paixão e amor revisitados – auto crítica e debate a dois

autocítica, sem remorsos e com convicção

texto derivado de um infeliz debate a dois

Pela manhã de hoje, 18 de Novembro, escrevi um texto para este sítio de debate: a paixão que mata o amor. Entendi fazer bem. Grande engano. O problema, entre outros, era essa última frase do texto: Eis porque digo que a paixão mata o amor, enquanto o amor arrebita a paixão.

A frase, sem contexto, não dá para entender. O contexto era de duas pessoas que se entregam uma à outra sem condições nem requerimentos. Apenas com a sedução que o carinho dá, criticando Freud e a sua teoria da libido que tudo governa quanto a sentimentos. É uma distinção que ele faz entre psique e soma, entendo por psique, o que temos vivido e armazenado no inconsciente, que às vezes lembramos, mas a maior parte das vezes esquecemos. Os momentos de felicidade, de amar sem condições, de sermos novos mais uma vez, formam parte do conceito paixão. Sentimento que não tem história própria entre dois que tratam um do outro com carinho e respeito e com uma libido a ferver, que pode ou não, acabar em amor.

Mas o amor é o resultado de uma história partilhada, de uma cronologia largamente vivida em conjunto, de factos da vida que se sabem confrontar sem entrarem em dizer e desdizer, sem andar pelos trilhos da agonia de uma paixão não satisfeita com o amor.

Assim sendo, seria preciso definir os dois conceitos, elos centrais na nossa vida. Sem sentimentos ou com eles virados do avesso, sofremos. Não é apenas comer, fazer exercício, ir a concertos, ter boas leituras, conversar com amigos até de madrugada e outras minúcias desse estilo, que fazem um indivíduo feliz. Note-se bem um indivíduo feliz. O conceito indivíduo é o substantivo central na construção frásica. Indivíduo é o ser que se isola, não partilha a vida com ninguém e procura entretenimentos em diversas actividades. No podemos esquecer Daniel Defoe e o seu livro Robinson Crusoe. Daniel Defoe (Londres, 1660 – Londres, 21 de Abril de 1731) foi um escritor e jornalista inglês, famoso pelo seu romance Robinson Crusoe. Eram os tempos em que a economia clássica recomendava estabelecer comércio apenas com uma pessoa e não em sociedade comercial. Defoe, pelo que me lembro do livro, fez naufragar um marinheiro numa ilha do Pacífico, que hoje sabemos ser o arquipélago de Rapa Nui, rebaptizada com Eastern Island, traduzida para as línguas latinas como Ilha de Pascoa. Os críticos consideram geralmente que a forma moderna do romance nasceu com esse texto narrativo, que, partindo das memórias de alguns viajantes, nomeadamente do marinheiro escocês Alexander Selkirk, configura um relato cuja verdade depende sobretudo da acumulação de pormenores concretos.

Neste romance narra-se a história do único sobrevivente de um naufrágio que o isola numa ilha aparentemente deserta. Assim se figura o percurso de uma personagem que, tudo fazendo para conservar os valores da sua humanidade básica, afirmando-os sobre uma natureza hostil e frequentemente incompreensível, acaba por ser adoptada pela História das Ideias como um arquétipo dessa condição. Robinson Crusoe (1719). Bem como o filme interpretado por Tom Hanks, O Náufrago ou Cast Away, quem inventa um ser humano para se sentir acompanhado. Por outras palavras, a solidão é o pior dos tormentos para um ser humano. Como essa aparição do Sexta Feira, um nativo da ilha de Páscoa que lhe ensina os elementos essenciais para sobreviver, além de o acompanhar no seu decurso pela vida, sem pessoas nem habilidades para trabalhar.

A parte mais dura para quem anda só na vida, é a falta de um ser para amar e se apaixonar, sendo correspondido, como é de esperar. Dois seres juntos sem amor no meio, acabam deprimidos ou assustados da vida. Há quem mascare essa solidão, dentro da alma, ladeando-se de imensos amigos ou de pessoas que devem tratar dele ou dela. Normalmente, estes personagens são masculinos.

Preciso será, porém, tornar a definir paixão e amor. Paixão: Perturbação ou movimento desordenado do ânimo ou grande inclinação ou predilecção!predileção. AfectoAfeto violento, amor ardente. O objectoobjeto desse amor. Donde, as críticas ao texto recebidas já, têm um ponto de razão: a paixão está unida ao amor. E amor? Torno a definir o dito no texto anterior: sentimento que induz a aproximar, a proteger ou a conservar a pessoa pela qual se sente afeição ou atracçãoatração; grande afeição ou afinidade forte por outra pessoa (ex.: amor filial, amor materno). Sentimento intenso de atracção!atração entre duas pessoas. = paixão. Ligação afectiva!afetiva com outrem, incluindo geralmente também uma ligação de cariz sexual (ex: ela tem um novo amor; anda de amores com o colega). (Também usado no plural.)

Qual a diferença, se as duas definições incluem a sexualidade? Amar é mais abrangente, inclui uma hierarquia de relações que não passam pela paixão da libido, se assim for certo para todos os cidadãos do planeta. Há, como sabemos, o abuso sexual dentro da família, conhecido apenas por um grupo restrito de pessoas. No amor, há uma rígida disciplina de companhia, serviço, atenção. Na paixão, é apenas a libido que trabalha e satisfaz o seu afecto com um orgasmo. No amor, há cuidado e afecto e uma história de vida em conjunto ao longo da cronologia dessas histórias de vida das pessoas que dizem amar-se. A paixão é desejo, o amor, é cuidado.

