Em ruínas

Na antiga fábrica de sabão em Lordelo do Ouro, que voltou a ser notícia esta semana, o meu avô esteve por duas vezes à beira da morte. Trabalhou lá muitos anos e sofreu um acidente que lhe provocou queimaduras graves. Do acidente mais grave na história da fábrica salvou-se por sorte, porque trabalhava por turnos e aquele não era o seu. Nesse dia, fomos (a minha mãe e eu) encontrá-lo a ajudar na limpeza dos destroços. Estava ferido, tinha sido atingido na cabeça por uma telha que voou com a explosão, e essa telha foi providencial, porque impediu que ele entrasse na fábrica para socorrer os colegas por quem já ninguém poderia fazer nada.

Não me lembro desse dia em que fomos à fábrica, a minha mãe conta-me a história com detalhes, mas nenhum me ilumina a memória, continuo a escutá-la como se tudo se tivesse passado com outra criança que não a que eu fui. As memórias que tenho da fábrica são posteriores, quando ainda estava em funcionamento mas o meu avô já não estava lá, mas ainda a via da janela do seu quarto. Eu era adolescente e ia vê-lo depois da escola, e ele estava à janela, sempre à janela, e acenava-me quando me via, e eu sabia que ele estava a olhar para a fábrica, que não conseguia deixar de olhá-la sempre. Dos últimos anos, quando a fábrica já estava fechada, pouco recordo, porque desde que o meu avô morreu eu não voltei a querer passear por aquelas ruas de Lordelo do Ouro, e quando passo é de carro e sem vontade de olhar para lado nenhum. [Read more…]