Tiro nos pés

Os bloqueios ditados por Trump poderão ser, para não dizer que irão ser, um forte impulso no sentido contrário àquele supostamente apontado pelo slogan da candidatura de Trump à presidência, Make America Great Again.

Veja-se o caso ZTE e Huawei, dois fabricantes de telemóveis com restrições de comercialização nos EUA. Antes destas, a ZTE era o quinto maior fabricante mundial de telemóveis e a Huawei tinha forte possibilidades de chegar a número um, especialmente com os modelos P10 e, agora, P20 Pro, este último com a câmara fotográfica mais avançada da actualidade, a qual já ganhou o prémio TIPA de melhor smartphone fotográfico*.

A administração de Trump começou por impedir o uso destas marcas entre os quadros públicos e depois interditou os operadores de telecomunicações de venderem estes equipamentos. O argumento é que não seriam seguros, devido ao envio de dados recolhidos para a China. Poderíamos apontar a hipocrisia por causa das backdoors que o governo americano tem tentado impor a empresas com a Microsoft, Google, Facebook e outras, mas basta sublinhar que a Europa, tradicionalmente mais ciosa quanto a estes assuntos, não viu ameaça alguma.

Recentemente, as empresas americanas foram proibidas de fornecer componentes à ZTE, o que significa que esta empresa deixou de ter fornecimento de partes electrónicas e de software (Android), já praticamente tendo fechado as portas. O argumento, desta vez, foi que a ZTE tinha violado o embargo ao Irão. Novamente, poderíamos falar da hipocrisia americana, mas o argumento relevante é outro, nomeadamente, quanto ao elevado risco de se utilizar tecnologia americana.

A mensagem que os EUA estão a passar ao mundo é que, se dependerem dos americanos, podem a qualquer momento serem obrigados a fechar as portas. São muito más notícias para alguns gigantes tecnológicos. Por exemplo, a Huawei, antevendo o pior, começou o desenvolvimento da sua própria alternativa ao Android. E, qualquer outra empresa que pense seriamente no risco que esta dependência significa, estará a fazer o mesmo.

Não veremos consequências amanhã nem no próximo ano. Mas, no prazo de uns cinco anos, no máximo, aí estará a concorrência a empresas como a Google, Qualcomm e outras. Não são más notícias para nós, consumidores, pelo contrário, até. Mas, para a América do Great Again, é um autêntico tiro nos pés.

Poderemos perguntar porque é que Trump faz isto e se ele e a sua equipa são assim tão cegos. A resposta é muito simples. Todas as decisões de Trump têm sido no sentido do favorecimento de um pequeno grupo, onde se inclui a NRA, operadores de telecomunicações e empresas do petróleo. São opções de reforço de monopólios. Esta birra com a ZTE é de outra natureza, revelando a personagem narcisista do miúdo que não quer ser contrariado e que tem um telemóvel com o Twitter instalado. Make America Goofy Again seria um slogan com maior reflexo na acção política actual.

(*) Nota: apesar da excelente câmara fotográfica deste telemóvel, recomendo prudência na sua compra devido à muito idiota decisão de a Huawei considerar as notificações de email, e outras, como algo absolutamente acessório. É possível melhorar o panorama por via das configurações (tarefa muito pouco intuitiva), mas há problemas de fundo não resoluveis, tais como o telemóvel “esquecer-se” destas alterações.

Comments

  1. Bento Caeiro says:

    “A mensagem que os EUA estão a passar ao mundo é que, se dependerem dos americanos, podem a qualquer momento serem obrigados a fechar as portas.”

    Na muge, Cordeiro.
    Essa deveria ser a idéia que qualquer bom entendedor deveria retirar sobre as consequências das relações de dependência que cria. Melhor dizendo, as vassalagens que assume.
    Contudo, quando isso não acontece, nada melhor que a outra parte – neste caso, os EUA – manifestar aberta e claramente ao que vêm, como o sr. Trump agora o está a fazer.
    Assim a Europa o saiba aproveitar, tal como já anunciou em relação à decisão de Trump abandonar o acordo com o Irão. Como se costuma dizer, vamos dar-lhes o que estão a pedir.