Directo a si, dr. António Costa!

[Santana Castilho]*

Na Educação, o ambiente é de profundo mal-estar e o programa do novo Governo não conseguiu atribuir-lhe qualquer réstia de esperança. Outrossim, acentua a onda de “planos”, “projectos” e “estratégias”, para picar os miolos aos professores. Antes de Maria de Lurdes Rodrigues, todos sabiam exactamente o que fazer. Os chefes eram menos e as escolas funcionavam. Depois cresceram os chefes. E consigo, dr. António Costa, cresceu a desorientação e o deslumbramento com as pedagogias sem sentido. E cresceram as siglas “eruditas” para denominar inúteis organismos, projectos, plataformas e planos. Veja estas, dr. António Costa (e não são todas), criadas pelas suas luminárias da modernidade: ACES, ACCRO, AERBP, AIRO, CAA, CAF, CD, CEB, CP, CPCJ, CRI, CT, DAC, DEE, DT, EE, EECE, EFA, ELT, EMAI, EO, ESAD, JNE, ME, PAA, PASEO, PE, PEI, PES, PHDA, PIT, PL2, RTP, SPO, UFC e ULS. Não lhe chegavam? Enxergue-se, dr. António Costa!

O dr. António Costa deu campo aberto ao narcisismo político dos seus prosélitos. Mas nunca promoveu um trabalho sério para apurar o que pensa a esmagadora maioria dos professores de sala de aula sobre um conjunto de temas-chave, que permitiriam reformar com solidez o sistema de ensino. Por isso, não me espanta que tenha perdido totalmente o pudor, proibindo as reprovações no Ensino Básico. Não me espanta, dr. António Costa, que a decisão política em Educação continue assente no desconhecimento da realidade e no oportunismo político das madraças da flexibilidade e da inclusão, criadas para pastorear incautos e transformar velharias falhadas em tendências pedagógicas novas.

O grande tema da comunicação social foi, recentemente, o professor que bateu no aluno e os alunos que batem todos os dias nos professores. O contraste evidente entre a presteza com que o Ministério da Educação suspendeu o professor agressor e a espiral de silêncio em que envolve as constantes agressões a professores e funcionários não pode passar de fininho. Sem rodriguinhos e medindo o que digo, é para si, dr. António Costa, que falo, que o ministro Tiago é tão-só seu mordomo. O dr. António Costa é um dos grandes responsáveis pela sucessão de políticas que têm reduzido os professores a simples funcionários, cada vez mais desautorizados e despromovidos socialmente. Um dos grandes responsáveis por, farisaicamente e de modo cruel e perverso, pôr a sociedade e a opinião pública contra os professores: para lhes retirar o direito à greve; para lhes retirar força salarial; para lhes roubar o tempo de trabalho cumprido. É duro o que lhe digo? Repito-lho na cara se quiser, sem seguranças de permeio, para ver se se domina, como o desgraçado professor da D. Leonor não se dominou.

O seráfico paternalismo com que os ideólogos a quem deu rédeas querem que os professores ensinem quem não quer aprender ou integrem quem não quer ser integrado, tem de ser denunciado. Com efeito, é fácil medalhar os líricos que decidiram a “inclusão” universal. Mas é impossível, sem meios nem recursos (materiais e humanos) lidar, dia-a-dia, na sala de aula, com jovens com perturbações mentais sérias, descompensados por imposições pedagógicas criminosas.

O problema, dr. António Costa, é a natureza das políticas, que fizeram entrar o ensino em decadência. O problema é que o dr. António Costa afaga banqueiros e juízes sem perceber que morre lentamente uma sociedade que não acarinha os seus professores.

Quando as obrigações do Estado não são cumpridas, é ao governo em funções que devemos pedir responsabilidades. Porque o governo, qualquer que seja a força partidária que o sustente, é o rosto do Estado. Porque, independentemente da responsabilidade subjectiva (que no caso vertente é sua), a responsabilidade objectiva do governo é proteger os professores das agressões de que são vítimas. O Governo falhou e o Governo tem um primeiro responsável. Por isso o acuso a si, dr. António Costa.

Victor Jara (que também foi professor) foi abandonado numa favela de Santiago do Chile, depois de torturado e assassinado, por cantar O direito de viver em paz. A sua sorte, dr. António Costa, é que os professores não são capazes de se unir, ao menos uma vez, para reclamar o direito de ensinar em paz. Antes que acabem, definitivamente, abandonados num país sem défice.

*Professor do ensino superior

Comments

  1. joaquim henrique coimbra rodrigo says:

    As palavras escritas neste soberbo texto de denuncia e protesto é por mim aplaudido de pé ! Não me passaria pela cabeça ver num programa de governo de uma democracia , no meu país o descarado e imperdoável incentivo ao desleixo, à preguiça . Acabar com o chumbo no ensino básico é um atentado lesa pátria ! Daqui a umas décadas a historia fará o julgamento mas até lá fica estra tristeza sem tamanho de ver um ensino aonde os alunos se limitam a passear livros e a inventar siglas para projetos sem futuro. Quem nos acode …?

  2. Abel Barreto says:

    Não sou professor, mas sinto como minhas todas as dores que eles têm suportado pelas sucessivas investidas da besta a que chamam governo da república. É que todas as asneiras que têm sido feitas a nível do ensino acabam por se reflecir directa e indirectamente na sociedade de que todos fazemos parte.

    Agradeço, por isso, a frontalidade que colocou no seu artigo, o qual espero que chegue ao conhecimento do principal visado.

  3. JgMenos says:

    A boyada assume-se como ‘destinada ao serviço público’.
    A cambada logo infere que isso lhes dá direito a lugar na função pública.
    A matilha logo se vê aumentada e com mais poder.

    • abaixoapadralhada says:

      Boyada, cambada, matilha !!!

      És um verdadeiro pastor, nazi menor !

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