O passageiro Cabrita

Costa insistiu, até ao limite e para lá dele, em não remodelar. Cabrita, há muito sem margem para manobra, auto-remodelou-se. O que é muito conveniente para António Costa, na medida em que tem agora a desculpa perfeita para não integrar Eduardo Cabrita no próximo governo – caso vença as eleições e consiga congregar uma maioria parlamentar em torno do seu projecto – sem ter que admitir que errou ao segurar, vezes demais, um dos ministros mais trágicos da história da democracia portuguesa. Como Pilatos, Costa pode agora lavar as mãos, mas o tempo e a história, sempre implacáveis, tratarão de o julgar.

Ontem, quando parei para almoçar, descobri que o motorista do ministro tinha sido acusado de homicídio por negligência, pelo atropelamento de Nuno Santos, um trabalhador ao serviço da Brisa que foi colhido pela viatura oficial de Eduardo Cabrita, que seguia a 163km/h. Cabrita, que escapou à acusação do Ministério Público, como se a decisão de circular a 163km/h fosse uma opção imposta pelo motorista ao seu superior hierárquico, pronunciou-se com a elegância que se lhe conhece:

Eu sou só um passageiro.

A frase, sendo absolutamente repugnante e indigna, resume bem aquele que foi o percurso de Eduardo Cabrita ao longo de seis penosos anos na Administração Interna. Sempre no lugar do passageiro, Cabrita sobreviveu à morte de Ihor Homeniuk e à crise no SEF, sobreviveu a Odemira, sobreviveu aos incidentes relacionados com os festejos do Sporting, sobreviveu ao caso das golas antifumo e a tantos outros sucessos de bilheteira que já todos perdemos a conta à longa lista de cabritices. Sobreviveu sem nunca ter verdadeiramente assumido a culpa por caso algum sob sua tutela, com a arrogância, a insolência e a permanente ausência de princípios éticos que a frase “Eu sou só um passageiro” encerra.

Acontece que Nuno Santos morreu, deixou mulher e filhas com uma pensão miserável, possivelmente inferior a um dia de ajudas de custo do ministro, não porque ele, o ministro, tivesse pressa de chegar a Lisboa, mas porque, aparentemente, estaria refém de um motorista que se julgava no Velocidade Furiosa. E Eduardo Cabrita, temendo o arcaboiço daquele Vin Diesel, remeteu-se à inevitabilidade de ser “só um passageiro”. Em princípio foi isto.

Horas mais tarde, quando saí do trabalho, vim a saber que Eduardo Cabrita tinha apresentado (finalmente!) a sua demissão, pedido prontamente aceite pelo primeiro-ministro. Veio tarde, incompreensivelmente tarde, mas, suspeito, terá sido devidamente planeado para se desenrolar desta forma, independentemente daquilo que fosse o pronunciamento do Ministério Público. Costa precisava de se livrar dele, o mais rapidamente possível, sem ter que dar a mão à palmatória e deixar o seu “excelente ministro” fora das contas para as Legislativas de Janeiro. Conseguiu-o, é um facto, mas não se livrará dele até lá. A menos que a oposição seja tão incompetente como passageiro Cabrita.

Comments

  1. Alexandre+Barreira says:

    ….”comigo a criança vai sempre atrás”…………!!!

  2. Rui Naldinho says:

    Um dia destes temos Rui Rio como PM da República e muita desta gente que aqui comenta questionar-se-à como foi possível ele lá ter chegado.
    Lembro-me bem de uma moção de censura ao então PM Cavaco Silva, num governo minoritário, avançada pelo então PRD, de má memória, votada a favor também pelo PS e pelo PCP. Não por acaso o governo cai, convocam-se novas eleições e Cavaco a seguir alcança uma maioria absoluta. A primeira.

    O PS sempre foi péssimo a fazer contas. Até no calculismo político, o qual faz parte da estratégia dos partidos, metem água que se farta. Não acertam uma.
    Foi assim com a primeira maioria absoluta de Cavaco Silva. Como também tinha sido antes, no governo do bloco central, quando Cavaco tirou o tapete ao Vice Primeiro Ministro Mota Pinto, deixando o PS “nas cordas”, sem que Mário Soares pudesse fazer alguma coisa que não conformar-se se com aquele discurso antifascista da treta.

