Não querem ver o óbvio, mas a realidade encarregar-se-á de lhes abrir os olhos

Rui Naldinho

O Professor Mário Murteira defende que, no século XXI, se verifica uma “desocidentalização” da Globalização, uma vez que os países do Oriente, como por exemplo, a China, são na actualidade os principais actores do processo de Globalização, e a hegemonia do Ocidente no sistema económico mundial, está a aproximar-se do seu ocaso, pelo que outras dinâmicas regionais, sobretudo na Ásia do Pacífico, ganharam mais força a nível global. Para Mário Murteira, a Globalização está relacionada com um novo tipo de capitalismo em que o «mercado de conhecimento» é o elemento mais influente no processo de acumulação de capital e de crescimento económico no capitalismo atual, ou seja, é o núcleo duro que determina a evolução de todo o sistema económico mundial do presente século XXI.

Dito isto, que parece ser de uma evidência atroz, não é (?), perguntar-se-á o que fizeram os Partidos Socialistas e Sociais Democratas Europeus, para enfrentar nos seus Estados, como representantes de uma faixa substancial do eleitorado, a mais vulnerável, por acaso, o processo de desindustrialização que se seguiu, com todas as consequências que daí advieram para as suas economias e populações, como o desemprego de longa duração, a diminuição do rendimento disponível das famílias, a redução da natalidade, o abandono massivo das populações, das regiões interiores para o litoral?

Nada. Navegaram isso sim num mar de ambiguidades, sem saber muito bem para onde queriam ir. A agenda ia mudando de eleição para eleição. Basta ver o comportamento de alguns governos europeus, na ratificação do acordo CETA, para se perceber como não conseguem vislumbrar o futuro. Isto pode replicar-se em vários domínios. De um social democrata exigir-se-ia uma posição crítica e não porem-se de cócoras.

Sejamos honestos no plano intelectual. No Ocidente, falo dos políticos em geral, ninguém se preparou de forma clara e consistente para os efeitos “nefastos” que a Globalização iria trazer às economias europeias, com excepção talvez, da Alemanha.

As empresas e por arrasto as classes trabalhadoras, mais dependentes dos apoios estatais, sujeitas a mercados muito regulados, a exigências de protecção ambiental e de saúde pública, com custos acrescidos, ficaram à mercê de uma concorrência desleal, convencidos que estavam do cumprimento das mesmas regras por parte de todos, a nível do mercado global, num horizonte não muito longo. Ora, não é nada disso que se verifica. Verifica-se sim uma desregulação total de um lado, e um conjunto de leis comunitárias e nacionais, do outro, obrigando ao respeito mínimo dos equilíbrios sociais e ambientais já existentes.

A Globalização não trouxe só o empobrecimento das classes trabalhadoras na Europa e nos EUA. Trouxe também a fragilização e menorização das oligarquias europeias, face ao poder crescente dos asiáticos, pois abandonaram quase por completo o investimento no processo industrial, para se transferirem, na Europa, para outras áreas de actividade, como os mercados financeiros, o mercado de bens de consumo, o mercado das telecomunicações, o imobiliário, seguros e saúde, turismo, enfim, tudo investimentos de renda mais ou menos garantida, usando para o efeito mão de obra precária, uma vez que também não há grande investimento na formação destes activos.

Foram estas as razões mais remotas para a eleição de um Trump e de um Boris Johnson. O discurso anti globalização, em especial o anti imigração, tornou-se numa espécie de arma de arremesso contra os efeitos negativos produzidos pela Globalização, no Ocidente. Como o medo e a sensação de vazio tomou conta destas pessoas, elas agarram-se a isto como um de acto de fé, mesmo sem terem a certeza se alguma vez resolverão os seus problemas.

Como é que a Social Democracia respondeu a isto, em concreto?

Nos moldes habituais. Aos soluços. Aos ziguezagues. Talvez sim, talvez não!

Aquilo que se exigiria aos governos europeus presididos por Socialistas e Sociais Democratas, era que mitigassem com medidas eficazes, esses efeitos nefastos do processo de Globalização, nomeadamente com políticas públicas, como por exemplo, isto é apenas uma, fiscalidade zero para empresas no interior do país. Acessibilidades com custo zero para transportes de mercadorias do interior para o litoral ou para estrangeiro. Já sei, vão dizer-me que isso já existe. Não, não existe. O que existe é uma miscelânea de nada, à boa maneira portuguesa.

Exigir-se-ia aos Socialistas Europeus, que nos acordos comerciais celebrados entre os países emergentes, os BRICS, por exemplo, e a UE, os direitos sindicais e a liberdade de expressão política estivessem salvaguardados nesses Estados, sem que nenhum Acordo Comercial funcionasse fora dos moldes democráticos a que nos habituámos no Ocidente. Podia não ser à pressa. Mas tinha de haver evolução. Mas não. Aquilo a que assistimos há dias em Hong Kong pressagia precisamente o contrário.

Exigir-se-ia a governos europeus reformistas, que os acordos comerciais só funcionassem, se os países emergentes cumprissem os Acordos de Paris, para o Clima, por exemplo. Podia não ser de uma assentada, mas tinha de haver evolução.

