era de espantar…

    • Luís Lavoura says:

      Foi simulado, segundo tanto ele como ela. Quer dizer, não houve penetração.
      Mas não deixa de ter sido uma violação.

  2. Zeitgeist says:

    A impunidade do Bertolucci é um bom exemplo de como o zeitgeist (espírito do tempo) muda. Se fosse hoje …

  3. Ana, nunca apreciei e até rejeitei esse tal consagradíssimo filme que como diz “ficou como expoente de libertação da sexualidade. De que sexualidade? ” e do qual só conheci comentários e trailers …sendo à época ainda uma miúda/menina-mulher, como essa tal de
    “«Tu étais libre et sauvage. D’une beauté à couper le souffle. Tu n’étais plus une enfant, pas encore une adulte” …

    Fiquei só agora conhecedora deste horror que aqui denuncia…e chorei de raiva.
    …..e mais nada acrescento, a não ser para toda essa gente de Hoollyood, com desprezo :

    Shame on them !!!!!!!!

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