A história do passismo que pariu a Geringonça, abortou o PSD e criou um monstro

Fotografia: Miguel A. Lopes/Lusa@JN

Maiorias absolutas, numa autarquia como no governo central, são sempre soluções perigosas. Seja pela prepotência ou pelos tiques autoritários que originam em quem não tem unhas para manusear o poder, seja pela tendência para a arbitrariedade, a célebre frase de Lord Acton nunca perde actualidade: o poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente.

Domingo à noite, o passismo defunto iniciou um processo acelerado de decomposição. Com uma pesada derrota em toda a linha, em particular nas zonas mais urbanas, o PSD terminou a noite a disputar o terceiro lugar no Porto e em Lisboa com a CDU, conseguindo o mesmo número de vereadores que os comunistas em ambos os concelhos, tendo em Lisboa sido ultrapassado pela direita por Assunção Cristas, que de resto conseguiu o dobro dos vereadores do antigo parceiro de coligação. As escolhas pessoais de Passos Coelho para os mais importantes municípios portugueses deram origem ao resultado que se previa há meses: o pior de sempre.

Em contraciclo, o PS alcança maioria absoluta no país, conquistando 159 dos 308 municípios portugueses. Rouba autarquias ao PCP, que foi o outro grande derrotado da noite eleitoral, não rouba autarquias ao BE, porque o BE não tinha nenhuma, e solidifica a sua posição a nível nacional, que as leituras nacionais de resultados autárquicos são como as bruxas: eles dizem que não acreditam nelas (quando lhes convém) mas que elas existem, existem.

Acontece que o PS se está a isolar em demasia, o que poderá colocar em causa o volátil equilíbrio da Geringonça. As sondagens já o iam mostrando, é certo, mas estes resultados autárquicos, apesar dos fogos florestais, apesar de Tancos, das cativações e das profecias apocalípticas, parecem evidenciar que o PS está imparável e, possivelmente, a caminho de uma maioria absoluta em 2019. E isso dificilmente será bom para um país com má memória da última maioria absoluta socialista.

Entre cedências, exigências e consequências, o PS está, como seria de esperar, a ganhar o jogo da Geringonça. A noite autárquica apenas veio confirmar a tendência. Mas BE e PCP estão longe de poder ser responsabilizados, apesar das autarquias perdidas pelos comunistas que agora prestam tributo no Largo do Rato. O próprio CDS-PP, que de há uns meses para cá decidiu começar a fazer oposição e a deixar as figuras tristes para o PSD, isto para não falar na sua diminuta dimensão, também não explica a vitória esmagadora do PS. Quem pariu este monstro que se avoluma, esta máquina que Domingo atropelou os seus adversários como um rolo compressor, foi o PSD. Perdão: foi o passismo, que ainda deve haver gente naquele partido que não se identifica com este projecto falhado do Dr. Frankenstein das equivalências.

O passismo fundamentalista pariu a Geringonça e, não contente com o resultado, decidiu abortar o PSD. Fez tábua rasa daquilo que restava da social-democracia, transformou Portugal num laboratório neoliberal de experiências macabras, argumentando sempre que não havia alternativa, socorreu-se de todos os artifícios possíveis para se perpetuar no poder e, tal era a repulsa que causava, conseguiu a proeza de, pela primeira vez na história, unir a esquerda para que o país se pudesse ver livre dele.

Chutado para a oposição, embarcou numa estratégia catastrofista, profetizando todas as desgraças possíveis, e colocou a fasquia de tal forma baixa que qualquer pequena conquista da Geringonça parecia uma vitória na final da Liga dos Campeões. E por cada profecia de resgates, pacotes de sanções ou criaturas demoníacas e mitológicas, nascia uma nova sondagem a enterrar ainda mais o partido. Nem os indicadores económicos, os tais que, segundo as profecias, deveriam por esta altura estar em níveis venezuelanos, ajudaram o pobre Passos. Mas ele resistia, comatoso, e Costa lá ia agradecendo.

Domingo, o país infligiu o pior resultado autárquico de sempre ao PSD, na mesma noite em que garantiu ao PS o melhor. Mas Passos não se demitiu. Apesar das derrotas mais violentas que o PSD sofreu derivarem directamente de escolhas pessoais suas. Assumiu responsabilidades, informou hoje que não se recandidatará, mas não se demite. Fica mais uns meses, a servir de saco de pancada até que o sucessor seja eleito, enquanto Costa, sem oposição, lá vai flutuando, sempre agradecido àquele a quem alguém, com absoluta pontaria, um dia apelidou de “maior seguro de vida da Geringonça”. De sondagem em sondagem até à maioria absoluta final.

E lá chegará o dia em que o PSD voltará a ser oposição, liderado por alguém que terá a seu lado algumas das caras que batiam no peito de cada vez que alguém dizia o nome de Passos, que o ajudaram a ascender, e que hoje terão muito provavelmente introduzido a sua longa faca partidária na frágil carcaça de líder do PSD, que chega ao fim da linha numa noite eleitoral desastrosa, tão desastrosa que até deu para apoiar um candidato com discurso fascista. Passos Coelho demorou tempo demais a perceber que tinha caído da cadeira. O resultado está à vista.

