«Que diz além, além entre montanhas,
O rio Doiro à tarde, quando passa?
Não há canções mais fundas, mais estranhas,
Que as desse rio estreito de água baça!…
Que diz ao vê-lo o rosto da cidade?
Ó ruas torturadas e compridas,
Que diz ao vê-lo o rosto da cidade
Onde as veias são ruas com mil vidas?…
Em seus olhos de pedra tão escuros
Que diz ao vê-lo a Sé, quase sombria?
E a tão negra muralha à luz do dia?
E as ameias partidas sobre os muros?
Vergam-se os arcos gastos da Ribeira…
Que triste e rouca a voz dos mercadores!…
Chegam barcos exaustos da fronteira
De velas velhas, já multicolores…
Sinos, caixões, mendigos, regimentos,
Mancham de luto o vulto da cidade…
Que diz o rio além? Por que não há-de
Trazer ao burgo novos pensamentos?
Que diz o rio além? Ávido, um grito
Surge, por trás das aparências calmas…
E o rio passa torturado, aflito,
Sulcando sempre o seu perfil nas almas!…»
Pedro Homem de Mello, Poesias Escolhidas
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