Postcards from the Balkans #04

‘The objects in the mirror are closer than they appear’

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de Ljubljana para Sarajevo à hora do almoço. Despeço-me da cidade e das pessoas do Hotel Macek, que são tão simpáticas. Se alguma vez forem a Ljubljana ou lá voltarem e se gostam de coisas simples (e bonitas, para mim é mais ou menos o mesmo), fiquem neste pequeno hotel à beira do Ljubljanica.Apanho um táxi para o aeroporto. O comboio demoraria 10 horas ou mais. Não que não gostasse de fazer a viagem de comboio, mas o voo dura apenas 50 minutos e 10 horas, às vezes, são muito tempo. Perco muito, já o sei de outras longas viagens de comboio, em preferir o avião, mas ganho mais umas horas em Sarajevo, onde chego pouco passa das 3 da tarde. Recolho a mala, levanto marcos bósnios e vou à procura de um táxi. São 12 km até ao centro e não consta (o meu guia assim o diz, tal como as pesquisas que fiz no google) que vá encontrar um autocarro. O meu guia diz que negoceie o preço. Assim, pergunto ao senhor, de ar extraordinariamente simpático, quanto me leva. 10 €. Vamos. Vou abrir a porta de trás e ele pede-me que me sente à frente. Hesito uns segundos, seria má educação recusar e entro para o banco da frente.

O taxista pergunta de onde sou. Portugal. Ah, Portugal, futebol, Portugal, Cristiano… Ronaldo, termino eu. E rimo-nos. Depois, o senhor – que fala pelos cotovelos – pergunta-me coisas, fala do calor, responde às minhas perguntas sobre a Bósnia e Herzegovina (doravante, carinhosamente BiH). Pergunto sobre a vontade dos cerca de 4 milhões de habitantes em fazer parte da União Europeia. Entusiasticamente diz que muitos querem a adesão, incluindo ele mesmo. Mas, depois, cabisbaixo, como que a reconhecer o (que daqui a nada há-de ser, para mim) óbvio: nem em 10 anos. Pela janela vou vendo os subúrbios de Sarajevo. Feios, quase tenebrosos, com os seus prédios mal construídos ou, talvez mais adequadamente, reconstruídos, as suas oficínas, o seu lixo, o seu trânsito infernal…

O taxista deixa-me à entrada da cidade velha (onde não circulam automóveis) e diz-me para virar à direita e que logo encontrarei o hotel. Digo-lhe ‘hvala’ (obrigada) e ele responde: ‘welcome to Sarajevo, welcome to Bosnia’. E lá vou eu a arrastar a mala. Mal viro à direita entro num mundo à parte. Ruelas estreitas, num emaranhado, à esquerda, à direita, em frente. Mulheres de burka, mulheres de vestidos coleantes e muito curtos, homens menos diversos nos trajes, cafés, cafés, lojas de souvenirs, mais cafés, mulheres de lenço (tchador) na cabeça… perco-me num abrir e fechar de olhos. Da rua Mudzeleti nem sinal. Pergunto a um empregado de café, que não sabe. Um cliente diz que sabe onde é e que vai lá comigo. Aceito. Não se alarmem já, o homem que escreveu o meu guia (Tim Clancy, já sou fã) refere que um habitante da BiH é capaz de se desviar do seu caminho só para ajudar um estranho. Aqui está a prova. Vou atrás do senhor que tem de perguntar a alguém, porque se baralha também, até que ele pergunta se me pode ajudar com a mala. Claro, ‘hvala’. Sosseguem. Ainda não foi desta que fiquei sem mala, naturalmente.

Finalmente encontramos o hotel. Ali mesmo debaixo do nosso nariz, exatamente como me havia dito o taxista. Se não me tivesse perdido nos labirintos de pessoas e ruelas. Agradeço ao senhor, novamente, a gentileza entro no hotel. Simpático. O quarto é grande e limpo. Acho que talvez se ouça muito o barulho da rua (confirmo, agora, a esta hora, que sim). Saio. São quase 4h e ainda não almocei. Há um cheiro intenso a carne grelhada no ar. Aliás, depois hei-de perceber que este cheiro – o mesmo – está em toda a parte na cidade velha. Vejo um posto de informações e vou lá pedir um mapa. De mapa em punho sento-me numa esplanada. Mal me sento, sentam-se também, na minha mesa, 3 mulheres. Bom… depois percebo que é mesmo assim, aqui, as pessoas sentam-se onde há lugar. Parece lógico.

É uma pena que as senhoras não falem inglês ou outra das línguas que sei falar. Além da sua língua (são locais), falam alemão. Lamentavelmente percebo muito pouco (e estou a exagerar) de alemão, mas seja como for, conversamos, com muitos gestos à mistura, as 4. Elas pedem iogurte e cevapi. Tento perceber o que é cevapi e apontam para a mesa do lado. Uma espécie de pão pita, mas mais gorduroso, cheio de uma espécie de salsicha grelhada (eis a fonte de tão intenso aroma em toda a cidade), cebola crua e uma espécie de queijo, azedo. Peço o mesmo. Ou seja, o cevapi… mas sem iogurte. Em vez dele uma coca-cola. O cevapi, não contando com a cebola crua que não como, é muito bom. Peço café, não há. Então, água sem gás. Pago por isto tudo, pasmem, 5 euros mais cêntimo, menos cêntimo. Em comparação com a Eslovénia, A BiH parece-me extraordinariamente barata. Que bom.

Quando me levanto começa o chamamento para o oração dos muçulmanos. Hei-de ouvi-lo depois, mais tarde, outra vez. É bem bonito. Sarajevo tem dezenas de mesquitas, grandes e pequenas… os minaretes dominam a paisagem para onde quer que olhemos. Também há sinagogas e igrejas católicas e ortodoxas. Vejo exemplares de todas no meu passeio desta tarde, que começa na Ponte Latina, sobre o rio Miijaka. Sarajevo é esta constelação de credos e gentes. Do belo e do profundamente feio. De imperfeição, afinal. A BiH é esta constelação. Já sabemos quanto custou. E o que custa. Ainda. Esta diversidade. Mas neste instante, todas as pessoas parecem conviver pacificamente. Dou conta disto, de novo, quando me sento nas escadas da catedral católica romana. Muçulmanos (Bosniaks, representam 45% ou mais da população da BiH), Ortodoxos (Sérvios, 30%), Católicos (Croatas, 15%) e outros (incluindo aqui os Judeus, 10%) estão seguramente naquela praça, às 7 da tarde, diante dos meus olhos.

Um mosaico, portanto, feito de espelhos em que os objetos (ou as pessoas) estão (ou são) – como li no espelho direito do táxi de Ljubljana – mais próximos do que aparentam.

Comments

  1. Um país novo para mim, tendo ficado o registo de uma apeteciblidade futura.
    Gosto desta sua escrita empática.
    Beijos

  2. Venha antes que hordas de turistas invadam isto tudo.
    🙂

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