A nossa democracia

democracia

No confronto destes resultados com os obtidos para o conjunto dos 23 países incluídos no ESS, a conclusão é clara: os portugueses estão mais insatisfeitos em praticamente todos os itens da escala. As eleições livres e directas e a existência de media de qualidade e de uma oposição livre são os três únicos aspectos a merecer uma avaliação dos portugueses mais positiva do que a generalidade dos europeus.   [PÚBLICO]

Ironicamente, os portugueses, que maioritariamente discordam “que o Governo prossiga com políticas com que a maioria da população discorda”, acha que temos eleições livres e directas. Sem dúvida que somos livres de colocar o X no quadradinho que quisermos. E o que está por trás da lista onde se vota?

O nosso sistema eleitoral produz um governo desta forma:

  • um restrito número de militantes escolhe um líder partidário;
  • esse líder, em maior ou menor consonância com o seu partido, escolhe a lista de candidatos a deputados;
  • o partido que ganha a eleição, que escolheu o seu líder partidário e que nomeou colocou os seus candidatos nas listas onde votámos, escolhe um governo que nem sequer tem que ser formado pelas pessoas onde votámos.

É isto eleições livres e directas em Portugal: uns milhares de eleitores escolhem, na prática, quem é primeiro-ministro. E se este decide fazer o oposto do que prometera em campanha eleitoral, como é recorrente acontecer, nem sequer é demitido. Não, eleições livres seriam aquelas onde não se votasse em listas mas sim em deputados. Esta seria a forma de garantir que a respectiva consciência estaria mais alinhada com a vontade daqueles que os elegeram do que com a nomeação que o partido irá fazer, ou não, para que constem na lista em lugar elegível. Veja-se, como exemplo, o recente caso da co-adpoção para se perceber que a liberdade é ficcional.

Sobre a qualidade da comunicação social, eis mais uma falácia. Face ao pouco interesse no consumo de notícias (pagas) por parte desses mesmos portugueses que consideram terem media de qualidade, as redacções cortaram nos custos, transformando o jornalismo em espaços de entretenimento (que outra coisa se pode chamar aos noticiários das televisões?) e em meros megafones das “notícias” preparadas pelas agências de comunicação. Comunicação social de qualidade sem independência económica é coisa que não existe, havendo sempre eficazes pressões, seja por parte dos governos, seja por parte das empresas.

Talvez tenhamos uma oposição livre. Pelo menos, ainda ninguém é perseguido por assinar um manifesto a dizer que a dívida deve ser re-estruturada, apesar de já ser apelidado de anti-patriota. Mas não chega uma oposição livre. É preciso impedir que um doido tome o poder e coloque o país de pantanas, tal como tem vindo a acontecer nos últimos governos, em particular neste governo de Passos Coelho e nos anteriores governos de Sócrates. Para que isso aconteça, não podemos ter ditaduras de quatro anos; a democracia tem que ser diária, o que se concretiza com a vigilância por parte de uma comunicação social forte e isenta – algo que claramente não temos – e com um contra-poder que torne acções de enorme impacto no país, tal como nacionalizar um banco falido ou fazer contratos ruinosos para o Estado, algo impossível de realizar. Esse contra-poder já existe actualmente e dele faz parte o Presidente da República. Infelizmente, aquele que agora ocupa o cargo está mais preocupado com a imagem que o futuro dele fará do que com o que está a acontecer ao país. Desse contra-poder, ainda nos sobra o Tribunal Constitucional, um dos últimos redutos contra as investidas do louco, e o Tribunal de Contas, que regularmente denuncia a má gestão que é feita pelo Estado sem que, quem de direito, demita o governo que alimenta essa gestão danosa.

Eis a nossa democracia, onde uns poucos decidem quem se passeia pelo poder a cada quatro anos, sem outro horizonte que não a próxima eleição e re-inventando a roda, que os anteriores não percebiam da poda. Há depois essa excelente comunicação social, que pega nos 101 tweets, 101 como os dálmatas, para repetir slogans, tal como pega em outros press releases de milagres Machetes, para deles fazer caixa alta.
É isto que os portugueses acham que temos de melhor.

Comments

  1. Bento 2014 says:

    Captado on-line, autoria de comentador identificado como A raiz da partidocracia :

