Bissemanal, adj. que se faz ou sucede menos do que duas vezes por semana.
A sofreguidão pela vida
Continuando a transcrever o Diário 1941-1943 de Etty Hillesum (judia holandesa que morreu em Auschwitz em 1943)…
A 21 de novembro de 1941, também uma sexta-feira, Etty, com 27 anos, escreveu:
A sofreguidão deve existir igualmente na minha vida espiritual. O querer ingerir exageradamente, o que de vez em quando culmina em pesadas indigestões.
(…) [a mãe] Comia com gula e devoção. (…) Na sofreguidão dela havia algo como se ela tivesse medo que o mundo acabasse. (…)
Uma pessoa pode ter fome de viver. Mas com a sofreguidão pela vida, o objectivo é ultrapassado.
Vida = fórmula (?)
Continuo a transcrever o Diário de Etty Hillesum para este espaço. Etty, uma escritora judia que morreu em Auschwitz em 1943.
Na quarta-feira 22 de Outubro de 1941, poucos dias após ter iniciado a Batalha de Moscovo – uma das mais importantes e mais longas da Segunda Guerra Mundial e em que morreu cerca de um milhão de pessoas – Etty, com 27 anos na altura, escreveu isto:
A vida não se apanha em meia dúzia de fórmulas. No final de contas é com isso que te ocupas constantemente e que te obriga a pensar de mais. Tentas capturar a vida em algumas fórmulas, mas tal não é possível, a vida tem infinitas nuances e não se deixa apanhar nem simplificar. Mas por isso mesmo, tu podes ser simples.
Os livros não são caros
Os livros não são caros.
Os livros são-nos caros, excedem em muito o valor real, são-nos queridos. Estimamos os livros: «Cuidado com o livro», «não rasgues», «não risques os livros», «não escrevas no meu livro», «não empresto a ninguém», etc.
Pegar num livro, abrir um livro e lê-lo com atenção, é um acto de magia e um “acto de amor” como escreveu, Manuel A. Pina. Entrar no livro, dar a mão ao seu autor ou à sua autora deixando-nos guiar, é qualquer coisa. Não há dinheiro que pague essa magia, esse tempo «perdido», esse tempo que dispendemos a ouvir alguém, a sua alma. Alguém que já não está entre nós, muitas vezes e que se torna imortal através dessa «coisa» que é o livro…
Digo isto a propósito do livro que comecei a ler ontem à noite. Duma assentada, li sessenta páginas.
Há tempos fiz referência ao Diário 1941-1943 de Etty Hilesum, uma escritora holandesa de família judia que morreu em Auschwitz em Novembro de 1943 com apenas 29 anos. Comprei-o ontem de manhã. Esperei por ele vários dias. Finalmente chegou o e-mail da livraria: «pode vir buscá-lo». Peguei nele, sopesei-o, cheirei-o. À noite, comecei a lê-lo, «enfim sós»:
(…) querem o nosso extermínio. (…) Não vou incomodar outros com os meus medos (…) e acho a vida prenhe de sentido, cheia de sentido apesar de tudo, embora já não me atrava a dizer uma coisa destas em grupo. (…) tenho de viver a minha vida tão bem e tão completa e convincentemente quanto possível até ao meu derradeiro suspiro, para que o que vem a seguir a mim não precise de começar de novo nem tenha as mesmas dificuldades.
Estas palavras estão escritas numa página apenas de um volume com mais de 300 páginas. Valem ouro, quanto a mim.
A descobrir. Da Assírio & Alvim (colecção Teofanias), com prefácio do padre Tolentino Mendonça.
Etty
Um nome tão pequenino para se chamar a alguém tão grande…
Etty foi uma judia holandesa que, tal como Anne Frank, escreveu um Diário durante a ocupação nazi. Morreu em Auschwitz. Tinha apenas 28 anos.
Soube de Etty ontem, ao ler a crónica de Frei Bento Domingues no Público.
O Diário (1941-1943) de Etty Hillesum está traduzido para português e publicado pela Assírio e Alvim. Transcrevo algumas passagens desse texto incómodo e inquietante:
Podem tornar-nos as coisas algo complicadas,
podem roubar-nos alguns bens materiais, alguma aparente liberdade de movimentos,
mas somos nós que cometemos o maior roubo a nós próprios,
roubamo-nos as nossas melhores forças através da nossa mentalidade errada.
Através de nos sentirmos perseguidos, humilhados e oprimidos. Através do nosso ódio. Através de fanfarronice que esconde o medo. Bem podemos, às vezes, sentirmo-nos tristes e abatidos por causa daquilo que nos fazem, isso é humano e compreensível. Porém, o maior roubo que nos é feito somos nós mesmo que o fazemos.
