Shireen Abu Akleh e o Kremlin de Telavive

Durante mais de duas décadas, Shireen Abu Akleh foi mais do que uma jornalista. Foi uma pedra no sapato do apartheid israelita na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Foi a voz que denunciou inúmeros abusos de direitos humanos e do direito internacional, tão em voga desde o início da invasão da Ucrânia, grotescamente ignorados quando o Kremlin que dá as ordens se situa em Telavive.

Não sei quem disparou o tiro que matou Shireen. Talvez nunca venha a saber. Mas sei onde é que ela era persona non grata.

E quem se sentia incomodado pelo seu trabalho.

E quem é que invade constantemente o território da Cisjordânia para construir colonatos ilegais nas zonas mais férteis.

E quem matou mais de 50 jornalistas desde 2001, ferindo outros 144.

E também sei quem nunca respeitou o plano de partilha da Palestina, aprovado pela larga maioria dos membros da ONU em 1947.

Eu sei, vocês sabem, o mundo sabe. Mas ali, como noutros regimes violentos, o que conta para elite que nos comanda, não é quem sofre, quem morre ou que cidades ficam destruídas. É a medida em que tudo isso serve os seus interesses.

Shireen não servia os interesses da elite israelita, ou da elite ocidental que branqueia os crimes cometidos pelos ocupantes da Palestina nas lavandarias de propaganda do mundo livre. Em Telavive, a sua morte é um duplo motivo para celebração: porque é menos uma jornalista incómoda e porque deixa um aviso, o 50º, a todos os jornalistas que se vierem intrometer no assuntos do apartheid israelita.

Aliás, se duvidas restassem, atentem nas palavras de Avi Benayahu, antigo porta-voz do exército israelita:

  • Vamos assumir que Shireen Abu Akleh foi morta pelo IDF (Israeli Defense Forces). Não vejo motivo para pedir desculpa.

Agora façamos o seguinte exercício: imaginem vocês que a jornalista era ucraniana, e que era apanhada “no fogo cruzado” entre tropas russas e resistência ucraniana, com um tiro na cabeça.

Exactamente.

Comments

  1. Rui Naldinho says:

    Não é preciso fazer nenhum exercício mental, pois todos sabemos o que a casa gasta. Um silêncio ensurdecedor na CS e um pouco por toda a parte. Demonstrativo da agenda política que trazem no bolso, sempre com aquela falsa moral “dos nossos valores”, como se esses não fossem só e apenas o dos seus mandantes.
    Estão ainda todos à procura duma pífia explicação para demonstrarem que “há males que vêm por bem”.
    Por isso é cada vez mais difícil estar no meio desta contenda verbal, de forma séria e equidistante, sem a tentação de nos acantonarmos a um dos lados, como se o mundo fosse a preto e branco.