Comments

  1. Ana A. says:

    Lamento que tenha sido preciso existir o Passismo com todos os seus males, para que a Esquerda se unisse para o combater, pois muito se perdeu e destruiu nos anos dos governos dos partidos do “arco da governação” (arco ou asco?!).
    Lamento, igualmente, que esta experiência possa vir a não ser repetida, pois o PS pode nunca mais vir a ser “tomado” pela “necessidade” de convergir à Esquerda: porque poderá ter uma maioria absoluta ou simplesmente formar novo Centrão!
    A minha esperança é que as crianças Índigo cresçam, se multipliquem e actuem!

    • O PASSISMO FOI PRECURSOR DA GERINGONÇA.quando Sócrates ficou 1º ministro dum governo minoritário, O passismo uniu-se à extrema esquerda para derrubar o PS…

  2. Rui Naldinho says:

    O PS nestas eleições teve um resultado histórico em número de câmaras, mas não ultrapassou os dois milhões de eleitores. Ficou-se por pouco mais de 38%.
    Faltam ainda, no mínimo, meio milhão de eleitores, para uma maioria absoluta, e isso depende sempre da abstenção, e do voto útil. Não acredito que o PS obtenha qualquer maioria absoluta nos próximos anos.
    Não é só desejo. É pura intuição.
    Até porque as pessoas não têm a memória assim tão curta. E, se ainda se lembram dos anos da troika, e empurraram o PSD para o seu pior resultado da história autárquica, também se vão lembrar dos devaneios Socráticos. E quanto mais sucesso esta governação tiver, maior será essa probabilidade.
    O voto em Lisboa e Porto é o mais urbano do país. Vejam o que aconteceu com a fragmentação do eleitorado. O PS em Lisboa não teve maioria absoluta, apesar da histórica vitória socialista nas autárquicas. E no Porto ficou-se atrás de Rui Moreira, que é uma espécie de filho bastardo do PSD.
    Caricato é ser hoje, face à derrocada, o desejo da direita. Que o PS possa de novo ficar sozinho à sua sorte, mesmo com uma maioria absoluta. Isto porque levando pancada dos dois lados, fica sempre mais fragilizado.
    Eu prefiro o PS amarrado a alguém, de esquerda.
    Mas no PS, os seus dirigentes devem ter olhinhos, vão vendo na Europa, a desgraça socialista que por aí vai. E das duas uma, ou não saem deste modelo de apoios políticos à esquerda, mais ou menos mitigado, ou ficarão de novo de cóqueras perante uma direita que se agigantará de novo.

    Eu vou repetir aquilo que li do Joseph Praetorius

    “Aparentemente, a coisa funciona assim: o eleitorado continua a caracterizar-se por um alinhamento político liberal de esquerda. Quando a esquerda trai a componente liberal, formam-se maiorias de direita. Quando a direita trai a componente social, formam-se maiorias de esquerda. E o que isto significa – num país onde a iliteracia é esmagadora – é que o eleitorado reage aos riscos que percebe, ou à violência que o atinge.”

    O Senhor diz num pequeno texto, aquilo que são os estados de alma do cidadão comum. Aquele que não tem ligações partidárias, e apenas vive da sua condição de operário, empresário, intelectual, funcionário público, professor, médico, enfermeiro, etc, etc…

  3. JgMenos says:

    O Passismo é a invenção de uma esquerda que precisa de encontrar razões para se unir.
    Sao todos tao de esquerda que nem sabem o que seja que os une, a não ser a treta dos coitadinhos (cada um tem os seus) e o inventado passismo.
    É essa a lúcida avaliação do PPC que teve o bom senso de não se demitir.
    Verdadeiramente a perda de votos do PSD resume-se a votos úteis em Lisboa e Porto.
    Saiu PPC com uma nota de distinção da canalha ululante que sempre o atacou. Bem haja.

    • ZE LOPES says:

      Pois. É por isso que vi ontem a Geringonça muito chorosa. É triste ver assim partir um filho!

    • Paulo Marques says:

      Tem razão, não se chama passismo aquilo que une a direita. O nome é outro para: aumento constante da desigualdade, precariedade laboral e social; destruição dos serviços públicos para passar a subsidiar os amigos para fazer o mesmo serviço só a quem querem e não reclama. E não seja preto, cigano, comuna, ou judeu; privatização do que resta do estado para que os amigos garantam rendas eternas em monopólios naturais, com umas garantias de lucro absurdas por parte do estado; via verde de entrada no país a quem quiser vir cá lavar dinheiro, mas refugiados que vão mamar para outro lado; tachinhos para os amigos irem fazer propaganda disparatada, como empreendedorismo para crianças, empreendedorismo social, ou empreendedorismo em geral; o regresso do trabalho à jorna por valores insuficientes para a sobrevivência; a crença em teoria económica sem não tem fundamento em coisa nenhuma da realidade, por muito que se esforcem só provam o oposto.
      E por aí adiante. Não, isto não é passismo, é filha da putice classicista para enganar idiotas úteis que acham que qualquer dia é a vez deles de pisar os outros, mas ficam sempre mais achatados do que o que notam.

