Postcards from the Balkans #15

Das cores de Zagreb, dos homens bonitos de pedra ou bronze e de como, ainda assim, tenho saudades de Sarajevo.

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Zagreb é uma cidade calma. Como já disse há poucos turistas e, sendo agosto, mesmo que os locais sejam em maior número que os forasteiros, a cidade está relativamente despejada de gente. Que contraste (magnífico) com Split cheia de italianos e americanos. Que contraste com a BiH, a terra onde o este encontra o oeste, a terra das mil casas de deus. Zagreb é, assim, uma cidade calma onde domina a casa do deus dos católicos. Tal como os outros países da antiga Jugoslávia também a Croácia foi palco de conflitos nos anos 90 que destruiram alguns monumentos e causaram mortos e feridos. Porém as consequências não foram tão desastrosas como na BiH, nem material nem culturalmente. Ao contrário da BiH, não encontramos aqui ruínas nem destroços da guerra. Tudo está arranjado, limpo e ordenado.

A Croácia tem uma população de cerca de 4 milhões de habitantes (tal como a Eslovénia e a BiH). Em Zagreb vivem aproximadamente 900 mil almas. A taxa de desemprego ronda os 10% e o custo de vida é semelhante ao português, exceção feita para alguns produtos e serviços, ligeiramente mais baratos que em Portugal. A Croácia tornou-se membro da União Europeia no ano passado. O 28º estado-membro, e a maior parte das pessoas parece relativamente contente com isso. A Croácia está, de muitas maneiras a anos-luz da sua vizinha BiH. Está mais próxima da Eslovénia, ainda que não com o mesmo nível d desenvolvimento económico. As diferenças com a primeira e as semelhanças com a segunda notam-se nos hábitos de consumo, de lazer e culturais dos habitantes, assim com na organização e asseio. Aqui, tudo é arejado e colorido. Apesar disso, tenho saudades de Sarajevo. Dos cheiros, da mescla cultural, das ruas, das pessoas, da desordem. Zagreb tem apenas (para mim, bem entendido) a vantagem de ter um clima muito mais fresco.

Zagreb não é Sarajevo. E estou em Zagreb pelo que de pouco me adianta ter saudades que, neste momento, não posso matar. Gosto de Zagreb, não me entendam mal. A organização e a limpeza cativam-me sempre. O arranjo, o cuidado, o saber receber quem vem de fora. Mas, com disse a propósito de Ljubljana, tanto asseio e escorreiteza cansa os sentidos. Melhor, aborrece-os, pela monotonia. Por isso gostei de ter visto o mercado de Dolac, mesmo que organizado, pela constelação de cheiros, cores, alguma (pouca) desordem. Hão-de reparar na precisão da arrumação das frutas, dos legumes, das flores. Claro que chegando ao meio dia (como foi o meu caso) já essa arrumação se descompôs ligeiramente. Em Zagreb existem vários mercados deste tipo, embora o de Dolac seja o maior. Passei, já tarde, pelo mercado meio desfeito da praça Britanski. Pareceu-me encantador, mas tenho de regressar lá depois para confirmar o encanto.

Ao sair do hotel, percorrendo a rua Vlaska voltei a encontrar o fascinante August Senoa, no mesmo sítio onde ontem o deixei, exatamente na mesma posição. Tal como ontem, não reparou em mim. Fiz o mesmo, desta vez e, parando para beber um café no encantador Fine Torte, sentei-me de costas para ele. Com se se importasse! É um belo homem, contemplativo, mas difícil, como se constata. Deixá-lo. Bebo o café e caminho até à praça da catedral. Resolvi apanhar o autocarro turístico e (o funcionamento é um pouco peculiar aqui) há um que sai ao meio-dia. Chego antes, mas a fila para a linha vermelha (que percorre o centro) é enorme. Desisto. Apanharei a linha verde (que percorre os arredores) às 14h.

Com duas horas para gastar, fora do autocarro turístico, volto (volto sempre) à praça Josipa Jelacica. Atravesso-a e entro na rua Gajeva, que percorro por uns passos apenas até encontrar a rua Bogoviceva que desemboca na praça Petra Preradovica. A meio da Bogoviceva encontro a escultura de Ivan Kozaric – ‘the grounded sun’. Por Zagreb está espalhado todo o sistema solar. E é interessante tropeçar de repente num planeta, como eu tropecei em Venus na Josipa Jelacica. Amanhã talvez tropece na terra.

Cruzo a praça Petra Preradovica e encontro a rua Masarykova. Logo ao início encontro outro homem belo e contemplativo. Nikola Tesla, cientista e inventor. Está numa posição pensativa. Apetece-me agarrar-lhe na mão e ir com ele descobrir os planetas espalhados por Zagreb. Mas está imóvel e, tal como o escritor da rua Vlaska, não dá por mim. É isto. Os homens bonitos que encontro na Croácia são de pedra. Com o coração ligeiramente lascado, continuo pela rua Masarykova, onde encontro o primeiro arranha-céus de Zagreb. Feíssimo, se querem saber. E atarracado. No fim da rua está a praça Marsala Tita… em homenagem a Josip Tito, presidente da Federação da Jugoslávia e morto em 1980. Penso que também na Croácia, tal como na BiH, devem ter saudades dele, para lhe dedicarem uma praça tão bonita.

Na praça, à esquerda de quem nela entra, está o Teatro Nacional da Croácia. Imponente e altivo. À sua frente, uma bela escultura de Mestrovic, ‘a roda da vida’. À esquerda da praça está um belo edifício da Universidade de Zagreb e, novamente, à entrada uma bela escultura de Mestrovic – ‘a história dos Croatas’. Ainda na praça dedicada a Tito existe o Museu das Artes e o Mimara. Sento-me num banco a olhar para a vastidaão e imponência da praça quando começa a chuviscar. Depressa os pinguinhos de chuva se transformam em grossas gotas e eu vou apressada pela Frankopanska até à Ilica. Nesta, a chuva aumenta e tenho de me abrigar num pátio um bocadinho. São quase duas da tarde, a hora do autocarro da linha verde, quando a chuva pára. Continuo pela Ilica até (outra vez) à praça Josipa Jelacica e depois à catedral. Desta vez apanho o autocarro. Está pouca gente.

O autocarro faz o percurso dos grandes parques ao redor da cidade. Atravessamos o rio Sava até ao parque Bundek, passando pelo belo e moderníssimo Museu de Arte Contemporânea, que hei-de visitar amanhã, e indo também ao Parque Maksimir. Zagreb é uma cidade com muitos jardins e parques. Bem arranjados e muito verdes. Há já algumas folhas no chão e eu penso que setembro é já ali, e o outono, de que tanto gosto. Em muitos dos jardins há estátuas, quase todas de homens. Nem olho para eles, depois dos desgostos que já tive. Às seis da tarde apanho o autocarro da linha vermelha que, basicamente, passa pelo centro, pelos lugares e pelas cores em que já estive. Este autocarro vai, depois do centro, até Mirogoj, o principal e muito belo cemitério de Zagreb. De novo aqui me parece outono. De novo aqui recordo os grandes cemitérios de Sarajevo e de Srebrenica. De novo aqui tenho saudades de Sarajevo.

Comments

  1. Lr o seu passeio é como andar na mão com uma carta da cidade onde tudo se encontra e onde encontramos tudo o que procuramos… descrito pela pena de quem gosta do que faz.
    Beijinhos.

  2. 🙂

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