Enquanto os Sociais Democratas e Socialistas não tiverem uma agenda económica, social e ambiental exigente, para cumprir na integra e não ficar apenas no papel, como é da praxe, que mude de facto o paradigma do nosso desenvolvimento, serão os populistas a receber os votos daqueles que num passado remoto se entregaram nas mãos dos sociais democratas e agora se sentem traídos por eles. Têm todas as razões do mundo para não acreditar neles, tantas foram as mudanças de discurso.

O resto, seja Corbyn, seja Hollande, seja Costa ou Sanchez, é tudo mais do mesmo. Contorcionistas!

Comments

  1. JgMenos says:

    Curioso delírio colonialista!
    Numa Europa guiada por facilitismos internos (no trabalho, no ensino, no parasitismo) decretavamos esses altos valores como condição de realizar o comércio de que dependem todas as mordomias!

    • Rui Naldinho says:

      Só prova que a ignorância é um dos seus atributos, Menos.
      Todo o comércio tem regras, homem. Ou devia ter. Coisa básica entre duas entidades que se presumem, de boa fé. Sejam Estados, sejam empresas, sejam pessoas.
      Talvez o Menos, não faça parte desse mundo. Acredito bem que sim, pelos comentários que produz.
      Portugal integrou-se na CEE, um mercado europeu com regras iguais para todos os membros. Daí ter-se tornado na maior comunidade económica inter estados, do planeta. Caso assim não fosse os outros membros mandava-nos às malvas. Não fosse assim, não andávamos às turras com a Comunidade por causa da fiscalidade dos carros.
      Ora, presumo que o Menos prefira a selva. É natural, pelo seu nickname!

    • Chega, Menos ! says:

      “Etiópia. Empregados fabris da H&M, Guess ou Calvin Klein ganham 23 euros por mês”

      https://expresso.pt/internacional/2019-05-08-Etiopia.-Empregados-fabris-da-HM-Guess-ou-Calvin-Klein-ganham-23-euros-por-mes

  2. JgMenos says:

    Entre a idiotia e a cegueira, o mais notável mesmo é não quererem ver:
    – Multidões a trabalhar em milhares de centros comerciais – palácios de luz e abundância – todo pelo preço da uva mijona e queriam, sustentar tudo isso a produzir a custos europeus ou sequer aproximados?
    – Começam saldos a todo o tempo e ainda assim a manter margens decentes
    – Quando vão para os artigos de luxo, pagam sobretudo a publicidade que os faz sentir gente de escol.

    E a toda a hora reclamam mais rendimento e mais poder de compra.
    Bem mereciam uma boa dose de socialismo e de comércio justo..

    • Paulo Marques says:

      Err, sim, embora dispense que seja em centros comerciais por várias razões. Mas se o Menos prefere que sejam os estados a pagar a sobrevivência (nem que seja na cadeia) a quem não tem lugar neste Bravo Novo Mundo, o Menos lá saberá.

    • POIS! says:

      Pois!

      Como diz o povo, lá na nossa terrinha: “entre a idiotia e a cegueira o Menos fica-se pela primeira”.

      Quem diz é o povo. Lá na nossa terrinha.

  3. Julio Rolo Santos says:

    Nem para os Bancos nem para a Saúde, o que têm chega, o que lhes falta são bons gestores.

  4. É engraçado ver textos em que se esquecem, que nem toda a gente pode comprar Mercedes e que compram preferencialmente fiats e em segunda mão. O mercado de Nicho tem de ser muito bem pensado e estruturado. Mas tudo se aplica numa economia solida e em desenvolvimento a nível global. Ainda esta semana Um camião atravessou de costa a costa os EUA. Muito rapidamente por uma questão de lucros, teremos mais de 22 milhões de desempregados no mundo, pois os camiões autónomos não param para descansar são mais económicos falando de combustível e peças, e não têm de pagar empregados e seguros e alimentação. Faz 2 anos que a Amazon despediu 5000 funcionários do centro europeu, porque robotizou todo o sistema de encomendas da empresa. Mesmo cá os bancos na década de 80 chegavam a ter em alguns balcões mais de 60 empregados. Hoje em dia a média é de 4, e com a tendência de fecho de mais balcões. Todos os trabalhos que possam ser trocados pela robotização ou informatização estão na calha do fim de vida! Estima-se que até 2030 percamos 1/4 da força actual de trabalho. Mesmo a Alemanha já está nas 28 horas por semanais, para poder dar trabalho ao maior numero de pessoas. E muito rapidamente os chineses meterão os seus carros a metade do preço dos Fiat a circularem pela europa. É apenas uma questão de tempo. E mesmo isso terá um fim. Anda tudo a sonhar com a época áurea do trabalho, que é algo que já morreu e ninguém ainda se deu conta, excepto claro os grandes grupos económicos que estão a instrumentalizar os governos e partidos sejam eles quais forem, para continuarem a alimentar a utopia até que os seus bolsos estejam bem cheios. Algo que não compreendo porquê, com a quebra generalizada do poder de compra, tanto os países como as moedas dos países terão uma quebra gigantesca. O real valor do que estão a amealhar em capital é relativo. A esquerda deveria ser a primeira a adaptar-se ao novo paradigma social que aí vem. E está a fazer exactamente o contrário. Os velhos de esquerda não vão morrer tão cedo e vão ver o que vai acontecer com o mundo. E os novos, ainda não perceberam que é a hora da mudança! Tem de se começar a cobrar os novos empregados virtuais e os elétricos.

