Crónicas do Rochedo 40 – A Esquerda Trumpista

(Foto de Rodrigo Antunes, LUSA)

Os trabalhadores e os proprietários de estabelecimentos de restauração e similares (restaurantes, cafés, bares, etc) vieram para a rua protestar contra a situação que estão a viver desde março de 2020. Mais do que um protesto foi um acto de desespero.

Nalguns casos estão sem trabalhar desde março (bares e discotecas, por exemplo) continuando a ter de pagar impostos, rendas e outras despesas correntes. Noutros casos, estão a trabalhar com perdas superiores a 60%, 70%, 80% ou mais. A culpa é da pandemia? É. Mas não só. O Estado continua a assobiar para o lado. É fácil ordenar o encerramento. Difícil é ajudar quem foi obrigado a acatar a ordem de encerramento. Por muito inevitável que fosse. E foi. É. O que o Estado não explica ou não quer que se saiba é o facto deste sector, no seu conjunto, representar cerca de um milhão de trabalhadores e centenas de milhares de micro e pequenas empresas. Que foi deixado ao “Deus dará”. São essas pessoas abandonadas pelo Estado as mesmas que ouvem nas televisões um ministro da Economia falar numa injecção de milhões no dito sector e cujos putativos beneficiários não vislumbram um tusto de tal. São os mesmos que continuam a ouvir o Governo a falar de um comboio de alta velocidade, de milhares de milhões a injectar na TAP e dos pornográficos projectos PIN2030. São os mesmos portugueses que não podem abrir os seus negócios cumprindo um batalhão de regras e cujos trabalhadores não podem trabalhar, mas viram, nas televisões, multidões em Fátima, na Fórmula 1, na Feira do Livro ou na Festa do Avante.

Desta vez, não aguentaram mais e foram (mesmo assim poucos) para a rua protestar. No Porto, em Lisboa ou Aveiro, entre outras cidades. Ora, no Porto, a coisa azedou e assistimos a uma troca de empurrões e uma ou outra chapada. Acreditem, foi coisa pouca. Mas…Existe sempre um “mas”. Um conhecido cozinheiro (Chef é a palavra que agora se usa mas eu continuo a preferir a antiga) fomentado pelos media, muito querido da esquerda caviar e que até é oriundo da Sérvia, de seu nome Ljubomir, disse em voz alta o que muitos patrícios do sector dizem em surdina. Qual não é o meu espanto, a tropa de choque da esquerda nas redes sociais começou a gritar contra o homem. Os mesmos que antes o idolatravam na televisão, nos “roast” em que participou ou nas suas aparições no “Como é que o bicho mexe” estão agora muito indignados. Até o acusam de participar em manifestações manipuladas pela extrema-direita, pelos fascistas e, alguns, mais exaltados (quiçá fruto de algum grão na asa que isto de confinar é um problema), atiraram logo com o “se não estás bem vai para a tua terra”. O homem, à bruta, teceu umas palavras contra o Governo e a esquerda trumpista começou logo a ladrar. Daí partiram logo para a velha receita, retinta, de que esta malta da restauração foge aos impostos. A nandinha do Sócrates, liderando as viúvas do senhor, começou logo a cuspir ódio. A mesma que pagava os fins de semana em dinheiro e sem factura…Ora, existe aqui uma confusão qualquer. A malta da restauração e similares (admito que possam existir umas excepções) não colocou a sede das suas empresas na Holanda ou noutros paraísos fiscais, não participou na escandaleira do BES (pelo contrário, alguns ficaram foi a arder) nem se viram nas operações Lex ou na robalada que todos bem conhecem. Ao contrário de alguns(as) bem conhecidos(as) e apoiados pela nossa esquerda trumpista. Pior, no alto das suas tostas de caviar e das suas pochetes LV, não sabem o que é gerir uma empresa ou trabalhar horas e horas a servir às mesas. Não fazem ideia do inferno que é trabalhar numa cozinha ou atrás de um balcão de um bar ou discoteca. Sim, essa cachupada não faz a mínima ideia do que é a vida e confundem a mesma com a timeline do twitter ou os cinco mil caracteres sem espaços de um qualquer Diário de Notícias ou Público. Hoje, defendem o Costa como ontem o faziam, e de forma mais canina, com o Sócrates. Defendem, verdade seja dita, quem lhes dá de comer. E pegam pesado com quem se atreve a discordar. E se for um qualquer Ljubomir pior ainda, é logo mandar o homem para a sua terra.

O que este sector da nossa economia precisa é que mais “Ljubomires” levantem a voz e se necessário for, ofereçam umas valentes galhetas. É a única forma de serem ouvidos. Os tempos não estão para falinhas mansas. Na manifestação do Porto já tiveram uma pequena amostra do que pode estar a caminho. Uma pequena amostra. Pornografia é ter fome, é não conseguir dar de comer aos filhos. O desespero faz o resto. A extrema direita e os venturas da vida vão procurar capitalizar estas manifestações? Vão. E a extrema esquerda fará o mesmo. Já para não falar nos chalupas dos negacionistas. São os custos de contexto. Mas isso não retira a razão aos homens e mulheres deste sector que estão a passar por um tempo de desespero sem igual. Se a esquerda trumpista e a nossa classe política quer evitar o que se avizinha, então que ganhe juízo e faça o que tem de ser feito. Caso contrário, isto só lá vai à chapada. Da grossa.