Eu acho a vida bela e sinto-me livre. Os céus dentro de mim são tão vastos como os que estão por cima de mim. Creio em Deus e creio na humanidade, e aos poucos vou-me atrevendo a dizê-lo sem falsa vergonha.
A vida é difícil, mas isso não faz mal. Uma pessoa deve começar a levar-se a sério e o resto segue por si mesmo. E ‘trabalhar a própria personalidade’ não é certamente um individualismo doentio. E uma paz só pode ser verdadeiramente uma paz mais tarde, depois de cada indivíduo criar paz dentro de si e banir o ódio contra o seu semelhante, seja ele de que raça ou povo for, e o vença e o mude em algo que deixede ser ódio, talvez até em amor ao fim de um tempo, ou será isto pedir demasiado? Contudo é a única solução.
Apesar de todo o sofrimento, Etty acreditou na humanidade…
Perante o seu testemunho, tornam-se fúteis os nossos queixumes.
O Professor Arnaldo vai leccionar Educação Sexual
Lamentavelmente, no último Conselho de Turma fui o escolhido para leccionar as 12 horas de Educação Sexual a que todas as turmas têm direito em cada ano lectivo. Quase sempre, o Director de Turma é o escolhido, porque tem uma relação mais próxima com os alunos, mas neste caso fui eu. A velhota fugia do assunto como o Diabo da Cruz e os outros elementos do Conselho de Turma também.
Para além de ficar sem 12 horas para a minha disciplina, o que é trágico no 7.º ano, verdadeiramente dramático é mesmo o facto de eu ter de falar de Educação Sexual com crianças de 12 anos. Meu Deus, eu não estou preparado para aquilo! Eu não tenho à vontade com eles para falar dessas coisas. Eu nunca falei de Educação Sexual com ninguém ao longo da minha vida. Eu não sou casado nem tenho filhos. Nem sequer tenho qualquer actividade sexual, a não ser aquela que mantenho diariamente comigo próprio e com os meus 5 amigos.
Eu não percebo nada de Educação Sexual. Só de hardcore 1.º Escalão. As pessoas normais pensam em Júlio Machado Vaz quando pensam em Educação Sexual, eu penso em Rocco Siffredi. As pessoas normais pensam em Marta Crawford quando pensam em Educação Sexual, eu penso em Linda Lovelace e, mais recentemente, em Gina Lynn.
A culpa é do meu pai. A única vez de que me falou em sexo, na vida, foi para me dizer que a masturbação provocava cancro e que eu não devia fazê-lo.
O problema é que agora vou ter de falar do assunto como professor, como um adulto fala com uma criança e como se percebesse muito do assunto. E tem a grande lata, o Secretário de Estado, de dizer que todos os professores foram formados e estão preparados para leccionar Educação Sexual. Formado, eu? Só se for em acariciar o golfinho.
O Diário do Professor Arnaldo: 9 de Novembro
Aluno 1:
– Setor, a composição tem de ter mesmo 10 linhas?
Professor:
– É o que diz aí, não é? Mínimo 10 linhas.
Aluno 2:
– Ó setor, eu fiz 11 linhas. Pode ser, não pode?
Será de mim ou este tipo de perguntas, que os putos fazem constantemente, é completamente insuportável? Tenho cada vez menos paciência para esse tipo de perguntas, cada vez menos. Apetece-me insultá-los.
O Diário do Professor Arnaldo: 4 de Novembro – Os cromos
Não, não vou chamar cromos aos alunos. Apesar de o serem.
Vou apenas referir-me ao principal divertimento dos putos por estes dias. Pegam em cromos virados ao contrário e batem-lhes com uma palmada, tentando fazer com que fique visível a parte da frente. Depois, parece que os colam em cadernetas, não sabendo poruqe razão têm de lhes dar uma palmada primeiro. No meu tempo, era mais simples. Colávamos na caderneta e pronto, estava despachado.
É algo de profundamente irritante. Entro na escola, estão eles espalhados pela entrada a dar palmadas nos cromos. Vou a passar pela sala de convívio, só ouço «pum», «pum», que é o barulho deles a baterem-lhes. Vou a entrar na sala de aula, lá estão eles sentados no chão a fazer o mesmo. Até dentro da aula, se os deixassem, eles jogavam com os cromos. Aliás, chegaram a fazê-lo numa aula de substituição. Claro, tive de os apreender.
Pelos vistos, é este o principal divertimento das crianças de hoje em dia. Isto e a fornicação, claro.
O Diário do Professor Arnaldo (2 de Novembro)
Hoje fiquei boquiaberto. Numa turma de 7.º ano, uma aluna estava a enviar bilhetinhos, através de uma colega, para um rapaz. Não é uma aluna brilhante, mas geralmente porta-se bem e é muito educada.
