O estranho caso da remodelação da “meia vida” dos comboios da Fertagus

António Alves
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Fertagus, Estação de Corroios (origem: Wikipedia)

Ontem surgiu a notícia que os comboios da Fertagus iriam ser sujeitos à revisão da “meia vida”. Essa revisão será efectuada pela EMEF e custará 1,2 milhões de euros. Pagará o Estado, já que é este o proprietário do material circulante. A questão deste subsídio encapotado do estado a uma empresa privada já foi por mim abordada em texto anterior. Hoje a questão é outra.

Ora, 1,2 milhões de euros pareceu-me muito pouco dinheiro para fazer a revisão de “meia vida” a 18 comboios. Fiz as contas e deu-me 66 666 euros por comboio. Quem se move nesta indústria sabe que isso não chega nem para pintar um comboio quanto mais para uma revisão de “meia vida”. Procurei mais informação e o máximo de substancial que consegui foi um artigo do Carlos Cipriano para o Público [1].

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Negócio privado, mas despesa pública, no comboio da Ponte

António Alves

emef comboio na ponte barraqueiro fertagus

Eu explico: estas unidades foram compradas pelo Estado para a CP. Mas como o Estado queria um operador privado na Ponte sobre o Tejo, foram cedidas à privada Fertagus. Na verdade foram compradas, a preço de amigo, por um sindicato bancário que as cedeu em leasing à Fertagus.

Um bom negócio.

Bom negócio até ao momento em que elas entraram na idade de fazer a obrigatória revisão da meia vida. Coisa que fica cara. Nesta altura do campeonato ou ela é feita ou compra-se material novo.

E é aqui que a porca torce o rabo. [Read more…]

É disto que se trata quando se fala em esquemas

Pelo relatório de actividade do TdC de 2015, divulgado ontem, ficámos a saber de um esquema que estava em curso pela social-democracia-sempre.

Em Julho do ano passado, o TdC recusou o visto a 11 contratos entre a CP e a Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário (EMEF), no valor de 354 milhões de euros, por terem sido negociados num momento em que decorre a privatização da EMEF.
 
O TdC considerou que estes contratos, cuja duração chega aos dez anos, poderiam dar vantagem aos investidores privados que ficarem com a EMEF, conferindo-lhes receitas garantidas por um largo período de tempo.  [Jornal de Negócios, 08 Junho 2016]

No artigo, esqueceram-se de acrescentar que era uma privatização a ser feita em cima da campanha eleitoral. Tudo normal.

Agora é esperar sentado que a insurgência militante explique, com gráficos todos pipi, as maravilhas destes negócios encostados ao Estado. Tal como fizeram com afinco para os Estaleiros Navais de Viana do Castelo e para a TAP.

As Prendas de Natal e Outras

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PRENDINHAS, QUEM AS NÃO QUER

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A operação, chama-se Face Oculta, mas já há muitas faces descobertas.

Sobre isso já escrevi aqui, e aqui.

Aquilo que muitos dos arguidos, ou alegadamente implicados, deram ou receberam, têm nomes diferentes, consoante quem os nomeia.

Para uns, os investigadores e o público em geral, o nome que têm é "luvas provenientes de corrupção".

Para outros, os que ofereceram ou os que receberam, são "prendas de Natal ou de outra altura qualquer".

Mas, dificilmente, automóveis e dinheiro, podem ser considerados presentes desse género.

A todos os níveis da nossa sociedade, se utiliza a prenda, ou a nota, ou a influência, para obter o que se pretende.

A corrupção, pequena ou grande, faz parte do nosso estilo de vida. Desde a notita dada à funcionária que nos põe dentro do consultório do sr dr uns minutos mais cedo, ao segurança que nos deixa entrar mesmo sem a devida credencial num qualquer sítio onde pretendemos ir, ou ao sr graduado de uma qualquer força militarizada que mete uma cunha pelo nosso pirralho e por isso recebe à posteriori uma prendinha, em quase todas as circunstância da vida dos Portugueses encontramos situações destas.

Não seria portanto de admirar que nos altos negócios se proceda da mesma forma.

Mas, se nas pequenas coisas, é aceite pelo comum dos cidadãos, que se proceda assim, pois que quem o não faz fica sempre prejudicado, já nas grandes coisas esta postura não tem o aval de ninguém. Nestas, a lisura de procedimentos, até ao mais pequeno pormenor, é exigível.

O Português, como outros, aceita que a pequena corrupção se faça, até porque é ele quem a faz, mas exige que os que estão em situação de mandar, os que têm poder, o não façam, até porque não precisam, e só corrompe quem necessita.

O grande problema desta situação, para além do facto em si mesmo, é que tem já muitas ramificações, que tocam altas figuras da nossa Nação. À Ren, Refer, EDP e Galp, juntam-se agora a CP, a Portucel, a Lisnave, os CTT, a EMEF, os Portos de Setubal, Sines a a Capitania de Aveiro, a ENVC, a IDD, a Empordef, a Carris e as Estradas de Portugal. Muitas destas empresas estão já a fazer investigações internas. Mas são já demasiadas as empresas ligadas a este caso. É o País inteiro.

E só o mais pequeno dos actores deste caso, o que corrompeu (alegadamente claro, que é preciso ter cuidado com o que se diz) os altos funcionários de quem se fala, está em prisão preventiva.

Daí o poder-se inferir que aos outros, nada de mais lhes acontecerá. O sr Vara, ainda está e continuará a estar na Vice Presidência do BCP. O sr Penedos continua na presidência da Ren. E outros continuam onde sempre estiveram.

Daqui a muitos anos, como em outras situações que estão a correr na nossa justiça, ainda estaremos na situação de hoje. As investigações vão ser demoradas e a nossa justiça irá ser ainda mais lenta que de costume. Há demasiada gente muito importante envolvida.

Esta forma suja e abjecta de se viver, não pode deixar de criar nojo a quem olha para ela.

Ninguém pode confiar em ninguém. A corrupção grassa por todo o lado. Quem tem poder, e é pouco sério, faz o que muito bem entende e enriquece quase da noite para o dia. Quem não tem esse poder, ou se for uma pessoa séria, nem trabalhando muito, chega a algum lado apetecível economicamente. Quem não for de modo algum, uma pessoa séria, como muitos que por aí andam, depressa chega a ter poder. Seja em que nível for.

E o poder em Portugal, pelo que se ouve nas ruas e nos cafés, está associado à burla e à corrupção.

Vivemos num País de vigaristas e de vigarices. E, desde à alguns anos a esta parte, a principal ideia que transmitimos aos nossos filhos, é a de que devem ser "espertos" para poderem ter poder e ser ricos, não interessando o que se faça, desde que surta efeito.

O que em alguns momentos me apetece, é sair daqui, fugir, imigrar para um qualquer lugar, longe de tudo e de todos. Ou então viver no meio do monte, sem acesso a seja o que for. Mas não sendo de baixar os braços, vou, à minha escala, continuar a lutar contra a corrupção em Portugal.

Conforme está, é uma tristeza, o País em que vivemos.

 

 

(In, O Primeiro de Janeiro, 5-11-2009)