Dívida pública: um casamento de inconveniência

Para mim, que percebo tanto de Economia como muitos economistas, ou seja, nada, é aceitável a ideia de que os cidadãos de um país tenham de pagar as dívidas contraídas por esse mesmo país, tal como, de certo modo, deverá acontecer entre cônjuges num casamento com comunhão de adquiridos.

Recorrendo, ainda, à imagem do matrimónio, o modo como a história da dívida pública está a ser-nos contada pelos governantes poderia corresponder a qualquer coisa como um marido, depois de gastar o dinheiro comum em jogos de azar e em jantares com amigos, acusar a mulher de ter arruinado o casal por causa de um vestido que comprou há dois meses. O marido, representando, aqui, o governo, criticaria, então, a mulher, usando a frase da moda: “Tens andado a viver acima das nossas possibilidades.” Já se sabe que a pobre esposa será obrigada a contribuir para o pagamento da dívida, mas, a não ser que seja destituída, não admitirá que lhe atirem à cara culpas que não tem.

Tal como a esposa vilipendiada, até posso admitir que sou obrigado a pagar as asneiras de outros. Agradecia, no entanto, que não me dissessem que a gestão continuamente danosa de instituições como hospitais, meios de comunicação ou Segurança Social, a destruição sistemática do tecido produtivo ao longo de vários anos, as parcerias de lucros privados e prejuízos públicos, a nacionalização de um banco à custa dos contribuintes ou o desperdício sempre infindável e actual dos delírios madeirenses se devem ao facto de eu ter vivido acima das minhas possibilidades.

É claro que qualquer esposa tem, sobre mim, a grande vantagem de poder recorrer ao divórcio ou de usar uma frigideira como arma de arremesso. Mesmo não tendo escolhido o valdevinos com que me obrigam a viver, não só tenho de pagar o dinheiro que ele me gasta como ainda tenho de o ouvir dizer que a culpa é minha. Para além disso, não tenho força suficiente para atirar frigideiras para São Bento ou para Paris.