Vai um cigarrinho, ó freguês?

Foto de Skitterphoto/Pexels

Fotografia: Skitterphoto/Pexels

Talvez acossado pelas declarações de Miguel Sousa Tavares, que o acusou de não ser “um partido ambientalista, mas um partido animalista”, o PAN decidiu fazer prova de vida ambiental e avançou com uma proposta de lei para punir com pesadas multas quem atira pontas de cigarro à rua.

Como era de se esperar, a proposta de André Silva foi aprovada com os votos favoráveis do PS, do BE, do PEV e, claro, do partido proponente. O PCP e o PSD abstiveram-se, tal como fizeram cinco dos 18 deputados do CDS.

Acontece que, mais do que uma questão legal, deitar beatas à rua é (deveria ser) acima de tudo uma questão educacional. Exactamente como cuspir para o chão ou levar os cães a defecar impunemente na via pública. Mas, em vez de apostar seriamente em acções concretas de esclarecimento e sensibilização do povo em geral e dos fumadores em particular para o problema (real) que representam as pontas de cigarros descartadas no meio ambiente, o PAN optou pela via mais fácil da punição.

Ora sucede que, sendo este um problema de educação (ou falta dela) facilmente se percebe que serão, uma vez mais, os menos esclarecidos os principais visados pelas medidas repressivas previstas na nova lei. E, muito embora este seja um problema transversal a todas as classes sociais, serão naturalmente os mais pobres quem mais irá sofrer os seus efeitos.

Por outro lado, em todas as cidades, vilas e aldeias de Portugal são pouquíssimos os recipientes para lixo público disponíveis, e menos ainda os que estão preparados para recolher beatas. A solução para isto passa, segundo o PAN, por obrigar os estabelecimentos comerciais, nomeadamente os cafés e restaurantes, a terem cinzeiros à porta. Parece-me bem, mas é curto e está longe de resolver o problema de fundo, nomeadamente nas zonas residenciais e de lazer.

Resta saber como pretende o PAN levar à prática a política punitiva que propõe. Ou põe um polícia atrás de cada fumador, ou ressuscita e recicla os fiscais-de-isqueiros do tempo de Salazar ou, como com certeza vai acontecer, esta será mais uma lei politicamente correcta que não terá qualquer efeito em termos práticos. Exactamente como já sucede com os diplomas legais que obrigam os donos dos cães a recolher as respectivas cacas da via pública ou proíbem dar de comer aos pombos: é proibido, mas ninguém é punido, salvo se denunciado por terceiros.

E será talvez apenas neste caso que a lei poderá eventualmente ter alguma eficácia: afinal, o país continua cheio de gente a quem, como dizia Nuno Brederode Santos, a história negou a possibilidade de fazer carreira como informadores da PIDE. Quem sabe não terão agora, enfim, uma segunda oportunidade.

Comments

  1. Acho que é um bocadinho abusivo imaginar que um partido, só porque um qualquer comentador fumador diz o que bem lhe apetece num qualquer programa de televisão, que um qualquer partido desencanta do bolso um projeto de lei avulso.

    Depois, se queriam impedir as beatas no chão era simples, proibia-se o tabaco e poupavam-se muitos milhões ao Serviço Nacional de Saúde para andar a tratar a porrada de doenças que vão originar nos fumadores. Isso sim seria politicamente correto. Esta medida é só politicamente ridícula.

    Nas ruas, que depois vão ser varridas, ou diretamente nos caixotes do lixo, em ambos os casos o resultado é o mesmo: aterros sanitários. No entanto cria-se mais uma multazinha e faz-se de conta que se é muito defensor do ambiente.

    Se queriam educar então fazia-se ao contrário. Por cada litro de beatas entregues, recebia-se um bónus qualquer. Assim não faltaria gente, até não fumadores a apanhar beatas das ruas. Multar é só estúpido.