    -1) Desde a instauração da “democracia”, a qualidade dos partidos em Portugal tem caído constantemente, estando hoje ao nível do lixo. Os portugueses não têm controlo sobre os seus políticos. A “casa da democracia” é na realidade a casa da partidocracia . O chamado “julgamento nas urnas” é um logro, pois os candidatos das listas perdedoras têm garantia prévia de que se mantêm no parlamento, duma maneira que não tem relação com a vontade dos eleitores. Na verdade, os eleitores nem sequer têm oportunidade de se pronunciar sobre os candidatos. Podem ser agentes secretos, maçons ou outra coisa qualquer, não interessa: a ida para o parlamento não depende do seu voto. A causa profunda do problema é a ausência do voto nominal no sistema eleitoral.
    2) Os portugueses têm menos direitos democráticos que os outros europeus. As chefias partidárias fazem listas cuja ordem é essencial, mas é imposta. As listas não figuram no boletim de voto e é impossível votar num membro da lista sem os anteriores terem sido já “eleitos”. Surgem os “lugares elegíveis”, que dão aos candidatos dos maiores partidos a GARANTIA de que vão ser deputados, independentemente dos votos. Em cada eleição, o cenário é sempre o mesmo: semanas antes de ser deitado o primeiro voto, parte do elenco parlamentar já está decidido. Como não existe uma relação entre o voto e a atribuição dum lugar de deputado, os deputados NÃO representam os eleitores. Seguramente representam alguém, mas não é quem vota.
    3) As consequências deste sistema são muitas e graves
    (A) Os barões dos principais partidos vivem na impunidade. Sabem que não podem ser desalojados do parlamento pela via dos votos. Mesmo com baixas intenções de voto, têm muitos “lugares elegíveis” para onde se refugiar. Isto influencia o seu comportamento de maneira decisiva.
    (B) Corrupção: os lóbis contornam o eleitorado e agem diretamente sobre os oligarcas do parlamento para fazer valer os seus interesses. Na prática, são os lóbis que têm representação no parlamento, não os eleitores.
    (C) Cria-se um “fosso” entre cidadãos e políticos e um (forte e crescente) sentimento de desprezo e ressentimento dos cidadãos para com os políticos portugueses.
    (D) A ausência de voto nominal bloqueia a renovação interna dos partidos. 4) 4)
    4) “Renovação” é uns serem substituídos por outros. É o papel do eleitorado dizer quem vai e quem fica. A maneira natural e democrática de conduzir a renovação é os novos políticos que têm mais votos ascenderem gradualmente às chefias dos partidos. Porém, como o sistema eleitoral impede os eleitores de expressar preferências dentro duma lista, o sistema está na realidade a impedir o eleitorado de exercer o seu papel na renovação partidária. Atualmente , as chefias partidárias eternizam-se e só os que têm o seu beneplácito sobem nas estruturas partidárias.
    5) Não é por acaso que os políticos nunca falam do sistema eleitoral. Livres do escrutínio democrático, os partidos foram todos tomados por oligarquias que detém o monopólio do poder político. Com o passar das décadas, essas oligarquias partidárias capturaram não só o sistema político como o próprio regime e as instituições do Estado. A maioria dos problemas de demagogia, corrupção e desgoverno vêm daí, direta ou indiretamente . A imunidade da classe política permite também explicar porque razão a denúncia de situações ou atos escandalosos é geralmente recebida pelos seus causadores com indiferença. Desde que mantenham uma boa posição no partido, o pior que lhes pode acontecer é passarem os anos seguintes no parlamento.
    6) Se analisarmos como as votações funcionam, percebemos que é injusta a ideia de que os políticos são maus porque os eleitores são maus, ou maus a escolher. Os eleitores até são bastante exigentes: o problema é que não dispõe dos meios para impor os seus padrões de exigência na seleção dos políticos. A maioria das opções democráticas são-lhes negadas pelo sistema eleitoral. Não podem dar força eleitoral a quem o merece, o voto branco não é tido em conta na atribuição dos lugares de deputado, não têm o direito de iniciativa legislativa, os referendos estão limitados nas matérias sobre que podem incidir, o parlamento pode bloquear uma iniciativa referendária, os ministros não têm de ser deputados, etc , etc .
    7) Não é possível desbloquear a partidocracia portuguesa sem mudar o sistema eleitoral. Felizmente há uma maneira simples e que não altera o equilíbrio entre os partidos e sem círculos uninominais. É manter o atual sistema, mas dando aos eleitores a possibilidade de ordenar as listas através dum voto preferencial. As listas são incluídas no boletim de voto e os eleitores votam num candidato duma lista. Esse voto conta também como um voto na lista, de modo que o método de D’Hondt continua a poder ser usado exatamente como agora. O que muda é ordem de atribuição dos lugares de deputado, que passa a ser em função de quem recebeu mais votos. Nenhum candidato tem garantia prévia de ser eleito: passa a haver escrutínio.

  2. Bento 2014 says:

    QUEM SE ABSTÉM

    Qualquer acto eleitoral dirigido ao cidadão eleitor deve ou não contemplar a opção de abstenção no acto do voto?
    “Quem se abstém, quem vota contra?” É assim na AR onde os “melhores” de nós e nossos representantes, supostamente competentes, conscientes, estudiosos e esclarecidos, podem exercer a abstenção em todas as matérias, embora acorrentados
    á mordaça da aviltante disciplina partidária. Esta situação de disparidade sugere jogo viciado porque a abstenção deve ser
    legítima, individualizada, consciente e inconfundível. E essa escolha (querendo) só pode ser inquestionável e assumidamente expressa no acto do voto. Se brancos e nulos vão a contas, a abstenção efectiva não pode ser misturada nessa corrente avulsa, e deve ser considerado voto válidamente expresso pela presença, e assim não poderá ser deixada á porta das assembleias. Deve ser exigido campo para abstenção em cada boletim de voto? Não me obrigam a ficar na rua para votar. Quero ser crescido como os Snrs deputados que só podem assumir qualquer escolha estando presentes. Absentismo ou abstenção?

