Obscenidades abençoadas por um Deus que não vem na Bíblia

O caso do momento vai muito para lá do despesismo e das jogadas políticas que envolve. Para lá das decisões do governo, da cumplicidade do presidente da República, dos ajustes directos da CM Lisboa e da inevitável Mota-Engil. Para lá da obscenidade do valor envolvido.

Este é, sobretudo, um caso que põe a nu a hipocrisia de uma instituição privilegiada, que não paga os impostos devidos, se é que paga alguns, apesar da sua incalculável fortuna e vasto património, e da meia-verdade que é a laicidade de um Estado que mantém um acordo como a Concordata.

A Igreja Católica, por tudo o que apregoa, deveria ser a primeira a ficar escandalizada com os cinco milhões investidos num palco, numa altura em que a pobreza atinge níveis assustadores. Católico que preze a sua fé e os princípios bíblicos que a norteiam deveria ser ferozmente contra este gasto. Quantas bocas famintas se poderiam alimentar com cinco milhões de euros?

E com 160 milhões?

Infelizmente, a instituição em causa tem um longo historial de ostentação que fala por si. De maneira que nada disto surpreende. Mas não deixa de ser obsceno. Não interessa se gastamos mais com A ou B. Interessa que este investimento é, acima de tudo, um gasto desnecessário. E a negação dos alegados ensinamentos de Jesus.

Depois há a questão do precedente que se abre. Sendo Portugal um Estado laico, deve tratar todas as religiões de igual forma. E se amanhã forem os evangélicos, os muçulmanos ou os budistas a querer cá fazer as suas jornadas? Vamos andar a pagar palcos destes para toda a gente? Vamos investir 160 milhões de cada vez?

Enfim, tudo isto é triste. Mas nada disto é fé. É negócio, é política, é influência e tráfico dela, quiçá um pouco de corrupção também, mas não é fé. Mas é o que sempre foi. Ou vocês acham que é a toa que os países católicos sejam, no geral, mais pobres e mal geridos que os protestantes?

Comments

  1. Victor Nogueira says:

    Na exploração colonial, no tráfico negreiro, nos genocídios, na USA/NATO e nas guerras, que distingue os capitalistas países “católicos” dos países “protestantes” e “ortodoxos”,

    • Victor Nogueira says:

      Rectificação EM TEMPO – Na exploração colonial, no tráfico negreiro, nos genocídios, na USA/NATO e nas guerras, que distingue os capitalistas países “católicos” dos países “protestantes” e “ortodoxos”,?

  2. Paulo Marques says:

    Os países protestantes aceitam mais trabalhar para não aquecer, em nome da virtude, mas não lhes faltam líderes, e nem é preciso que sejam evangélicos, onde virtude há muito pouca.

  3. Victor Nogueira says:

    Tirando talvez os “evangélicos”, nenhuma outra “religião” tem em Portugal um poder de facto e das mentes como a Igreja Católica Apostólica Romana. Mas sim, é um contra-senso apoiar “Uma” em detrimento de outra(s). É elucidativo o argumentário do “retorno económico” do desapegado “investimento” e dos “peregrinos” que espalhariam a Boa Nova urbi et orbi para que posteriormente, em levas sucessivas, milhões de turistas venham mergulhar no Trancão e no colo das Tágides, desde Ulisses e Camões elogiadas. Longe vai o tempo de separar Deus e César! It’s all business! The show must go on!

  4. francis says:

    Cada vez mais, tenho mais desprezo pela instituição Igreja. Aquilo de Deus tem muito pouco ou nada, Tem mais, muito mais, de adoração ao dinheiro.

  5. Ana Moreno says:

    João, é que os católicos têm sempre aberta a porta da absolvição, coisa que os protestantes (não essas seitas evangélicas que para aí há) não têm, o pecado nunca mais é apagado. Explicado por Max Weber na Ética Protestante; claro que isto é apenas um elemento entre outros, mas, tal como escreves, pode ser chamado à colação. 🙂

    • Paulo Marques says:

      Por outro lado, têm a plena convicção de que se têm sucesso, é porque não têm pecado e estão a ser divinamente recompensados.

Trackbacks


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