Fotografia via TVI24
Num país onde todos os anos são injectadas centenas de milhões de euros em bancos falidos por criminosos em liberdade, existem cada vez mais esquadras da PSP altamente degradadas e sem o mínimo de condições para quem ali trabalha, com tectos que pingam, paredes cobertas de humidade e bolor, equipamentos insuficientes e obsoletos e agentes da autoridade em fuga, devido à falta de condições, aos baixos salários e ao congelamento de carreiras. Esquadras sem carros de patrulha e com falta de efectivos, equipas de intervenção rápida que circulam de comboio, agentes que se deslocam a pé para responder às mais variadas ocorrências e tudo isto em zonas com elevada densidade populacional, onde a criminalidade mais se faz sentir.
Qualquer semelhança com um país de terceiro mundo devia ser, mas não é, uma simples coincidência. Eis um retrato fiel de um país de prioridades bizarras e cada vez mais questionáveis, com uma classe política opulenta, borlas fiscais para vigaristas, rendas excessivas para gigantes empresariais intocáveis, corruptos confortavelmente instalados em resorts de luxo e autarcas que derretem milhões em “publicidade” e ajustes directos para os seus familiares e amigos. Há neste país muito dinheiro para muita coisa, como estádios de futebol ou parcerias público-privadas, onde o risco está do lado do contribuinte e o lucro do lado dos privados que acolhem nos seus quadros quem lhes garantiu as negociatas, mas não há dinheiro para equipar aqueles cuja função é garantir a nossa segurança. Como não há dinheiro para a nova ala pediátrica do São João, onde crianças fazem quimioterapia em contentores. Ou para a mobilidade no interior do país. Ou para apoiar a natalidade.
Há dias vi Manuel Alegre afirmar, a propósito da posição da nova ministra da Cultura sobre as touradas, que é esse tipo de intolerância que cria bolsonaros. Pudesse Alegre descer à Terra e visitar o mundo real, e rapidamente perceberia que são precisamente temas como o da segurança que mais alimentam a propaganda dos novos fascistas. Contudo, não há registo de uma qualquer carta aberta onde o político-poeta expresse o receio de ver a sua liberdade ameaçada, em função da ameaça que representa a precarização e o enfraquecimento das forças de segurança. Suspeito que tal se deva ao facto de não morar numa zona problemática, mas numa zona nobre da capital, onde os agentes da autoridade abundam, circulam em viaturas reluzentes e ostentam equipamento moderno, para inglês (que circula na baixa pombalina) ver.
O seu último parágrafo toca justamente na ferida que é a tão propalada “ética republicana” de Manuel Alegre, que ele refere de forma mais que pedante do alto da sua cátedra.
Manuel Alegre é, hoje, um “zombie republicano” que não enxerga nada, excepto a teoria de uma República que a classe política insiste em destruir definitivamente e que ele, ao não criticar, de facto, aquilo que a verdadeira “ética republicana” deveria atacar, acaba por se revelar um poderoso aliado
Na sua postura de contestação, os Manuel Alegres deste país, vão juntando mais e mais achas para um fogueira que enterrará de vez a República e a democracia.