    • Paulo Marques says:

      Há muito mais miséria graças à austeridade do que ao mito da inteligência artificial. Não é, certamente, com a falta de investimento da manutenção das estradas, incluindo a sinalização, que se ajuda o computador, mas para fazer diferente era preciso assumir que arranjar Euros é a parte trivial do problema.
      Para nem falar do disparate que é transportar de costa a costa de camião, mas isso é outra conversa.

      • Entre a relatividade das coisas, vivemos num país envelhecido sem novos contribuintes, Sem novos contribuintes, não temos comércio, Sem comercio, as empresas deixam de contribuir e fecham, se fecham mandam para o desemprego milhares de pessoas. Ser competitivo para o mercado exterior é ainda mais complicado. Para combater isto as empresas promovem a poupança. Como? Reduzindo onde gastam mais, nos funcionários. O problema não é tanto a inteligência artificial mas sim a robotização. É a robotização que mais postos de trabalho arranca. Logo arranjar dinheiro nos dias que correm não é nada trivial, e já se começa a ver o fim deste sistema monetário. O transportar costa a costa um produto deve-se apenas ao facto de ser uma distancia longa logo perfeita para um teste. E tendo em conta a história Americana, durante anos e anos o transporte mais viável para mercadorias foi mesmo o camião. O importante aqui não é se é lógico o que fizeram mas sim o que provaram. E não são os únicos a fazê-lo até a Uber já tem um camião que o provou que o pode fazer. Até mesmo as fabricantes de aviões só estão à espera que os carros autónomos comessem a ser vendidos em força para começarem a vender os primeiros aviões sem piloto. https://www.bbc.com/news/world-us-canada-42170100?fbclid=IwAR0yAWu73uCYVqC1CGbia0HeMvn_XHcz__QBAMlvo-StdTaQKB5v_uhVYGU

        Este link pode ajuda-lo a ver onde já anda a robótica: https://roboticsandautomationnews.com/2019/12/16/first-patients-treated-in-robotic-arrhythmia-treatment-at-kansas-hospital/27561/

        • Paulo Marques says:

          Tirei um mestrado na área. Não é muito, até porque está a léguas do que se faz com milhões mas fez-me pesquisar muito. Como no resto das áreas, é de assumir que metade dos artigos de jornal (salvo raras publicações) são pagos e o resto quase todos escritos por quem não sabe do que fala.
          O problema é, para não variar, político, estourado que está o modelo de consumo com base em crédito, baixos salários e desemprego escondido. Por muito que os Saraivas deste mundo falem no mercado estrangeiro, ignorar a estabilidade do mercado interno só faz com que se pague educação para outros beneficiarem.

  5. Luís Lavoura says:

    fiscalidade zero para empresas no interior do país

    Ideia muito bonita, só que, o interior é uma coisa gradual. Há freguesias muito interiores, outras meio interiores, outras ligeiramente interiores. Na prática, seria portanto muito complicado, teria que se ter fiscalidade em muitos níveis. Seria um IRC com escalões de interioridade.

  6. Julio Rolo Santos says:

    O mundo está em constante mudança, já lá dizia o outro, o que se avizinha é um novo mundo virado para a tecnologia avançada e o aluno de hoje, que continua a ser obrigado a aprender matéria do passado, não vai certamente agarrar o futuro e isso vai ser muito mau não só para ele mas para o todo colectivo. A escola tem de mudar radicalmente e tem de dar mais atenção ao aluno que está para além do dia a dia e será que o professor tem pedalada para o acompanhar? Quem não estiver atento aos sinais de mudança, não se pode ficar pela crítica mas deve parar para pensar, que contributo espera dar para que se dê a mudança.

    • Paulo Marques says:

      Por amor de Vishnu, os putos têm ainda mais facilidade do que eu tive em pegar nisso. Só não percebo para que lhes serve isso na colónia de férias alemã.

  7. Alvaro Fonseca says:

    O Aventar está a precisar de descer à Terra. Há demasiada gente fascinada e enganada pela narrativa tecno-futurista – a robotização e a (alegada) desmaterialização da economia são logros criados pelos media e ‘influencers’ para alimentar a máquina ecocida e sociopata da finança e economia transnacionais. A catástrofe ambiental (que não é apenas climática) está em curso e os seus efeitos vão tornar-se progressivamente mais visíveis. A energia e os recursos minerais para alimentar a tal economia digital e ‘smart’ é insuficiente ou é insustentável. Vamos precisar de desmantelar a globalização destrutiva, de relocalizar as actividades económicas e produtivas, e reduzir o consumo. Podemos fazê-lo de forma voluntária e planeada ou fá-lo-emos à força, pois os colapsos (ambientais e/ou sociais) estão ao virar da esquina.

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