“Minha laranja amarga e doce”

“Cavalo à solta” é, para mim, uma das mais belas canções alguma vez concretizada pela genial dupla Ary dos Santos e Fernando Tordo.

A dualidade de sentimentos e perceções próprias da precária condição humana, o modo como em cada um de nós os opostos lutam e dessa luta nasce um sentido, tem uma dimensão singular nos trilhos da vida.

A dado momento, diz o genial Ary dos Santos:

“Minha laranja amarga e doce, minha espada
Poema feito de dois gumes, tudo ou nada”

Tudo isto, acompanhado pelos tons dramáticos que as notas musicais de Fernando Tordo, e a sua voz precisa e profunda, que nos levam a compreender melhor a mensagem, sem subterfúgios ou equívocos, num embalo semântico e dual.

Ali está, sem dúvidas ou ambiguidades, ou com todas elas, toda a contradição harmonizada que compõe a condição e o sentimento.

Revisitei ontem esta canção quando via os resultados eleitorais do meu meu clube, do meu Futebol Clube do Porto.

Outrora sócio, e, há muito anos anos, mero adepto, se sócio continuasse a ser, teria votado André Villas-Boas.

Mas, jamais teria comemorado tão grande derrota sofrida por Jorge Nuno Pinto da Costa. Pela simples razão que entendo que do passado se faz melhor futuro. E eu não posso esquecer as dimensões europeia e mundial que Pinto da Costa deu ao meu clube.

Foram décadas de consolidação de um modo de ser e de sentir, não apenas de um clube, mas, acima de tudo, de um modo inconformado de estar na vida de uma região e, até mesmo, de qualquer um que não se resigna.

É verdade que os últimos anos foram de desacerto e que o clube atingiu perigosos níveis de endividamento. E, não menos verdade, faltou visão e até coerência, entre princípios e acções.

E, mais ainda, faltou a aquilo que John Pappas – personagem do filme “City Hall”, interpretada por Al Pacino – denomina por “menschkeit” (um termo Yiddish que significa “the space between a handshake”:

Distance is something you do to your enemies. It’s a thing of the nineties, to make friends extinct. Distance… is the absence of menschkeit!” (Al Pacino como Mayor John Pappas, em “City Hall”, 1996).

Foi este espaço entre um aperto de mão, esta lei não escrita, este sentimento de compromisso, que falhou.

Sei que Pinto da Costa, pelas suas próprias características – entre as quais as mesmas que levaram o meu clube tão longe -, se foi distanciando deste “menschkeit“. Pôs-se a jeito e acabou por sair pela porta pequena.

Não sei se André Villas-Boas será a mudança que o meu Futebol Clube do Porto precisa. Até porque vi em sua volta, rostos que se apresentam como futuro e que conheço de passados que não me agradam.

Só o tempo dirá.

É que entre a necessidade de mudança e a mudança em sim mesma, vai um largo lastro de opções, de caminhos, de compromissos. Mas, nenhuma delas passará por tentar ou ignorar ou tentar reescrever a história.

E a atitude de André Villas-Boas em recusar o convite de Pinto da Costa – que ultrapassou a humilhação do resultado eleitoral e se comportou ao mais alto nível institucional – para assistir ao jogo com o Sporting na bancada presidencial, não bate certo com o discurso de vitória do próprio Villas-Boas na noite eleitoral.

Sei que a juventude acarreta uma espécie de arrogância. Mas, convenhamos que André Villas-Boas já não é nenhum rapaz.

Por enquanto, e até que o futuro se transforme em passado, depois desse tão efémero crivo a que chamamos presente, e alcancemos algumas respostas, fica o génio de Ary dos Santos:

“Por ti renego, por ti aceito
Este corcel que não sossego
À desfilada no meu peito”.

Comments

  1. Elvira Casaca says:

    A conversa de que perder democraticamente é “sair pela porta pequena” já enjoa. Se calhar, o que queres dizer (e não consegues) é que o AVB “entrou pela porta pequena” ao recusar o gesto do Pinto da Costa. A dissonância cognitiva é tramada é não o Ary dos Santos que te vai safar desta.

  2. Toma says:

    no outro post que linda a video-homenagem do porquinho da areosa ao velho mafioso…. sem comentarios abertos…..

    guincha porquinho da areosa!

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