    No quadro actual da governação portuguesa, António Costa arranjou maneira de ir para umas eleições antecipadas por uma birra de lana caprina, apenas com o único objectivo de alcançar uma maioria absoluta que nunca chegará, e veremos se ganha as eleições. Esse calculismo político pode-lhe sair caro.
    Uma birra numa altura em que se previa um agravamento da pandemia, com todas as consequências nefastas que daí advêm para a economia e para o SNS já sobrecarregado, e, pasme-se, até no plano eleitoral a coisa pode correr mal ao governo e por consequência aos socialistas, se os números descambarem. Não é por acaso que as medidas de contenção tomadas agora mais parecem as de um país à beira de uma guerra, quando nem sequer foi decretado o Estado de Emergência. Quem tem cu tem medo. E aqui o medo chama-se Rui Rio.
    É claro que António Costa apostou todas as fichas na vitória de Paulo Rangel e no regresso do discurso de Passos Coelho como mote da campanha eleitoral. Só que Rui Rio vai tentar desconstruir esse discurso, e se tiver sucesso será fatal para o PS. A ver vamos.
    Escrevi aqui por diversas vezes que o PSD com aquele discurso “enTroicado” à moda de Passos Coelho, do: “corta corta que eles vivem acima das suas possibilidades”, jamais conseguiria chegar ao poder, caso não houvesse uma crise económica a nível mundial. Passariam muitos anos até que uma maioria eleitoral os deixasse ser Governo.
    A memória do período da Troica ainda está fresca. Essa tem sido a vantagem do PS. Mas apesar dessa vantagem psicológica, que muito jeito tem dado, acho que o PS lhes fará o favor de encurtar os prazos, tanta foi a merda feita nestes últimos dois anos de governo, e de os colocar, no mínimo, muito perto desse desiderato.
    Eduardo Cabrita foi desde o início das suas funções como Ministro da Administração Interna um manual de incompetências várias. Substituindo uma ministra que saiu fragilizada pelos incêndios de Verão de 2017, Cabrita conseguiu fazer esquecer o seu legado, tantas foram as burricadas em que se meteu. Consequências políticas? Nenhumas.
    Só alguém muito néscio acredita que um motorista de um Ministro circula com ele próprio numa auto estrada a 160km/hora, sem que o homem que o tutela não se aperceba minimamente da velocidade excessiva a que vai o carro, dando-lhe instruções para que conduza com mais segurança.
    É recorrente ouvirmos estórias de políticos que não respeitam as velocidades inscritas no Código da Estrada. Foi assim com Ferro Rodrigues, Manuel Pinho, João Galamba, entre outros. Todos eles com viaturas e motoristas atribuídos.
    Este fez o mesmo, mas teve azar.
    Se António Costa desejava tanto ir para eleições, ainda não percebi a razão para ter mantido este ministro para além do início do Verão.
    Sempre pensei que António Costa fosse mais inteligente e perspicaz. Enfim!

  3. Victor Nogueira says:

    Se as “tiradas” de Cabrita são inenarráveis, “tiros nos próprios pés”, amplificados não inocentemente quem circule pelas estradas e auto-estradas deste jardim á beira-mar “prantado” sabe como muitos condutores automobilistas e motociclistas, a esmagadora maioria não governantes, circulam com excesso de velocidade, praticam manobras perigosas, provocam acidentes de que resultam incapacidades permanentes ou vítimas mortais, sem que a comunicação social, as redes sociais ou os comentaristas on line se incomodem minimamente ou façam campanhas ad hominen. Cabe aos advogados do motorista, que conduzia, minimizar a sua responsabilidade ou desresponsabilizá-lo, provando que o “passageiro” e seu superior hierárquico, lhe dera ordens que levassem à violação do Código de Estrada. Estão os “indignados” dispostos a angariar fundos que permitam ao motorista escolher um bom escritório de advocacia e não apenas um defensor oficiosos”? Num aspecto o Ministro tem razão: muitos dos “indignados” e muita comunicação social parecem cães esfomeados agarrados a um osso, qualquer que ele seja, desde que sirva os seus interesses. Está mal quem viola o Código de Estrada, seja ou não governante? Sim, está mal. Devem ser responsabilizados? Sim, devem ser responsabilizados e, se for caso disso, punidos. Sejam governantes, sejam cidadãos anónimos! Teoricamente iguais á face da Lei. E todos merecedores de “condenação social. Sejam governantes, sejam cidadãos anónimos.

