O declínio do império romano

As tardes de veraneio de Berlusconi em Villa Certosa, na Sardenha, vieram dar o picante burlesco de que as notícias da actualidade, sempre tão carregadas de negrume, necessitavam. Mulheres bonitas saindo da mansão do Cavaliere, beldades semi-nuas à beira da piscina, e até um hóspede masculino, apanhado como veio ao mundo sob o sol da Sardenha – o suficiente para sugerir dias de luxúria na mansão de um primeiro-ministro europeu, a pouco menos de dois meses das eleições para o Parlamento Europeu.

Confesso que tenho um particular interesse por Silvio Berlusconi. Não por razões afectivas, ou políticas, mas porque creio ver em Berlusconi, com as suas já entediantes historietas de relações extra-conjugais, com os seus ademanes de clown, besuntado de “fond de teint”, o cabelo pintado de negro, a pele retocada por liftings e botox, um símbolo da decadência do poder político na Europa.

O poder infinitamente corrompido, a escolha da mentira e do discurso hipócrita como registo quotidiano, o compadrio, a desonestidade intelectual, o desprezo pela ideia da política como uma busca do bem comum, de serviço à comunidade. Há uma classe política europeia que partilha estes mesmos males com Berlusconi, mas a máscara de burocrata cinzento continua a ser, no ocidente, um sinónimo de seriedade e competência, e é sob essa máscara que dissimulam o seu clandestino, mas nem por isso menos arraigado, berlusconismo.

Garrido, espalhafatoso, desbocado, com tiques de imperador romano em inexorável declínio, Silvio Berlusconi personifica a decadência final de uma classe política que há muito pôs as ideologias ao serviço da conquista e perpetuação do poder. Com os meios de comunicação social convenientemente domesticados, e uma classe política que, independentemente da ideologia, persegue o mesmo fim, debitam sound-bytes testados pelos mais reputados fazedores de opinião, e alimentam os vícios privados que renegarão, com enfática repulsa, na praça pública.