Não temos água, não temos electricidade, mas também não temos os russos

“Não temos água, não temos electricidade, não temos televisão, não temos internet, mas também não temos os russos.”
Cidadão de Xerçon em entrevista divulgada na CNN ontem.
Lembro-me dos tempos em que debatia quando surgiu a nação em Portugal e, ainda hoje não temos, nem precisamos de uma resposta, porque é algo que se vai assimilando e incorporando no tempo, mas este senhor define, na sua simplicidade, o seu sentimento de pertença a uma nação, no caso, a da Ucrânia.

Quando abalam esse sentimento de pertença ao grupo que faz parte da nossa identidade, dói-nos e reagimos na defesa dele, mesmo colocando a vida em risco. A essência social humana e a de muitos outros animais, diga-se, é essa, a de pertença a um grupo com características naturais, econômicas, sociais, culturais e um território. Foi esse o salto civilizacional da família para a sociedade, grupo de famílias e indivíduos que partilham a mesma identidade e território.
O “povo” é simples, não necessita de grande vocabulário ou semântica para exprimir o que é, porque não sente necessidade de compreender o óbvio e muito menos de o explicar.
Estou convencido que se a cidade de Xerçon ficasse na posse do Estado russo, os cidadãos da “família” russa exprimir-se-iam da mesma forma relativamente ao seu grupo de pertença.
O que ali está em causa é existirem 2 grupos de pertença, duas nações, que conviveram harmoniosamente durante séculos e que, de repente, viram criadas trincheiras, muros, desavenças e agora uma guerra sanguinolenta. Já tínhamos visto na ex-Jugoslávia, sim.
Estou convencido, convencido apenas, de que foram os detentores do poder que foram incutindo divisões numa sociedade em que duas nações que viviam em paz, partilhavam o território e até laços estreitos, e não os cidadãos que não encontravam nenhum problema nesse modo de vida.
Mas os donos dos poderes e da guerra disto não querem saber, ninguém quiz cuidar de manter esse salutar modo de vida partilhada e compartilhada e, até, de o promover.
Sim, foram os Estados (entidade política que se sobrepõe aos cidadãos) que promoveram esta e outras guerras e empurraram os cidadãos para o ódio ao seu vizinho, aos seus amigos e até familiares.
E esse é o primo crime contra a humanidade – os donos dos Estados virarem os cidadãos, que vivem em harmonia, uns contra os outros, até que um deles sucumba.

Comments

  1. Paulo Marques says:

    Acho piada a mais uma acção de propaganda onde não bate a bota com a perdigota: então entendem-se durante 9 meses, e quando um lado foge por não se sentir seguro, é uma vitória dos bons, onde nem a expulsão dos jornalistas que não quiseram esperar pelas empresas de RP merece grandes comentários.
    É a democracia liberal, senhores. Os cidadãos mandam mais, mas o campo de distorção que os informa é o mesmo.

    • JgMenos says:

      A falta do ‘Grande Irmão’ é o problema que nos põe neste liberalismo, nesta distorção que resulta da liberdade.
      Que encontres um ‘Grande Irmão’ que te tire dessa aflição e te f^, são os meus votos.

      • POIS! says:

        Ora pois!

        Fica sempre bem desejar aos outros o que tanto o faz Vosselência feliz!

        No seu caso, o “Grande Irmão Fuzileiro”.

      • Paulo Marques says:

        Eu uso o Google, mas não faltam outros. Felizmente regulados por aqui, como o Grande Rico se arrisca a descobrir.
        Mas, err, é bom que continues a confirmar que o teu problema é a narrativa não ser credível quando se pode pensar.