      • JgMenos says:

        O Marques impressiona-se muito com as classes.
        Para ele se todos fossem da imbecil classe esquerdaha é que estava bem,
        O rebanho pastoreado é a ambição maior dos sem classe.

        • Paulo Marques says:

          Nisso tem razão, os valores do rebanho cristão de comunidade, compaixão, respeito, caridade e por aí fora era o que este ateu mais queria.
          Infelizmente, não tem nada a ver com o que o rebanho cristão quer e faz, preferem, como o Menos, que as pessoas lutem todos os dias enquanto são espezinhadas por um eventual amanhã que canta que nunca é baseado em factos, só em crenças.

    • canalha ululante, mas isso é passismo em todo o seu esplendor, aposto que ele se agarra como uma lapa e diz daqui nâo saio daqui ´ninguém me tira, pelo menos ate o relvas saber se o amigo Carlos costa lhe dá uma licença de banqueiro, o pior é a mulher actual do relvas uma autentica cabra..

  4. paulo range says:

    JgMenos, mais tabaco nisso, por favor.

    e o observador, que só falta pedir o Nobel para o passos? hahaha.

    • Rui Naldinho says:

      E aqueles comentadores, nos jornais e nas redes sociais, que se fartam de dizer que não são da área política do PSD, mas se fartam de elogiar Passos?
      Só me dá vontade de rir.
      Até parece que nós todos, mesmo não tendo filiação partidária, não temos sempre, mas mesmo sempre, um “amor ” menor, e um “ódio” maior!

  5. O rapasola com ar de Homem responsável, foi-se. Mal digo os palermas que lhe deram crédito de governante.
    Não sou comunista e muito menos palerma.
    Sou um nacionalista que gosta de todos os portugueses…que não sejam estúpidos.

    • JgMenos says:

      Vira-te para o Costa e a sua tribo de chicos-espertos e vive feliz na merda.

      • costa um dos melhores alunos de sempre da faculdade de direito,um nota 20.advogados deu-lhe um lugar de sócio. logo que se formou uma sociedade de . Mestre em direito tem a mania que é santo deixou tudo para cumprir uma missão. ainda por cima dois independentes MENTES BRILHANTES aceitaram ser ministros MARIO CENTENO E CALDEIRA CABRAL.Chamar chico esperto a um académico formado em Harvard e outro professor de economia é preciso coragem, substituir um governo com um licenciado por pontos, por r duas matronas professoras medíocres da Universidade Lusiada uma dela ministra das finanças com o mérito de dar ao rabo e fazer olhinhos aos velhos., que o diga o Teixeira dos santos apanhado na rede da Toupeira..

        • Rui Naldinho says:

          Não discuto graus académicos, nem discuto títulos honoríficos, apesar de saber que há Universidades e universidades. Há gente super qualificada na pública, e o mesmo nas privadas, se bem que nestas últimas, há um pouco mais de tudo.
          Sei que nasci em África, e estudei com uma infinidade de amigos meus “monhés”, ou melhor, “canecos”, que era o nome dado aos indo portugueses, católicos, originários de Goa, Damão e Diu.
          Uma das minhas primeiras namoradas era Goesa e lindíssima. A descolonização afastou-nos irremediavelmente. Ela ficou e eu parti.
          Com excepção da língua portuguesa, onde tinham algumas dificuldades, por motivos óbvios, falavam inglês em casa, os meus colegas indianos eram todos eles excelentes alunos e bem melhores do que eu, um cabulazito, que lá fazendo tudo, mas sem qualquer brilhantismo.
          A minha pediatra e a dis meus irmãos, cinco, era uma excelente médica de ascendência Goesa. As pediatras eram quase todas Goesas. Aliás, muitos médicos em África eram indianos. Alguns dos melhores engenheiros e arquitectos.
          É óbvio que toda esta gente vinha de castas superiores da velha União Indiana.
          Isso só vem demonstrar que não há raças superiores, e se as houvesse, então os indianos, a par dos judeus, estariam no top 10, daqueles que mais brilham na actualidade. Contudo eu recuso-me a acreditar nessa teoria bizarra.
          Para a direita, Costa só é mestiço, monhé, etc,etc, porque gosta do PS. Fosse ele laranjinha, e o André Ventura até lhe fazia um cafuné na careca.
          Esta direita está cada vez mais burra. E ficará cada mais racista com o tempo.

      • ZE LOPES says:

        Lá está! Deviam ter avisado V. Exa. que essa profissão de Peão de Brega era deveras exigente. Não se esperava é que a lide do passado domingo tenha terminado de forma tão ingrata. V. Exa. está completamente cravado de bandarilhas! O toureiro ou era míope ou esquerdalho. Ou as duas coisas.

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