Meu querido aluno,
Sei bem o que representa o ensino básico, objectivos gerais e não sei quê, mas queria dizer-te isto porque acho que há limites…
País e professores passam o ano inteiro a dizer-te, a ti que frequentas o ensino básico, que deves estudar muito se queres passar. Se não estudares, reprovas.
Olha que não é verdade. Em termos de avaliação, todo o ano lectivo é a maior mise-en-scéne que algum dia conhecerás.
Fica a saber que, estudes muito, pouco ou nada, o resultado será o mesmo. Mais uns níveis 4 ou 5, talvez, mas se te contentares com um 3, basta fazeres figura de corpo presente. Ou nem isso…
Não é o que te dizem, claro. “Estuda, vais ter negativa. Vais reprovar”.
Tretas. Os teus pais sabem que não é verdade. A menos que sejam burros.
Sabes, querido aluno, em algumas escolas os professores têm de fazer uma justificaçāo oficial quando dão menos de 96% de positivas. Numa turma de 20 alunos… é fazer as contas.
Se não for 96%, é 95. 90. 80.
É para o teu bem, dirão os professores no Conselho de Turma onde tudo já está decidido desde o princípio. Não dá mais, coitadito. Não tem quem o ajude em casa. Não fica a fazer nada no mesmo ano.
Ou então não é preciso motivo nenhum. Como ainda hoje aconteceu, entras no Conselho de Turma com 9 negativas e, com a singela pergunta do DT, “quem sobe as notas?”, sais de lá com 2.
E ano após ano, tu sabes que nada precisas de fazer porque passarás na mesma. Mas os teus pais fingem que estão preocupados. E o DT até sugeriu que podias reprovar.
Não, não podias. Nunca pudeste.
Ficas contente. Ficam contente os teus pais. Ficam contentes os professores, bem mandados que são pelos seus directores. Ficam contentes os directores, bem mandados que são pelos governantes.
Ufanos, os governantes – para quê investir num ensino de qualidade se têm na mesma os resultados desejados? Taxa de sucesso próxima dos 100%, abandono escolar erradicado à custa de ilegalidades, nem é preciso decretar o fim dos chumbos. Os professores são paus bem mandados nesta bandalheira que é o ensino básico em Portugal.
E eu, querido aluno, sabendo que estão a fazer-te mal (como estão a fazer às minhas filhas), sabendo que estão a condenar-te à mediocridade, vou continuar a lutar do outro lado da luta?
Tendo em conta a elite que se governa, sou capaz de não notar diferença.
A educação é como a economia, toda a gente sabe como deve ser por senso comum, por muito que a realidade contrarie. Eu prefiro estar calado sobre a primeira, que ainda não estudei. Mas que os alunos têm sucesso, têm, ou não fossem uma boa exportação.
Mas não está a generalizar demasiado?
Face à situação que se vive, acompanhei algumas aulas online do meu neto de 9 anos, portanto no 4º ano.
E foi uma surpresa completa por 2 razões:
1ª- A postura ainda um pouco infantil que mantém connosco mudava radicalmente e parecia um adulto a dialogar com a professora;
2ª- Comparar o nível da matéria ensinada (aprendida) com a do meu tempo é o mesmo que comparar um burro com um cavalo de corrida.
Posso deduzir que a situação que descreve não é um padrão para todas as escolas?
Desta vez é diferente? Onde está a diferença em relação ao passado pós 25 de Abril de 74 até hoje em que até os atuais professores beneficiaram destas facilidades? E hoje têm emprego, são professores. O facilitismo está mas matérias dadas e na forma como são dadas. Matérias e métodos já desatualizados.
Eu, como pessoa que acompanha a educação dos meus filhos, aquilo que me choca não é o suposto “facilitismo” descrito neste post, é precisamente o oposto.
Aquilo que me choca são os incompreensivelmente e inadmissivelmente extensos e complicados trabalhos que os professores mandam os alunos fazer em casa. Tão extensos e tão complicados que nenhum aluno da idade daqueles alunos consegue, humanamente, realizar tais trabalhos sem a (muita!) ajuda dos pais.
Os professores atualmente quase não ensinam: mandam os alunos procurar, com a ajuda dos pais, o conhecimento em casa. Em vez de, suponhamos, ensinarem aos alunos o talento de Gil Vicente, mandam os alunos em casa fazerem um trabalho sobre o talento de Gil Vicente.
O ensino atual não é nada facilitista. Pelo contrário, é muitíssimo mais exigente – para os pais, e para os alunos – do que era há 40 anos.
Luis Lavoura.
Para os pais que têm bases para educar os filhos. O que diz implicitamente é que o ensino exclui ab initio pobres, filhos de pobres, sem educação. Um trabalhador rural nunca pode fazer aquilo de que um professor se exime. Por outras palavras, o que diz é que o ensino público, pago por mim e por outros, anda a nutrir a classe média licenciada e a atirar para a precariedade os filhos dos pobres. Resumindo: o ensino público não serve nem a missão educativa nem o propósito de criar uma sociedade mais coesa.
Afinal para que serve? Assegurar ordenados e reformas aos docentes?
Mais dois especialistas em ensino.
Eu? Zero e zero quero saber. Mas é assim tão difícil perceber que o engenheiro tem mais capacidade de ajudar o filho nos trabalhos escolares que o padeiro?
Quanto aos professores, é um clássico: são muitos e puxam pelo deles. Se um dia a discussão passar do duo ministério da educação-fenprof para fenprof-escola uma a uma, sempre quero ver se continuamos a ter que gramar com manifs avenida abaixo das senhoras doutoras em defesa da “escola democrática “, que é como quem diz, não quero ter que responder perante seja lá quem for.
Podiam começar por um ponto: em nome da igualdade de género, cada escola não pode ter mais que cinquenta por cento de pessoal docente masculino ou feminino.
Podiam também continuar com as candidaturas nacionais aos lugares: concorreu pelo Minho, ou sim ou não. Entrou? Não? Paciência. Não vá o diabo mandá-los para as Beiras e lá vem novo choradinho que têm que fazer 200km e o ordenado não dá.
Como engenheiro, tenho menos certezas do absolutismo da afirmação. Até porque o ensino, dois séculos depois de não sair do sítio, já não é o mesmo, porque também já não é para empregados fabris.
Com os profs a passar para a competência das escolas deixa de ter manifs para que haja uma carreira, mas passa a ter mais nomeações personalizadas do cacique local e controlo das contas pelas autarquias. São escolhas.
Não necessariamente. O concurso pode continuar a ser administrado a nível nacional. Podem e devem é limitar o âmbito geográfico da candidatura.
Pode substituir o engenheiro pelo quadro superior da função pública, com mestrado em letras. Deixa de ter fábricas passa a ter burocratas.
Há duzentos anos que o ensino não saiu do sítio? Desde 1820? Quem diria…