  2. Rui Naldinho says:

    A população de Kherson até inícios deste século era maioritariamente russa. A percentagem situar-se-ia nos 60% de russófilos se assim se pode chamar, em comparação com os 40% de cossacos, considerando esta etnia, a de maior prevalência entre os ucranianos, na região.
    Também é verdade que estes russos na Ucrânia, como noutras regiões da antiga União Soviética são o fruto das transferências forçadas por Estaline, de milhões de russos para estas regiões, procurando uma espécie de miscegenação forçada das populações autóctones. Com pouco sucesso diga-se. Um pouco como fez Franco, na Catalunha, após a Guerra Civil Espanhola, com a deslocação de milhões de Andaluzes, para o território Catalão. Este processo era recorrente e muito antigo e foi usado durante décadas, no passado, sem que as populações originárias se deixassem assimilar.
    Quando vemos as populações resistentes a dar vivas em Kherson à chegada das tropas ucranianas, falamos dos que sobraram. Os ucranianos.
    Para além do imperialismo norte americano, que tem a sua mão neste conflito, conduzindo na rectaguarda todas as ações políticas do governo ucraniano, que contribuíram em grande parte para este desfecho bélico, eu diria que este conflito tem muito de herança estalinista. Em parte pela mão de Putin e dos seus assessores, tanto na ação militar como na estratégia política, mas também não se pode dissociar a russificação forçada destes territórios no passado, no tempo da União Soviética.
    As ditaduras têm este condão de destruir todo o sentimento de auto-estima das populações subjugadas, minando tudo à sua volta, levando para as gerações futuras muitos dos traumas do passado. O regurgitar destes traumas de forma violenta só precisam de um rastilho de pavio curto. Há muito que os EUA sabem disso.

    • Paulo Marques says:

      É verdade, mas já lá vão umas gerações em que se podiam ter entendido, e uns acordos que podiam ter sido cumpridos, antes de sermos obrigados a acreditar que se andaram a bombardear a eles próprios. Os traumas não surgiram a 24 de Fevereiro.

    • JgMenos says:

      Tudo traduz o colonialismo russo, promovendo a miscigenação étnica que, sob o higienizador rótulo socialista logo põe os anticolonialistas em estado de transe progressista!
      Agora que o PIDE lá do sítio, arvorado em czar, se sentiu confortável no poder, lá ressurge a Grande Rússia, sem que com isso os lambecús soviéticos deixem de manter a prioritária luta contra tudo que se aproxime da liberdade.

      • POIS! says:

        Ora pois! É natural!

        Que o encomiasta do Oliveira da Cerejeira queira ser PIDE! É o sonho da perfeição!

      • Paulo Marques says:

        O russo, claro. Nada a ver com a realidade implantada da Argentina ao México, ou da África do Sul ao Egipto, onde nunca houve miscigenação forçada com os nativos. Pode lá ser.

    • Rui Naldinho,

      De acordo com a sua visão imperialista que chegou até hoje, mas permita-me que tente ainda dar umas achegas no assunto.
      Habituamo-nos a chamar de imperialismos no sec. XX, em particular, o russo e o norte-americano, embora tenham matizes diferentes. Enquanto os EEUU foram um Estado ascente no século passado e já há umas dezenas de anos o dominante império mundial, o império russo já estava em declínio teriitorial, muito embora se tivesse afirmado a nível de superpotência militar. No que concerne a Estaline, o seu papel traduziu mais uma continuação do enorme império colonial dos czares, tendo sido o 3º maior império de sempre, a seguir aos inglês e ao mongol.
      O que pretendo dizer com esta introdução, é que, para além do facínora que foi em quase todos os aspectos, Estaline foi o chefe de Estado de mais um país colonialista à semelhança de muitos outros europeus, desde o inglês ao espanhol, do português ao francês, do belga ao alemão. Todos estes países tentaram defender o poder territorial das suas colónias, sendo, é verdade, a Rússia a que conseguiu mantê-lo mais tempo, até 1989 e anos seguintes. Os EEUU, diversamente, construíram e exercem o seu poder imperial através da subjugação económica e, quando esta não corria de feição, raramente usavam os seus militares, preferindo financiar localmente quem melhor servisse os seus interesses.