 

Comments

  1. Paulo Marques says:

    Certo. Coerente é o chef que tem um programa onde sobre falta de higiene nos restaurantes a dizer que os mesmos cumprem todas as normas. Mentirosos são os que instalam programas de facturação com porta do cavalo e quem nunca vê uma factura. Agredir a comunicação social é coisa poucochinha e ordeira.
    Não é preciso gostar de Costa ou mandar trauliteiros para a terra deles (até porque por mim a terra dele é esta) para não gostar de oportunistas. Mas o dinheiro é europeu, porque a cosmopolitização é maravilhosa e ser a Florida da Eurolândia é o progresso, nem que se quisesse se podia sustentar empreendedores que tanto se orgulham em nunca precisar de ninguém e de bater na mão-de-obra.
    É uma merda? É, mas isso já era previsível; se não fosse isto era outra coisa, e voltará a ser a curto prazo mesmo que se enterre mais dinheiro (e que se devia). Mas uma coisa é certa, sem infra-estruturas novas, pagas por todos e não só pelo sector, a coisa também não tem futuro, seja pelos transportes ou pelo combate ao aquecimento (comboios davam jeito). Se são estes, tenho que ir estudar, mas não se preocupe muito, serão cancelados em breve para agradar a quem nos manda tantos bêbados.

    • Paulo Marques says:

      Ou deixe-me perguntar de outra maneira. É razoável sustentar as vendas perdidas este ano e no próximo, declaradas e não declaradas, e fazer de conta que tudo volta ao normal em 2022 como se nada fosse mudar? Por uma burocracia que, supostamente, é abaixo do medíocre e não tem, nem pode ter, meios para o apurar em tempo útil?
      E o que os leva a crer que a direita austeritária alguma vez os ajudaria mais? Aumentando o IVA novamente, o tal que para o Ljubomir é o maior custo da empresa?
      E, hmmm, porque é que invés de estarmos preocupados com quem vende bifes a 25€, que este esquerdista foge tanto como do caviar, da Uber e da Amazon, que tal ajudar aos restaurantes de esquina? A julgar pelas entrevistas, ao menos estão preocupados com a saúde dos clientes, ao contrário dos pequeno burgueses.

  2. Rui Naldinho says:

    Neste texto do Fernando Moreira de Sá estou de acordo com alguns parágrafos, mas em total desacordo com outros.
    Todos nós estamos chocados com aquilo que está a acontecer ao sector da restauração, hotelaria e similares. Só alguém de muito mau carácter não percebe que mais tarde ou mais cedo todos seremos arrastados por este Tsunsmi, em que se transformou a Pandemia Covid 19.
    Convém no entanto recordar ser esta Pandemia a mostrar-nos toda a nossa fragilidade económica. Em especial nos países do Sul da Europa, com Portugal incluído.
    Somos um país em que os tais milionários, os que colocam os lucros na Holanda, Luxemburgo e paraísos fiscais, se dedicam a negócios de mercearia, a negócios de operadoras de comunicações digitais, mas principalmente à especulação imobiliária. Com excepção do grupo Amorim, que se dedica ao negócio das cortiças e seus derivados, mas nem por isso deixou de saltar como um garanhão para os combustíveis refinados, tudo vive à pala do consumo interno ou de negócios rentistas. Para estes magnatas Tugas, investir em indústrias exportadoras, de preferência com forte valor acrescentado na manufactura vendida, é um péssimo negócio.
    Pudera! Isso dá imenso trabalho e o lucro nem sempre está garantido. Isso obriga a fazer formação profissional permanente aos trabalhadores e empregá-los de forma efectiva, e não de forma precária. Isso obriga a investir a longo prazo e não se tem um retorno ao fim de uns meses.
    Portugal é um país onde há hotéis, restaurantes e cafés a mais. “Um em cada esquina”. Multiplicam-se os “tascos” às portas das fábricas e junto aos principais edifícios públicos, incluindo escolas, onde muito boa gente tem aí o seu ganha pão. Um enorme respeito por essa gente. Um enorme respeito por aqueles trabalhadores da restauração e hotelaria, muitos deles imigrantes, sem um suporte familiar de retaguarda que os possa amparar nesta fase. Ficarão mais expostos à pobreza. Já estou menos preocupado com os donos de alguns restaurantes, ainda que não lhes deseje nenhum infortúnio, mas que ao fim de uns meses de actividade, a primeira coisa que fazem é comprar um Porche Cayenne ou um Mercedes topo de gama. Claro, com uma pandemia destas, fechados à força por determinação do governo, ou espaços vazios por falta de clientes que em face do medo de contágio, se abstêm de fazer convívios sociais à mesa dos restaurantes ou de viajar, tudo isto teria mais tarde ou mais cedo de acabar assim.
    Portugal é um país que nos últimos anos, fruto do crescimento do turismo e da pressão que essa indústria criou no sector imobiliário, empurrou para as periferias dezenas de milhar de residentes, muitos deles velhos, que ocupavam edifícios antigos com alugueres baixos.
    Sim, Portugal é de facto no plano económico, uma aberração. Fomos nós, com a “orientação sábia” do Poder político, com especial incidência o Centrão dos interesses e da corrupção, que construiu esta economia distorcida e disforme, como se tivéssemos um tecido produtivo mongolóide.
    Já agora, para terminar, Costa tem pele escura, mas nasceu em Lisboa, é filho de uma mãe lisboeta, jornalista de profissão, e de um português de origem Goesa, nascido na antiga colónia de Mocambique, como eu próprio.
    Será que Goa e Moçambique foram colónias da antiga Jugoslávia?
    Pensei que tivessem sido portuguesas.
    Já o cozinheiro Ljubomir Stanisic nasceu em Sarajevo, nunca quis ter a nacionalidade portuguesa(ver entrevista ao Daniel Oliveira, não o do BE, mas ao Director de Programas da SIC); diz que não tem paciência para ir a repartições e conservatórias tratar de burocracias, mas serve de modelo revolucionário para algumas pessoas.
    Não, não vou por aí. Os nossos males ontem, hoje, e no futuro próximo, vem da nossa própria incapacidade de nos organizarmos como sociedade sem nos armarmos em espertalhões.
    Essa é a nossa verdadeira doença. Muito pior que o Covid 19

