Joana, nome fictício de uma amiga de longa data, tem o vigor dos perseverantes e investiu-o no que culminou numa carreira de sucesso. Enquanto mulher plena de força, canalizou as suas energias na preparação de um futuro onde a estabilidade financeira fosse garantida, numa espécie de pré-requisito para constituir família. Afinal, quem pensaria que a fertilidade dos 20 anos alguma vez murcharia? A Joana, não, certamente. Ano após ano, a opção da natalidade foi medida à luz da bitola do seu entendimento sobre o que era o sucesso na vida.

Imagem: Banksy
Hoje, a baixa natalidade é um problema para o país. Um problema de incentivos, assim o classificaram vários governantes, cegos, intencionalmente ou não, para a crise de valores que está na raiz do problema. A própria vida foi secundarizada face àquele que se tornou o valor acima de todos os outros: o capital. As mensagens sobre um certo modelo de sucesso são imersivas e, para a Joana, a possibilidade de relativização das suas decisões não se colocou. Casa, carro, seguro de saúde, escola privada, sair da zona de conforto, ir mais além, férias, moda, sedução, my Hollywood lifestyle – sinais constantemente emitidos pelos potentes holofotes mediáticos que nos rodeiam.
Xi Jinping afirmou recentemente que “qualquer tentativa de dividir a China acabará com corpos esmagados e ossos partidos”. Vem à memória o tanque de Tiananmen em frente a um chinês armado com dois perigosos sacos de plástico na mão. O que teria neles? Talvez algumas compras realizadas antes de decidir transformar-se numa barreira efémera?

Imagem: CNN
Não é novidade para ninguém que a China é um país sem consideração pela vida dos seus cidadãos. Isso não impediu que aqueles que vivem em países onde a vida (ainda) conta e que querem continuar protegidos por um estado que não olha para eles como sendo o inimigo em potência, desenvolvessem negócios na China, permitindo a crescimento do gigante que hoje é. Pouco importou que a vida, o ambiente, a saúde, o bem-estar e a segurança fossem valores secundários. Outro valor, o capital, novamente, se ergueu acima dos demais.
Nos dias que correm, o valor material estabelece um padrão absoluto. Se há lucro no horizonte, fecham-se os olhos às atrocidades, permite-se a livre venda de armas, equaciona-se a aplicação de um medicamento, adia-se a vida. Por ventura, como aconteceu com a Joana, vislumbra-se a própria condição de fruto mirrado ao longo deste percurso. Tarde demais. Não há dinheiro que compre o tempo perdido nem que corrija o mal feito. O capital tem que ser apenas mais um elemento da nossa existência. Nunca o seu farol. Por isso, a ameaça de Xi Jinping não pode ser tolerada e precisa de ser implacavelmente combatida. Haja ou não impacto no lucro tido como certo.
[editado]
https://www.rtp.pt/play/p5744/o-mundo-segundo-xi-jinping
Vi durante o pretérito mês de Setembro, um programa na RTP 3, com o título:
“O Mundo segundo XI Jinping”
Depois de o ter visto mais do que uma vez, assaltou-me à memória um medo quase infantil.
Como é possível alguém que sofreu sevícias durante a sua juventude por parte do regime maoista, ser hoje como líder da China, um personagem tão déspota, tal como os seus próprios opressores?
Não é de ignorar a força dos vira-casacas.
“Vem à memória o tanque de Tiananmen a passar por cima de um chinês armado com dois perigosos sacos de plástico na mão. (…) Quem será o condutor do tanque que assassinou um cidadão do seu país? O que pensará ele desse acto?”
Não consta que esse senhor tenha sido “passado por cima” pelo tanque ao qual barrou o caminho… Ele, sim, ainda passou por cima do tanque, mas do contrário não há relatos nem evidências… Não sei de onde na sua memória tirou essa ideia, mas seguramente não viu isso acontecer… E as perguntas retóricas podem ser dirigidas a muita gente no aparelho do estado chinês, mas não ao condutor do tanque na imagem, pelo menos relativamente a esse cidadão específico.
Depois queixem-se que há muita “fake news” e populismos e essas coisas!…
Tem razão. Memória traiçoeira.
J. manuel cordeiro,
mas houve um massacre, ou não?!
Sim mas não nos termos que tinha descrito.
Corrigi para evitar a propagação do erro. Obrigado.
Obrigado, eu!
Esta treta da ‘cultura do capital’ é a permanente ocultação da esquerda do que lhe subjaz – a cultura do consumo.
Pregam quanto ao capital e sempre lutam por mais rendimento/ mais crescimento /mais consumo.
E vivem confortáveis nesta ocultação – pesem embora todas as manobras monetaristas – de que o capital é e sempre será a outra face da poupança e a base do progresso: tecnológico, social, ambiental, …..
É exactamente isso, excepto a direcção do nexo causal e a conclusão. O capital, liderado por Hayek, é que levou os governos a aceitar que crescimento económico é igual a mais consumo, passando depois a deixar de produzir para vender papeis a dizer que vão vender muito, E crédito ao consumo, claro, senão já toda a gente tinha notado .
A China faz o mesmo, só que garantindo que os donos não podem falhar, coisa que agora Trump tenta imitar. Mal.
“de que o capital é e sempre será a outra face da poupança e a base do progresso: tecnológico, social, ambiental, …..”
Que delírio.
Communism, Socialism”
https://www.merriam-webster.com/dictionary/capitalism
O lucro é a essência do capitalismo. Nem era preciso ir buscar a respectiva definição. Se algo na actual economia não dá lucro, é fechado.
Como é que sabe que os sacos que o chinês tem na mão são de plástico?
Podem ser de pano, ou de ráfia, ou de juta.
Podem. Chame-lhe manha literária, se há literatura alguma no nisto.
O autor do post diz mal da Joana sem razão.
A Joana não adia a maternidade por querer tirar férias ou comprar carro. A Joana adia a maternidade porque sabe que sustentar um filho é muito caro e não tem a certeza de ter dinheiro para isso. A sua insegurança profissional não lhe permite meter-se nessas aventuras.
É sua a interpretação de que digo mal da Joana. Não faço juízo de valor, mas relato o caso dela.