É preciso lembrar Orfeu e a Divina Comédia para entender que todo o amor é entrega, até arriscando a sua própria vida quando esse estar junto é um hábito de que se não pode prescindir.

Para refrescar as ideias, vamos à fonte do mito do amor: Na mitologia grega, Orfeu era poeta e músico, filho da musa Calíope e de Apolo ou Eagro, rei da Trácia. Era o músico mais talentoso que tinha vivido. Quando tocava a sua lira, os pássaros paravam de voar para o escutar e os animais selvagens perdiam o medo. As árvores curvavam-se para pegar os sons no vento. Ganhou a lira de Apolo, que alguns dizem ser seu pai.

Foi um dos cinquenta homens que atenderam ao chamado de Jasão, os argonautas, para buscar Velocino de Ouro. Acalmava as brigas que aconteciam no navio com a sua lira. Durante a viagem de volta, Orfeu salvou os outros tripulantes quando o seu canto silenciou as sereias, responsáveis pelos naufrágios de inúmeras embarcações.

Orfeu apaixonou-se por Eurídice e casou-se com ela. Mas Eurídice era tão bonita que, pouco tempo depois do casamento, atraiu um apicultor chamado Aristeu. Quando ela recusou as suas atenções, perseguiu-a. Tentando escapar, ela tropeçou numa serpente que a picou e a matou. Por causa disso, as ninfas, companheiras de Eurídice, fizeram todas as suas abelhas morrerem.

Orfeu ficou transtornado de tristeza. Levando a sua lira, foi até ao Mundo dos Mortos, para tentar trazê-la de volta. A canção pungente e emocionada da sua lira convenceu o barqueiro Caronte a levá-lo vivo pelo rio Estige. A canção da lira adormeceu Cérbero, o cão de três cabeças que vigiava os portões. O seu tom carinhoso aliviou os tormentos dos condenados. Encontrou muitos monstros durante a jornada, e encantou-os com o seu canto.

Finalmente Orfeu chegou ao trono de Hades. O rei dos mortos ficou irritado ao ver que um vivo tinha entrado no seu domínio, mas a agonia na música de Orfeu comoveu-o, e ele chorou lágrimas de ferro. A sua esposa, a deusa Perséfone, implorou-lhe que atendesse o pedido de Orfeu. Assim, Hades atendeu o seu desejo e Eurídice poderia voltar com Orfeu ao mundo dos vivos. Mas com uma única condição: que ele não a olhasse até que ela, outra vez, estivesse à luz do sol.

Orfeu partiu pela trilha íngreme que levava para fora do escuro reino da morte, tocando músicas de alegria e celebração enquanto caminhava, para guiar a sombra de Eurídice de volta à vida. Ele não olhou nenhuma vez para trás, até atingir a luz do sol. Mas então virou-se, para se certificar que Eurídice o seguia. Por um momento ele viu-a, perto da saída do túnel escuro, perto da vida outra vez. Mas enquanto ele olhava, ela  tornou-se novamente um fino fantasma (noutras versões em estátua de sal), o seu grito final de amor e pena não mais do que um suspiro na brisa que saía do Mundo dos Mortos. Ele a havia perdido para sempre. Em desespero total, Orfeu tornou-se amargo. Recusava-se a olhar para qualquer outra mulher, não querendo lembrar-se da perda de sua amada. Fonte: Encyclopædia Britannica e o Mito de Orfeu, na minha biblioteca.

Parece-me que o mito define o amor, a entrega incondicional à outra pessoa, até esse arriscar a vida por uma pessoa, que nem falta fazia existir. Uma sereia encanta, mas engana, como Euridice faz com Orfeu. Ou Beatriz, no livro de Dante Alighieri (Florença, 1º de Junho de 1265Ravenna, 13 ou 14 de Setembro de 1321) foi um escritor, poeta e político italiano. É considerado o primeiro e maior poeta da língua italiana, definido como il sommo poeta (“o sumo poeta”).

  1. A Divina Comédia descreve uma viagem de Dante através do Inferno, Purgatório e Paraíso, primeiramente guiado pelo poeta romano Virgílio (símbolo da razão humana), autor do poema épico Eneida, através do Inferno e do Purgatório e, depois, no Paraíso, pela mão da sua amada Beatriz – símbolo da graça divina – (com quem, presumem muitos autores, nunca tenha falado e, apenas visto, talvez, de uma a três vezes). No entanto, se o leitor reparar, Beatriz é o respeito, a graça divina, o amor recíproco, sem procura da relação sexual, mas sim, de ternura e acolhimento por parte de Beatriz, quem nada exige do seu amado: a vida transcorre docemente, de forma humana e material. Fonte: Durante, olim vocatus Dante. Pullella, Philip (12 de Janeiro de 2007). Dante gets posthumous nose job – 700 years on. statesman. Reuters. Página visitada em 5 de Novembro de 2007.

Fica o leitor com a palavra. Não resisto, no entanto, acrescentar esta frase: a paixão avassaladora, insisto, pode matar o amor. O amor calmo e sereno, arrebita a paixão, como defendo no texto prévio que critico com este outro.

Comments

  1. muito longo

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