  3. Rui Santos says:

    Em acordo e desacordo com algumas das ideias apresentadas, ficou-me no entanto uma abordagem: “a nossa economia precisa é que mais “Ljubomires”….” Não precisamos de pessoas arrogantes, mal educadas e racistas, que se penduram em momentos de exposição e que vivem do mediatismo criado com programas de caça às baratas e rataria.

    Num momento “Chega” diria que os “Ljubomires” deveriam ter bilhete de ida sem volta.

  4. Paulo Marques says:

    Há sempre quem bata nos outros, o twitter não é a realidade, e a manifestação também não é muito mais.
    A esquerda propõe-lhe isto:
    “1. Os apoios devem ter em conta as perdas face a 2019. Compensar as perdas deste mês face a este ano não tem sentido, porque vamos já em 9 meses de perda.

    O governo tem de desenhar um plano de redução das rendas. 90% das empresas do sector da restauração pagam renda, e neste momento vivem com 50% a 100% de quebra e não têm capacidade continuar a pagar rendas por inteiro.
    Medidas de apoio fiscal imediata. As medidas extraordinárias apresentadas pelo governo, como o Ivaucher, são medidas de recuperação e o que o sector precisa neste momento são de medidas para sobreviver. A recuperação virá depois, quando a pandemia estiver controlada.
    É urgente simplificar o acesso aos apoios, para que possam chegar rapidamente às micro e pequenas empresas. São elas a maioria das pastelarias, cafés e restaurantes essenciais nos nossos bairros, ruas, comunidades.”

    Mas pode esperar pela direita se não gosta, a ver se propõem conforto desta vez.

  5. Filipe Bastos says:

    Este Ljubomir é bósnio, mas na Sérvia e na Croácia há também muitos assim: malta rija, agressiva, machona, de pêlo na venta, mas que costuma ser franca e prática. Este é mais apalhaçado e attention whore do que a média.

    Tem razão o autor quanto à dureza da restauração; deve haver poucos trabalhos actuais mais cansativos e desgastantes.

    Tem razão o Paulo quanto à carneirada que enriquece mamões como a Amazon e a Uber, enquanto abandona os negócios locais cuja perda nem lamenta. Até chegar a vez deles.

    Tem razão o Naldinho quanto à mama rentista das ‘elites’, a overdose de cafés e pastelarias, quase todos com os mesmos bolos fatelas e pastéis gordurosos, e muitos trafulhas que por aí circulam de BMW ou de Porsche.

    Diz o autor que isto só lá vai à chapada. Há algum tempo que digo mesmo. Praí há uns quinze anos.

    • Paulo Marques says:

      Pois, andamos todos à chapada (verbal) entre (maioritariamente) quem vive do trabalho a ver para que lado calha o que sempre seria largamente insuficiente por causa da malfadada inflação que já poucos se lembram, não vá a falta de desemprego descontrolá-la.
      É que se a restauração sofre, também sofre a aviação, como sofre quem perdeu os fornecedores, como sofre quem vende produtos menos necessários (embora mais retardado), os transportes, …, e quase (mas só quase) só ganha quem produz papel financeiro (com menos produção real a suportar?) e capitalismo de vigilância. Surpreendente?

      • Filipe Bastos says:

        Claro que sim, é uma bola de neve. E o pior, ao contrário do que dizia a campanha do Trampa, está por vir.

        Isto devia servir para repensar mesmo tudo, para um reset a sério, mas claro que jamais permitirão qualquer mudança real. Todo o sofrimento será para nada.

        • Paulo Marques says:

          Bem, mudar vai mudar, porque o monetarismo está falido. Pode é ser para o lado de aceitar níveis enormes de pobreza e do proletariado não ter propriedade.