  4. balio says:

    Cabrita escapou à acusação do Ministério Público, como se a decisão de circular a 163km/h fosse uma opção imposta pelo motorista ao seu superior hierárquico

    O problema é que o Ministério Público, para acusar alguém de algum crime, necessita de PROVAS.

    Ora, todos nós presumimos que o carro seguia a 163 km/h por ordem do ministro. Porém, não temos – nem o Ministério Público terá – PROVAS de que tal ordem tenha sido concretamente dada.

  5. Paulo Marques says:

    Lembrado por alguém algo suspeito, mas é verdade… e o empregador responsável pela obra mal sinalizada não tem nada a ver com o assunto, ou também é uma vítima que só estava a criar emprego? Como o ministro, então?
    Vergonha na cara, nem um, nem os outros, nem as sanguessugas que se borrifavam se o clube fosse outro.

  6. JgMenos says:

    O motorista conduzia noa termos que eram habituais em deslocações de grandes personagens do carnaval abrilesco.
    A infracção do limite de velocidade é um dos múltiplos exercícios orgásticos de gentinha arvorada a altos cargos.

    Nada que perturbe a manada!

    • POIS! says:

      Pois ainda bem!

      Que V. Exa. não fica perturbado. É muito mau para o coração e mesmo para outras visceras.

      Bem, e quanto à relação entre velocidade e orgasmos…um conselho. É melhor ir renovando a carta de condução. Para não arriscar uma multa ou mesmo cadeia, talvez de noite e numa via mais erma consiga chegar a qualquer coisinha.

  7. Filipe Bastos says:

    O motorista conduzia nos termos habituais em deslocações de grandes personagens do carnaval abrilesco.
    A infracção do limite de velocidade é um dos múltiplos exercícios orgásticos de gentinha arvorada a altos cargos.
    Nada que perturbe a manada!

    Caramba. Mais uma vez tem de ser o JgMenos a constatar o essencial; a condensar a verdade tal como ela é.

    É que isto não incomoda ninguém aqui. A malta adora cantar loas às ‘democracias nórdicas’, e até reconhece que parte do que as torna melhores é a CONDENAÇÃO SOCIAL dos abusos: em vez de dizer “eu cá fazia o mesmo!” como o tuga, os suecos dizem ‘vergonha’!

    E no entanto, a estes abusos da escumalha pulhítica os entusiastas nórdicos encolhem os ombros. É normal. Impedir-lhes a passagem na estrada, chamar-lhes nomes, protestar-lhes no focinho? Jamais. Somos selvagens ou quê? O tuga só come e cala.

    Come, cala e faz ‘análise política’. Como se cá houvesse alguma.

    • Tuga says:

      “Caramba. Mais uma vez tem de ser o JgMenos a constatar o essencial; a condensar a verdade tal como ela é.”

      E ficas muito incomodado que eu te chame facho.!

      Curioso

      Tuga antifascista

    • POIS! says:

      Pois é!

      O Menos é um ás a condensar!

      E tem muita lata!

      Por isso talvez fosse uma grande ideia lançar no mercado latas de Menos condensado. Como promoção, podia dar-se um “salazar” de brinde.

      Estamos na época do Natal e costuma ser mais bolos. Era um grande golpe de marketing!

      • Filipe Bastos says:

        A pancada do Jg pelo Botas parece mais patética do que ofensiva: talvez um daqueles velhotes do ‘antes é que era bom’, suspirando pelo vigor e pelos bons tempos da juventude, que confundem com o regime de então.

        Há também o argumento da ‘seriedade’ substituída pela bandalheira abrileira, que não é inteiramente injusto: não que antes fosse sério, mas o 25/4 só trouxe bandalhos.

        O meu avô era um saudosista desse tipo. Jamais pertenceu ao regime, e não era de todo um privilegiado, mas via-o como um tempo mais moral e mais estável. Todos temos o nosso tempo. Quando a mudança nos apanha com certa idade, nem sempre a podemos ou queremos acompanhar.

        Pior no Jg, para mim, é a sua mentalidade direitalha. O Jg é daqueles que não só aceitam como louvam a desigualdade. Um fã de mamões. Um otário. Mas rabisca uns posts bem caçados e dá o peito às balas, o que tem o seu valor.

    • Paulo Marques says:

      Mas alguém não o condenou politicamente, quanto mais aqui?
      E, não, no norte ninguém lhes vai ao focinho.

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