    • João Sequeira says:

      Penso que a referência ao comentador televisivo é apenas uma ironia do autor do texto.
      Quanto à sua ideia para a resolução do problema (“se queriam impedir as beatas no chão era simples, proibia-se o tabaco e poupavam-se muitos milhões ao Serviço Nacional de Saúde para andar a tratar a porrada de doenças que vão originar nos fumadores”) lamento, mas acho que está completamente equivocado, pois se criava um problema ainda maior, pelos milhões (de impostos) que deixavam de entrar nos cofres públicos.
      Sabia que mais de metade do preço de um maço de cigarros é constituído por impostos? Se, por milagre, de repente toda a gente deixasse de fumar, não era só o SNS que ia à falência: era toda a economia que vinha por aí abaixo.
      O tratamento das doenças supostamente causadas pelo tabaco jestá mais do que pago à partida, pelos impostos que o doente já pagou em todos os cigarros que fumou ao longo da vida.
      E estou à vontade para dizer isto, porque nem sequer sou fumador…

      • Paulo Marques says:

        Os impostos ao tabaco pagam, de facto, os serviços de saúde dos outros, mas acho que ainda faltaria um bocadinho para levar o SNS à falência…

      • anticarneiros says:

        r JoãoSequeira

        “O tratamento das doenças supostamente causadas pelo tabaco ”

        Gostei, principalmente do “supostamente causadas”
        Os “toxicodependentes de drogas legais” que voluntariamente e conscientemente ingerem substancias que sabem que lhes afecta a saúde e que consomem recursos humanos e financeiras, para lhes tratarem das doenças que eles próprios causam a si mesmo, são uns herois que ajudam a manutenção do SNS.

        • Eu compreendo que haja pessoas que ainda não saibam que fumar provoca cancro – apesar de até vir escrito nos maços que mata – porque ainda na semana passada a OMS veio dizer que 20% das pessoas que fumam não sabem ler. Por isso vão investir em mais campanhas de sensibilização. Nunca pensei é que aqui o Aventar recebesse visitantes que comentam e tudo, mas que também não soubessem ler.

  2. Da necessidade de sensibilização de um povo que ainda cospe para o chão :

    …”Há falta de políticas concretas para as terceira e quarta idades, lares decentes, integração social, combate ao abandono e à solidão. Mas perante os velhos, o país político que criou nos anos da troika a inveja geracional, empurrando a “peste grisalha” para o patamar dos alegados privilegiados,
    não é muito diferente do país político que se entretém a aprovar e a debater multas pesadas para os prevaricadores das beatas de cigarros.

    Não está aqui em causa a necessidade de sensibilização de um povo que ainda cospe para o chão de perceber que a responsabilidade entre gerações é também tentar deixar como herança um planeta melhor, que se afunda no aquecimento global.
    Está sim na criação da brigada do policiamento dos costumes, todas as dúvidas sobre quem fiscaliza, com que meios, como se regista o cadastrado que deitou a beata para o chão, a carta de pontos do prevaricador, mas sobretudo
    a falta de perspetiva e de noção da realidade das necessidades dos portugueses.
    … ”

    Domingos de Andrade

  3. Rui Naldinho says:

    O PAN tem uma PANóplia de soluções para este Portugal desnaturado, incumpridor compulsivo das normas estabelecidas, sejam elas na forma de lei, sejam as mais elementares regras de civismo e sã convivência. O PAN é uma espécie de StartUp, neste mundo da política e dos partidos tradicionais.
    Veremos se o negócio pega, ou se como outros, vai rapidamente à falência.

    • Carlos Almeida says:

      Vê-se bem a preocupação que o Partido que defende as touradas, tem com qualquer iniciativa de um partido minúsculo, como o PAN, que em 4 anos já fez mais pela ecologia, ambiente, pessoas e animais, que o seu partido satélite, que é uma fraude ecológica. Estou a falar do PCP e do PEV

  4. MJoão says:

    As beatas são altamente venenosas e ninguém parece incomodado com isso.
    Era preciso que , na verdade, as multas fossem passadas, mas se nem na proibição do uso do tlm a conduzir a polícia parece muito sensibilizada, o cocó dos cães continua livremente por aí, os alunos nas escolas acertam sempre ao lado do caixote ou mais longe…. não, assim se vai a lado nenhum.
    Somos um país de “nobres” na sua forma mais decadente, algum criado há-de limpar por mim , a minha condição é de fruidor, apenas.

  5. Paulo Marques says:

    Como fumador, sou a favor na generalidade, tal como a maioria dos deputados. A especialidade é outra discussão, e será, porventura, imprática, mas não estraga o princípio.
    Mas se só devíamos ter leis que são cumpridas, se calhar é melhor acabar com o crime de corrupção, com a obrigatoriedade de ir na faixa da direita, na faixa correcta nas rotundas, uso obrigatório de piscas, leis sobre violência doméstica e por aí adiante.

