Incentivos à natalidade

Foto: Joana Carvalho Reis/TSF

Quem, esta manhã, ouviu, na TSF, a história de Rita Vieira talvez tenha temido ser testemunha, em directo, do despejo da mulher e das suas duas filhas. As malas estavam feitas e a polícia poderia aparecer a qualquer instante.

Rita é mãe solteira de duas filhas, de 3 e 9 anos. Por não conseguir pagar uma renda na Pontinha, onde vivia, ocupou uma casa camarária em Telheiras. Uma casa desabitada, sem torneiras, com o chão partido, suja, com bichos. Limpou-a, arranjou-a e mudou-se para lá, com as duas filhas.

Mas Rita trabalha e ganha o salário mínimo: 580 euros. Por isso, a câmara entende que ela não tem direito a habitação social. Há muita gente à espera de uma casa da câmara, gente que tem menos rendimentos do que Rita, e que, por isso, tem prioridade na atribuição de uma casa. A alternativa seria ir morar com a avó de Rita, que não as quer porque a casa não tem espaço para tanta gente.

Conhecemos outras Ritas. Mulheres que vivem sós com os seus filhos, que mantêm a custo trabalhos mais ou menos precários, que procuram conservar a dignidade quando tudo as empurra para uma quase mendicidade. Pobres envergonhados, que as estatísticas colocam acima do limiar da pobreza, mas que a realidade remete para a penúria, a quem o apoio familiar falta por múltiplas razões, e que tampouco podem contar com apoio social.

A polícia não chegou durante o directo. Mas talvez já tenha chegado e, se assim for, a esta hora, Rita e as filhas estão na rua. Enquanto sucessivos governos fazem alarde das suas “políticas de incentivo à natalidade”, as Ritas deste país continuam a só poder contar consigo mesmas.

 

Comments

  1. E subir o salário mínimo vai prejudicar os pobres, vai criar vícios, são as teorias do equiparado a Catedrático Passos….

    • doorstep says:

      Subir o salário minimo… é subir a fasquia, afastar ainda mais portugueses do acesso a ajudas que, nos tempos que correm, são a une fonte de rendimento complemenatr para muitas famílias.

      É claro que o doutor passos não se opõe por essa razão – a guerra dele é da manutenção dos custos minimos do factor de produção trabalho: mas o aumento do salário minimo acaba por ser sempre perverso, pois se aumentar a sério continentes, pingos doces e quejandos logo se abarbatm com o aumento.

      Complicado…

  2. Ana A. says:

    E nestas situações não impera “o superior interesse da criança”, no mínimo?!

    Ou, há algum interesse obscuro em que os pobres não tenham condições de vida para criar os filhos decentemente, para depois vir a “mão protectora” das CPCJ’s arrebatar as crianças aos pais?!

    E, em que realidade paralela vivem os fazedores destas leis, em que o salário mínimo tem que dar para pagar renda e todos os outros bens essenciais?!

    Gosto muito quando, por tudo e por nada, se invoca a Constituição, mas no que toca ao direito a uma habitação condigna, parece que falta fazer outra revolução!

  3. E. Monteiro says:

    O que me parece quase kafkiano é a eventualidade de vir a ser retirado o poder paternal sobre as crianças à mãe, devido a insuficiência económica e ao abrigo do “superior interesse” das crianças, para estas virem a ser depois entregues a instituições ou famílias de acolhimento, a quem nós, os contribuintes, iremos pagar 750€ mensais por criança. Já aconteceu.

  4. Já não posso ouvir essa lengalenga do incentivo à natalidade. Mas já agora, a propósito de natalidade e habitação, gostava que alguém me explicasse, como se eu fosse muito burro, como é que, apesar de sermos sempre os mesmos 10 milhões (e só nos 5 anos de geringonça de Direita saíram 500 mil) como é que se continuam a construir mais e mais casas. É que não consigo perceber, menos percebo ainda como é que, apesar de se continuar a construir ainda faltam casas para as pessoas. São coisas que me fazem confusão.

    Países nórdicos há em que simplesmente é proibido construir casas novas! Mas claro que cá, temos que alimentar o monstro da construção civil. Pergunto-me é o que será feito depois dessas casas todas quando a moda do turismo português passar a ser moda noutro sítio qualquer.

    • doorstep says:

      Em Portugal existem cerca de 850 mil habitações NOVAS, que nunca tiveram ocupantes (existiam cerca de 1 milhão em 2014).

      Os proprietários são maioritariamente os bancos (75%), e os restantes 25 % correspondem a execuções em curso (em que os bancos acabam por adjudicar) e, um pequeno número, a “investidores” que não as conseguem vender e não estão estrangulados por terem usado fundos próprios na construção.

      A cena do aumento exponencial de novas construções é tanto mais anómala quanto o BCE “exige” que os bancos limpem do balanço “activos” invendáveis.

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