Daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus

Marco Rubio, senador republicano reeleito na Florida, começou o discurso de vitória agradecendo a Deus por lhe permitir estar na América, afirmando, de seguida, que Deus se fez homem através de Jesus, caminhou pela Terra e voltará um dia, e por ele viveremos uma vida eterna.

Não me interessam as convicções religiosas de cada um. Não me dizem respeito. Não me interessa se rezam a Deus, Alá, Buda ou à Mãe Natureza. Interessa-me, isso sim, que a liberdade de culto seja plena. A democracia exige-o

Interessa-me também a laicidade, condição essencial para a existência de um sistema democrático. Ideologias e partidos vão e vêm. Perdem e ganham. Transformam-se e extinguem-se. Já o fundamentalismo religioso não ganha nem perde eleições. Não responde à razão. E, quando toma o poder, entranha-se, corrói e suprime a liberdade. Democracia e teocracia são incompatíveis. Sempre foram, sempre serão.

Segundo a narrativa dominante, Rubio tem um posicionamento ultraconservador. E o ultraconservadorismo tem direito ao seu lugar à mesa da democracia. Quer mais armas na rua, muros nas fronteiras – as mesmas que deixaram entrar a sua família vinda de Cuba – e não gosta de homossexuais. Outros, como é o meu caso, não são apreciam o faroeste, racistas e homófobicos. Não podemos gostar todos do mesmo. Cada um com as suas pancas.

Mas esta instrumentalização da religião, que de resto é prática comum no Brasil e em várias praças europeias, é uma perigosíssima ameaça à sobrevivência e à própria existência das democracias liberais. Com Orbán, Morawiecki e Meloni ainda se vai aguentando. Com a superpotência nuclear nas mãos de gente que professa o nacionalismo cristão e defende o Estado subjugado a religião, é capaz de ser mais complicado de lidar.

Isto, a meu ver, era mesmo como dizia Jesus: a César o que é de César, a Deus o que é de Deus. E a política é dos Césares, não dos sacerdotes. Tal como a democracia, que emana das leis que geram consenso alargado entre os Césares, não da ambiguidade da Bíblia, interpretada de diferentes formas, no tempo e no espaço, à medida das crenças e ambições de cada papa, inquisidor ou falso messias. A Deus o que é de Deus. E de Deus é a fé, a devoção e o culto. Os Césares que se ocupem de assuntos menores, como as leis e a política. Como de resto ensina o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos. De que adianta fazer política com a Bíblia na mão, se depois preferem ler o Bannon?

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Ex-governador do Banco de Portugal “não se retratou nem pediu desculpas”, revela António Costa.

Foto: E. Vives-Rubio (https://bit.ly/3GnsOhZ)

A mais recente campanha publicitária do Lidl: quando o capitalismo selvagem se apropria das causas sociais

A mais recente publicidade do Lidl, aplaudida por tantos, mostra-nos crianças a brincar com brinquedos. Inovador, pensam vocês. Não, são só crianças a brincar com objectos de plástico. Mas por que razão foi tão aplaudida, perguntam vocês.

O aplauso advém da ânsia que a sociedade tem em ver grandes empresas, lobbistas ou o Estado resolverem os problemas que o povo desistiu de tentar resolver. A nova campanha publicitária do Lidl mostra-nos rapazes e raparigas, com idades entre os 1 e os 7 anos, a brincarem normalmente – a mesma foi aplaudida porque, supostamente, cria uma ruptura com a “normatividade”, pois há rapazes a brincar com conjuntos de princesas e raparigas a brincar com conjuntos de super-heróis. Estas práticas, toda a gente sabe, a sociedade já não consegue aceitar… ou será que a campanha do Lidl é uma distopia?

É mesmo. A campanha do Lidl é isso mesmo: uma estratégia de marketing pura e dura, onde a publicidade apelativa leve os leitores a serem potenciais compradores… numa altura em que estamos quase no Natal… e onde gastamos dinheiro… para as crianças. Visa, acima de tudo, vender: e numa época de polarização, que tal tentar fazer a venda apelando à Humanidade do potencial comprador, usando uma causa social pelo caminho para lá se chegar? É o que acontece aqui. E o Lidl já venceu a causa.

Venceu, porque usou uma fórmula que, hoje, é o B A B A do marketing: usar causas sociais (sejam os direitos das crianças, das mulheres, das diferentes etnias, das diferentes sexualidades) como combustível para apelar à compra. Venceu, porque, inteligente, não colocou o anúncio na TV, apenas o colocou nos folhetos, os quais chegam a grupos restritos de pessoas e… à internet, onde, aí sim, o Lidl sabia que faria as delícias de alguns internautas mais “woke” e que estes se encarregariam de partilhar a campanha do Lidl, fazendo publicidade gratuita sem que o Lidl mexa mais do que uma palha. Está de parabéns, o Lidl.

O Lidl é uma rede de supermercados, presente em 32 países, pertencente ao Grupo Schwarz (o maior grupo de retalho na Europa e o sexto maior do mundo), avaliado em cerca de 57.000 milhões de dólares. O seu objectivo é vender os seus produtos e a forma de lá chegar… pouco importa. Não podem, portanto, ser deixadas nas mãos de uma empresa capitalista, avaliada em biliões, as causas sociais que dizem respeito a toda uma sociedade… sem cotação em bolsa. O mais curioso é esta campanha ter surgido depois da notícia que dava conta de, num armazém alemão de um fornecedor do Lidl, terem sido encontrados pintainhos mortos, cadáveres debicados e galinhas mal tratadas.

O povo e as suas causas não são piada, não são bens de consumo, não são folhetos divertidos para vender plásticos. O povo é carne e osso. O povo e as suas causas não são matérias primas prontas a ser transaccionadas, como se os direitos sociais fossem meros produtos de consumo, como um Action Man ou uma Cinderela de plástico. Às empresas o que é das empresas.

Ao povo o que é do povo.

Boicotar Qatar

A “festa do futebol” que nos querem servir no Qatar está banhada a sangue.