Nazaré, 2017

Esta é a paisagem exacta, grandeza com medida de gente, beleza feita de natureza e povo. Num só olhar enchemos a alma. Há mar, serra, céu, casas que sobem as colinas com uma doçura ancestral. Nada é infinito e esmagador, nada é insignificante. Nada fica inatingivelmente longe, nada é intrusivamente perto. Nada é abismal no que é natural, nada é desmesurado no que é humano. E algo tem de haver nas coisas em si para que surjam tão belas aos nossos olhos. Não sei o que é. Sei que tudo tem a exacta distância, a rigorosa dimensão. Até a neblina se espalha sobre a paisagem como se cuidasse manter as proporções do conjunto. Sentimo-nos no preciso ponto a meia distância entre o céu e a terra. Tudo está no seu lugar. Só o voo das gaivotas pode desenhar livremente sobre a paisagem, mas nem ele transgride os seus limites; como se elas soubessem.

Comments

  1. Rui Naldinho says:

    Excelente.
    Um local de eleição imortalizado por Leitão de Barros e Ricardo Costa. Já agora, prepetuado por Garrett McNamara e outros artistas luso brasileiros.
    Mais conhecido no passado pelas sete saias, incluindo a dança, a arte Xávega, o casario branco, e o bom peixe, tornou-se hoje um símbolo dos desportos ditos radicais.
    O seu único problema, mas sempre ultrapassável para um velho maluco, como eu, é a cerveja nos bares, em especial os finos, estarem quase à mesma temperatura da água. Nada que a coragem dum gajo que os tem no sítio não supere.
    Mas que eles quando saem, vêm mais pequeninos, lá isso vêm!

  2. Do Sítio, de onde vem este olhar, julguei nas nuvens estar/
    Tivera eu asas e aos ares, quais gaivotas, me havia de lançar/ Mas ali sentado, os olhos fechando, sonhando estou voando/ Sobre as areias da praia estou pairando, nelas vou pousar/
    A correr vou beber uma imperial numa das esplanadas à beira-mar.

  3. Alvaro Fonseca says:

    Então e ‘a onda’?!…
    É um alívio ler uma peça sobre este lugar, muito belo mas descaracterizado pela pressão turística, que não se refira à famigerada ‘onda’. A mega-campanha de marketing que lhe foi associada exerceu ainda maior pressão sobre a actividade económica e comercial da vila. Com impactos nefastos…
    Saudações cordiais,
    Álvaro Fonseca

  4. Nazaré,Páscoa.Cá estou eu mais uma vez a contemplar o enigma,sem atinar como o hei-de resolver.Mar,terra e pescadores.Três forças de uma santíssima trindade,quase tão poderosa como a da doutrina.Não há célula do corpo que me não diga que estou diante de um imenso motivo literário,mas,como das outras vêzes,varre-se-me a inspiração.O grande arcaboiço azul resfolga e brada,as penedias ressumam fim de mundo por quantos lados têm,os homens ressonam à torreira do sol,-e a pena emperra na folha branca. – O mar é lindo e bom;o vento é que de vez em quando o estraga. Um pescador diz isto,e que posso eu acrescentar em favor ou desfavor deste molosso que consente na sua pele caíques,valeiros e cruzadores,sem se importar,e que, apenas se zanga,logo os sacode de si com o mesmo estremecimento esfadado de um cavalo a enxotar as moscas? -A Nazaré é a terra mais linda do mundo! Tenho corrido muita nação, e nunca vi coisa igual! è um velho loba do mar,,que conhece o Ártico e o Antártico como as suas próprias mãos,que fala assim.E quem é capaz de dizer mais e melhor?Visto de baixo o Sítio e os seus ossos atormentam a imaginação,querem rasgar no entendimento representações precisas de um grande drama,a quilha duma guinada maior pede a Vitória da Samotrácia a voar dali,mas fica tudo em pasmo;olhada de cima,a praia,coberta de luz e de barcos pintados,mágica,estontece a gente,mas acaba por se reduzir a esta pobreza de expressão:um imenso redondel de sonho,onde sobraram dum piquenique estranho grandes talhadas de melancia. Mete dó. ……… Adolfo Correa da Rocha,em literatura Miguel Torga. (São Martinho de Anta, 1907) Diário 2, seg. ed. Ciombra, pags 9…16

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