  6. Uma proposta que devia ser decidida nas autarquias e não num parlamento nacional. É simplesmente ridículo que um parlamento nacional legisle sobre beatas no chão. As autarquias deviam agora perguntar ao governo qual a verba que vai disponibilizar para a compra de cinzeiros, ou então é ver os caixotes de lixo a pegar fogo. Não sei se as cabeças brilhantes dos senhores deputados sabem que na maioria das aldeias não há restaurantes, pelo que a Lei não se cumprirá. Por isso devia ser uma coisa a ser decidida por cada autarquia.

    • Ana A. says:

      “As autarquias deviam agora perguntar ao governo qual a verba que vai disponibilizar para a compra de cinzeiros, ou então é ver os caixotes de lixo a pegar fogo.”

      E que tal cada um ter o seu próprio recipiente colector das beatas no bolso, e usá-lo sempre que necessário?!

      Eu quando produzo lixo na rua e não tenho um caixote perto de mim mantenho-o comigo até poder descartá-lo, nem que seja só quando chegar a casa.

      • Luís Lavoura says:

        que tal cada um ter o seu próprio recipiente colector das beatas no bolso, e usá-lo sempre que necessário?!

        Exatamente. Tem toda a razão!!!

        Tal como os fumadores levam no bolso um maço de cigarros e um isqueiro, têm toda a possibilidade – e obrigação!!! – de levarem uma caixinha de metal na qual depositem as beatas.

        É simplicíssimo.

        • Nascimento says:

          Ai! atão não é??? UI, ui…. SIMPLICIO! eheheheh ,este Laboura é um must. ui,ui,ui….

          • Ana A. says:

            Com esta contra-argumentação não vai longe, meu caro!

            Diga algo que justifique o estar contra a posição defendida por mim e pelo Luís Lavoura, s.f.f.

  7. E porque não só o PAN e Parlamento, mas já anteriormente autarquias et ali :

    https://www.rtp.pt/play/p5383/e388329/conta-satelite

    https://www.rtp.pt/play/p5383/e409304/conta-satelite

  8. Julio Rolo Santos says:

    De sensibilização estamos todos fartos e, contrariamente á opinião do autor deste artigo, não são os pobres que mais poluem o ambiente mas são os pobres que mais pagam por não terem o dinheiro dos ricos para se poderem livrar das multas. Já fui maleducadamente repreendido pela mãe de uma adolescente, que vim a saber tratar-se de uma professora, por ter chamado a atenção da adolescente por ter atirado uma casca de banana para o chão á saída de um supermercado. Coincidências, não? Os cães são soltos da trela, propositadamente para fazerem as suas necessidades nos jardins públicos, porque os donos não se querem dar ao trabalho de apanharem os excrementos e nem serem identificados. E estes, não são os pobres, porque estes, não habitam nas vilas ou cidades, pelo menos, não se identificam como tal.

  9. Anonimus says:

    Sensibilização…

    Tinha um colega de trabalho que fazia grandes dissertações ecológicas. Sustentabilidade, combustíveis fósseis, reciclagem, corria tudo. No final, atirava a beata para o chão.

  10. Luís Lavoura says:

    Disparates. O esclarecimento e a sensibilização de pouco servem se não forem acompanhados da ameaça de punição. Ademais, as pessoas sabem perfeitamente que não devem deitar beatas para o chão – se estiverem a fumar no quintal de alguém seu conhecido, não o fazem – só o fazem quando estão no espaço público.

    • Carlos Almeida says:

      100 % de acordo consigo, Sr Lavoura.
      A sensibilização e educação é um processo longo e de gerações. Se não for acompanhada por coerção, não servem para nada.
      Porque é que acham que hoje em dia 99% dos condutores coloca o cinto de segurança quando se senta ao volante, mas continua a sair do estacionamento e a mudar de direcção sem fazer o pisca. Simplesmente porque à Policia é mais fácil verificar e sancionar a 1ª infracção do que a 2ª, sendo esta potencialmente muito mais perigosa para terceiros.
      Quem não entender isto, não entende nada da natureza humana e vive na utopia.

Discover more from Aventar

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading