Liberalismo e cartelização

Alguns liberais – no sentido neoliberal da palavra – hipnotizados pelas teorias de Hayek e Friedman, ainda que alheados do mundo real, insistem que o mercado livre se autoregula, e que uma das vantagens da sua natureza concorrencial é que o consumidor paga sempre menos.

Sempre menos.

Pena que exemplos como este se multipliquem, invalidando o wishful thinking e a propaganda, revelando que concorrência, não raras vezes, degenera em cartelização. A desculpa, invariavelmente, chega-nos sob a forma de uma adaptação da boa velha máxima comunista: este não é o verdadeiro liberalismo. Os radicais, como os extremos, atraem-se. Nunca falha.

Prendinhas de Natal

Pela ocasião natalícia – que para mim perdeu o significado desde que o Pai Natal morreu estilhaçado na passagem do arco ritual da infância para a adolescência -, pus-me em busca de umas prendinhas para as pessoas que lêem este blog. Talvez até de prendinhas para mim, em forma de boas notícias dos últimos dias. Notícias boas neste tempo em que os poderosos estão cismados em estilhaçar o mundo do mesmo modo que sucedeu ao Pai Natal, não é nada fácil. E no fundo, a maioria de nós, mais ou menos, alinha no estrago.

O que trago no saco são só três embrulhinhos mesmo muito pequeninos e salvaguardo que poderá tratar-se mais de truques de “public relations” do que de reais melhorias, mas, no tempo de que dispunha, foi o que arranjei:

  1. A greve dos pilotos da Ryanair em vários países europeus (Portugal, Espanha, Alemanha, Itália, Reino Unido e Irlanda) está a obrigar a “low cost” a reconhecer os sindicatos como contraparte para negociações. “A Ryanair vai mudar a antiga política de não reconhecer os sindicatos para evitar ameaças de transtorno para os clientes durante a semana do Natal”. Ontem, a companhia aérea irlandesa conseguiu evitar o cancelamento de voos apesar da greve dos pilotos alemães porque activou pilotos autónomos ou que estavam à experiência; mas registaram-se atrasos e o apertão obrigou a Ryanair, pelo menos por agora, a descer um degrauzinho do pedestal da sua arrogância. Claro que no fim pagaremos nós, mas vale a pena colocar um pequeno sinal vermelho no “quero, posso e mando”.
  2. Segundo decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia – em resposta a um tribunal de Barcelona, onde a empresa de táxis Elite apresentou uma queixa contra a Uber por competição desleal – a Uber não é uma mera plataforma digital, mas sim uma empresa de transporte, cabendo pois aos “Estados membros (UE) regularem as condições de prestação destes serviços”. A regulação dependerá assim de cada país, mas a orientação é clara no sentido de serem exigidas as mesmas licenças e autorizações que aos taxistas. E dando pistas quanto à questão de princípio: pessoas a trabalhar com estatuto de autónomas e fora dos sistemas de segurança social. Um bocadinho menos de “wild west”, embora o porta-voz da Uber considere que pouco vai mudar na maioria dos países da UE; só se não quiserem…
  3. A multinacional de supermercados ALDI quer reduzir ou eliminar produtos contendo glifosato, para o que enviou aos seus fornecedores uma carta pedindo informações detalhadas sobre o uso do mesmo na produção de rações. O objectivo é incentivar os  fornecedores de carne, lacticínios e ovos a reduzir ou eliminar o uso de rações com glifosato. É claro que a ideia do “hard-discounter” é atrair clientes; e com certeza não vai passar a pagar mais aos produtores por produtos de melhor qualidade – lá se ía abaixo o negócio… Mas, esperando que vá adiante, há uma coisa que isto mostra: os protestos dos consumidores têm poder. Se se unirem.

Bom Natal a todos e, se souberem de boas notícias, não deixem de oferecer aqui – não custam nada e alentam um bocadinho.