      Ora, nos EEUU não há uma ditadura nem houve ditadores e a “destruição de todo o sentimento de auto-estima das populações subjugadas, minando tudo à sua volta, levando para as gerações futuras muitos dos traumas do passado”, verificou-se igualmente. Ou seja, poderemos chamar de colonialismo ou imperialismo que se trata de uma questão semântica. O que está em causa é que, apesar de não querermos, a Guerra Fria não acabou com a Queda do Muro, como se sói dizer, apenas apanhou uma Rússia menos forte e os EEUU avançaram a seu bel prazer mundo afora a ditar os seus interesses ao mundo.
      Nós, europeus da UE, somos mansos, aceitamos esse domínio e vivemos bem com ele, aliás, como poderia ser de outra forma após os americanos nos tirarem do afundanço de 2ª Grande Guerra, mas nem a Rússia decadente, nem a Chima ascente, aceitaram esse domínio monolítico que culmina, para já nesta 1ª guerra entre o império russo e o império norte-americano, onde quem sofre são os ucranianos.
      É o primeiro choque quase frontal, mas teremos de nos habitual à ideia de o mundo, em geral, e essas duas potências, em particular, estão a tentar dizer e mostrar que não aceitam mais esse domínio global dos Estados Unidos.
      A ver vamos no que dá esta guerra que Putin começou e Biden tem alimentado, mesmo sabendo que de um lado e doutro, andaram a instigar ódios que não existiam entre as populações ucranianas.
      Esta guerra acabará quando Biden quiser, essa é a verdade que vejo desde o início da invasão por Putin, porque a Ucrânia sozinha nada poderia nem pode contra a Rússia.
      No entretanto, continuam os poderes a instigar o ódio estre as populações que viviam em paz e harmonia.
      Um abraço, Rui Naldino

      • Rui Naldinho says:

        Caro Carlos A. Alves

        Concordo com tudo o que escreveu. Não vislumbro qualquer objeção.
        Quero no entanto colocar aqui um ponto que talvez me tenha escapado, o qual tem uma importância primordial no desenrolar deste conflito.
        O imperialismo russo, considerando a secular ocupação de territórios que não eram seus, tem no entanto uma continuidade geográfica que outros imperialismos não tiveram. Por exemplo, Portugal é este pequeno território meridional na Europa, ainda que o seu império colonial extravasasse outros continentes, “por mares nunca dantes navegados”.
        O Reino Unido, a maior potência colonial do planeta, é uma ilha. Em seu redor apenas teve a Irlanda, outra ilha, e uma pequena parte da França actual, como parte do seu território colonial na Europa, no período do Renascimento. No entanto, países como a Índia, os EUA, a Austrália, parte do Canadá, isto só para falar nos maiores, estiveram debaixo da sua tutela, até meados do século passado.
        A Rússia e todas as suas ex repúblicas tem essa continuidade geográfica que maus ninguém teve ou tem, e faz dela uma potência com forte pendor intervencionista, tentando evitar que qualquer uma dessas ex repúblicas, suas vizinhas, se torne uma plataforma ou rampa de lançamento dos seus inimigos ancestrais. Primeiro a China e os Turcos, e já depois da revolução bolchevique, os EUA. Mais até do que a CEE.
        Abraço

        • Absolutamente de acordo com tudo o que acrescentou, Rui Naldinho.
          Saliento a continuidade territorial e o facto de o imperialismo russo incidir muito particularmente na domínio do poder político, enquanto o americano opta pela via do domínio económico.
          Um abraço

  3. Luís Lavoura says:

    Que está a bandeira americana a fazer no uniforme daquele soldado?

    • Simples! Quer dizer que foi graças à ajuda dos EUA que Kherson pode libertar-se da tirania e dos mercenários a soldo da Rússia!

    • Paulo Marques says:

      Pois, não devia. Mas, lembra-te, eles querem a paz e nada tẽm a ver com isto, só financiam, armam, e treinam o exército.

      • JgMenos says:

        Tens toda a razão…lá se te vai a Grande Rússia, esperança maior da esquerdalhada de que o Império se diga uma vez mais socialista para agasalhar todo o cretino pseudoigualitário.

        • Paulo Marques says:

          Mas vai, aonde? Já não foi logo em Fevereiro? E já permite sindicatos livres, passou impostos proporcionais, regulou o capital, e ninguém me disse? Já abandonou a cruzada anti-LGBT?
          Muito me conta, muito me conta.

    • Lado a lado com a britância com outras cores. É também curioso constatar que a bandeira americana está invertida propositadamente. A mim faz todo o sentido, não me é estranho.

    • Nada estranho, Luís Lavoura, faz todo o sentido, tanto a bandeira americana invertida, como a britância de outra cor.

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