Marcelo Rebelo de Sousa: da irreverência à irrelevância

O passado de episódios de irreverência de Marcelo Rebelo de Sousa, desde o famoso “lélé da cuca” ao não menos famoso episódio da “vichyssoise”, é sobejamente conhecido.

Na construção do seu percurso rumo ao Palácio de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa cuidou de gerir a sua imagem de comentador político de referência em Portugal. De início na rádio e depois na televisão, passou a ser visto e escutado com reverência ao Domingo à noite. E rara era a Segunda-feira que as suas análises não eram debatidas.

Quando em 2016, finalmente, atingiu o seu propósito maior, tornando-se Presidente da República, logo se percebeu que não iria conseguir largar a pele de comentador político. E se antes apenas o tínhamos a comentar a actualidade política na televisão ao Domingo à noite, desde aquela data passamos a tê-lo todos os dias e a todas as horas.

Contudo, algo mudou: a sua irreverência deixou de ser espontânea e episódica, que o fazia uma referência interessante, e até quase icónica, no cinzento panorama político português. E passou a ser um saturante exercício de popularidade de quem quer ser amado, ou mesmo venerado, por todos. Ou, simplesmente, notícia.

O seu ego poderá estar satisfeito com todos os microfones e holofotes que tentam, todos os dias e a qualquer hora, captar-lhe uma frase, um gesto ou tão só um trejeito. Qualquer coisa que se venda, num país sem mercado para tanta imprensa, e noticiários inchados à custa de esteróides feitos à base de cartilhas político-partidárias.

Todavia, a figura institucional de Presidente da República tem vindo a deteriorar-se. Pois que a sobriedade e probidade não combinam, por exemplo, com um Chefe de Estado que surge na televisão em calção de banho a fazer considerações sobre o Orçamento do Estado.

Isto, sem mais delongas sobre outros episódios, pouco abonatórios, do exercício do seu mandato – e, infelizmente, há muitos, desde entradas de leão com saídas de sendeiro nos raros reparos que fez ao Governo; passando pela pronúncia sobre assuntos internos no estrangeiro apenas quando lhe interessa; ou pelas metáforas que não passam de exercícios de estilo de auto-satisfação ou de recados à boa moda de política palaciana.

O que torna tudo isto grave, é o modo como a nossa República se encontra em acelerado processo de decadência. Sendo a máxima “regular funcionamento das instituições democráticas”, pouco mais do que um chavão, como tantos outros que são usados de acordo com as conveniências do momento.

Na verdade, não há “um regular funcionamento das instituições democráticas” material, quando um Governo dá consecutivos tiros nos pés por força de escândalos, que a coeva baixa fasquia da ética republicana, classifica como “casos e casinhos”. Nem quando se justifica que uma investigação criminal que, alegadamente, abala o regime político-partidário, não tenha, ao fim de 6 anos, qualquer arguido constituído e muito menos conclusão. Porque, segundo a Procuradora Geral da República, não há meios suficientes. Nem quando se instrumentaliza o SIS, para funções que não competem a estes serviços, num carrossel de contradições, omissões e leviandade. Nem quando o segredo de justiça é reiteradamente violado, com regular impunidade. Fazendo-se da praça pública, o tribunal, e da opinião pública, o juiz. Nem quando um Presidente da República dá a entender o que pensa ou o que irá fazer, para depois tudo se dissolver na espuma dos dias com frases dúbias, ou explicações do que, afinal, queria dizer.

Enquanto o país marca passo num crescimento económico ilusório, baseado em gráficos e estatísticas que são tudo e o seu contrário, sem real expressão no dia-a-dia das pessoas, temos um Chefe de Estado a ser notícia por comer um gelado, com profundas análises mediáticas às cores das bolas do dito cujo. Do dito cujo gelado, obviamente.

Porque foi nisto que se transformou a Presidência da República: numa fonte de mexericos e alegorias de entretenimento, com teatrais pronúncias ora pelos visados ora por quem as aproveita para o seu rendimento comentarista.

Outrora irreverente, Marcelo Rebelo de Sousa tornou-se irrelevante. E, pior, arrastou consigo a Presidência da República ao ponto das suas intervenções serem mais fonte de palpites e de ganha-pão, do que reflexão política consequente e com tradução na melhoria das condições de vida das pessoas. Ajudando a solidificar uma realidade de inconsequência, que faz de Portugal, um país, permanentemente, adiado.

Comments

  1. JgMenos says:

    Sendo tudo verdade, importa dizer a verdade: quando tudo começou e sempre se manteve centrado numa ‘igualdade’ que se traduzia em reverenciar a mediocridade, natural é que seja medíocre a situação.
    À matilha de medíocres jornalistas que a todo o tempo rodeia o PR, só cabem dois destinos: ignorá-los ou com eles compartilhar os seus medíocres temas.
    A mediocridade é a raiz da inconsequência.

    • Tuga says:

      Carissimo JgMenos

      O teu “Boi Cavalo” que foi “presidente ??? ” da Republica no tempo do Botas, era muito mais interessante. As vezes não se enganava a ler os discursos que escreviam para ele.
      Era também conhecido pelo Almirante Américo Thomaz, pelos que nunca o viram a andar, porque os outros só lhe chamavam pelo carinhoso nome de Boi Cavalo

    • Paulo Marques says:

      Que inesperado, até a superficialidade começa a não chegar! Não é a ideologia e os seus acólitos que falham, é o resto do mundo.


  2. Ainda vai acabar num “reality show”…

  3. POIS! says:

    Citando o autor…

    “Pois que a sobriedade e probidade não combinam, por exemplo, com um Chefe de Estado que surge na televisão em calção de banho a fazer considerações sobre o Orçamento do Estado.”

    Eu, por acaso, até achei a indumentária muito própria.

    Para um Governo que, em matéria orçamental, se farta de meter água…

  4. Paulo Marques says:

    As vibes dos tudólogos a secar tudo à sua volta já não bastam para isto ir andando? Olha, tou chocado.

  5. Abel Barreto says:

    O Marcelo é um palhaço, todos gostam de palhaços e o Marcelo gosta que gostem de si. Só é pena que as televisões não passem programas com palhaços a sério e as pessoas não se apercebam que andam a ser feitas de palhaços.