  3. Joaquim Amado Lopes says:

    “É preciso impedir que um doido tome o poder e coloque o país de pantanas, tal como tem vindo a acontecer nos últimos governos, em particular neste governo de Passos Coelho e nos anteriores governos de Sócrates.”
    A questão está em quem e como se decide se quem “tomou o poder” é um doido que vai colocar “o país de pantanas”:

    Por exemplo, eu acho que partidos como o PCP e BE são controlados e apoiados por doidos varridos que, sendo-lhes dada a oportunidade, colocariam o país de pantanas. Acho também que, com todas as suas falhas (e têm sido muitas) e EM COMPARAÇÃO COM PCP, BE E OS GOVERNOS DE JOSÉ SÓCRATES (em maiúsculas para ficar claro que é uma avaliação comparativa e não absoluta – se fosse uma avaliação absoluta, a conclusão seria muito diferente), o Governo actual representa um oásis de sanidade e permite-nos alguma (muito pouca) esperança de ainda virmos a ter um futuro.

    Mais do que provavelmente, o J. Manuel Cordeiro tem a opinião contrária. Assim, por que razão há-de a minha opinião valer mais do que a sua?
    A resposta é: não vale. A minha opinião vale exactamente o mesmo que a sua e não passa a valer mais se eu fôr mais vocal ou agressivo na defesa da minha opinião.

    Portanto, a questão resume-se a: de que forma e com que regularidade é auscultada a opinião dos portugueses?
    A amostragem (na forma de sondagens, manifestações, assembleias populares, petições ou manifestos) mais não é do que aplicar um critério particular para determinar qual a pequeníssima parcela da população que tem direito a participar na decisão. Pelo que me diz respeito, prefiro que TODAS as opiniões sejam ouvidas e a única forma de o fazer é através de eleições universais livres.

    Quanto à regularidade, conhede muitos países onde as legislaturas durem menos de 4 ou mais de 5 anos? Eu não.
    Legislaturas mais curtas alienariam os cidadãos e levariam os governos a optarem por medidas populistas de forma a comprarem votos, deixando a conta para ser paga por quem viesse a seguir.
    Legislaturas mais longas potenciariam a conflitualidade social, ao adiarem a possibilidade de os cidadãos “despedirem” os políticos que deixem de merecer a sua confiança.

    O J. Manuel Cordeiro é livre de achar que o problema é do sistema político (não é). Crie um partido que defenda um modelo diferente, vá a eleições e, se ganhar, implemente aquilo que defende. Mas os problemas que são apontados ao sistema político são na realidade problemas do sistema judicial, que não funciona ou funciona muito mal.

    É curioso que defenda o Tribunal Constitucional, um órgão que tem tomado recorrido a uma “criatividade autista” para sustentar decisões absolutamente incoerentes e ruinosas. (criatividade na identificação de que partes da Lei devem ser “respeitadas” em cada caso e autismo relativamente às realidades sobre as quais está a decidir)

    O J. Manuel Cordeiro defende o Tribunal Constitucional porque concorda com a política que este tem defendido (à margem da própria Lei). Isso demonstra que a sua preocupação não é com a falta de liberdade ou democracia mas sim com o Governo não ser “da sua côr”.

  4. Muito bem argumentado só que curto, bem como as manifestações contra ou não contra a troika,bem como os abaixo assinados com centenas de milhares de assinaturas para por exemplo a redução do numero de deputados. Temos que separar o sistema politico das benesses e das mordomias que tornam todas as clamações contra a corrupção um exercicio de luagres comuns e banalidades que podem saber muito bem a quem as escreve ou diz mas entra por um ouvido e sai a aodobro da velocidade pelo outro dos responsaveis politicos,porque são parte interessada emmanter oque esta mudando apenas as moscas. Defendo com muita convicção e espero que se concordarem o manifestem bem que temos que separar as eleiçoes politicas (tendecialmente gratuitas o seu exercicio) do exercicio de gestão profissional seja em camaras seja nos ministerios e dep.de governos . Isto é o que aconselho todos a estudarem em pormenor se pratica na Finlandia com resultados muito prometedores.
    Um excelente demagogo(orador) ao ganhar uma eleição não recebe um certificado de bom gestor ou engenheiro estilo Relvas/socrates, como apratica nosmostra normalmente empenham as camaras até a falencia (61 já estão).

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