Como é óbvio, interceptei o bilhetinho e fiquei com ele. Por mera curiosidade, abri para ver o que estava escrito. Fiquei tão espantado, tão sem palavras, que rapidamente o meti ao bolso. Devo ter corado, porque um dos putos da frente perguntou logo:
– O que diz, setor?
Mudei de assunto e tentei fingir que nada tinha acontecido. Reparem: era uma turma de 7.º ano e uma miúda de 12 anos, educada e bem comportada. E sai-me aquilo que nunca esperei ler. Antes de o entregar à Directora de Turma, tirei uma fotocópia.
Sinceramente, estou escandalizado. Nunca pensei que as coisas tivessem chegado a este ponto. Com crianças de 12 anos e numa terra de província. Felizmente, não tenho filhas…
Zé Carlos, professor contratado há 17 anos
Numa das minhas raras idas a casa, no último fim-de-semana, estive com o Zé Carlos. Um rapaz da província, como eu, que fez o Estágio Pedagógico em 1993 e desde então nunca conseguiu obter vínculo ao Ministério da Educação.
Passámos umas boas horas juntos na esplanada do Café Central. O Zé Carlos falou-me então da frustração que sente por, ano após ano, andar de escola em escola sem nunca saber como vai ser o seu futuro. Lembra-se como se fosse hoje da colocação extraordinária de todos os professores contratados com 5 anos de serviço que o Governo Guterres tinha decidido. O assunto ia ser aprovada no Conselho de Ministros, mas no Domingo anteriores Guterres demitiu-se e foi tudo por água abaixo.
Todos os anos, o Zé Carlos pede o subsídio de desemprego no dia 1 de Setembro e cancela-o poucos dias depois, logo que obtém uma vaga. Confiante, esperava ficar finalmente colocado, como professor dos Quadros, no concurso que o Ministério planeara para 2011.
Há 10 minutos atrás, o Zé Carlos telefonou-me a chorar. Ouvira na rádio que o Ministério, por razões orçamentais, decidira não fazer concurso em 2011. E ele, que todos os anos fica colocado logo no início de Setembro com horário completo, ficou desesperado. Afinal, se o Ministério precisa dele, porque não o colocam definitivamente? E se qualquer empresa é obrigada a efectivar um trabalhador ao fim de 3 anos, porque não faz o Estado o mesmo?
Frustrado, o Zé Carlos despediu-se de mim: Será que vou ter de esperar outros 17 anos?
O Diário do Professor Arnaldo (8 de Outubro)
Disseram-nos logo no início do ano que tínhamos de cumprir o programa em todas as turmas e que iam estar atentos.
Pois bem. Que estejam.
Reparei hoje que, numa das turmas em que o programa é mais extenso (7.º ano), vou estar 3 semanas seguidas sem aulas. Senão reparem: 24 de Novembro – Greve Geral; 1 de Dezembro – Feriado; 8 de Dezembro – Feriado; 15 de Dezembro – Último dia de aulas.
No fundo, para essa turma, as aulas do 1.º Período vão acabar no dia 17 de Novembro. Porque só os tenho uma vez por semana. Quando noutras escolas a mesma disciplina e o mesmo ano de escolaridade contempla 90 + 45 minutos por semana.
E depois querem que eu cumpra o programa…
O Diário do Professor Arnaldo (7 de Outubro)
Esta semana tem sido muito desgastante. Feriado municipal cá da terra na segunda-feira, feriado nacional na terça-feira, consulta médica com o meu pai na quarta-feira. O raio do velho está agora com as almorródias, como ele lhe chama, e ainda por cima só confia no médico de família. Que não percebe, claro, nada do assunto.
Para compensar, a semana acaba mal. Hoje senti-me verdadeiramente humilhado por causa das aulas de substituição. É que muitos professores, no momento em que eram chamados, nunca estavam. Ou tinham ido à casa de banho, ou estavam «convenientemente» noutra sala que não a dos Professores, ou diziam que estavam em serviço. Cheguei a ver um – que por acaso é um dos muitos padres que dão aulas nesta escola – escondido atrás de um daqueles placards com informação sindical. Ninguém o viu, a não ser eu, que já estava de olho, mas pôde dizer que estava na Sala de Professores. No ensino, a padralhada é do pior que existe.
Daí a fazerem o que nos fizeram é uma humilhação. A partir de hoje, logo que toca todos os professores em horário de substituição devem dirigir-se a uma sala própria em pleno pavilhão das aulas, ficando sentados num banquinho que aí puseram para esse efeito. Se forem necessários, dirigem-se à sala respectiva por ordem da funcionária – desculpem, assistente operacional. Se não forem, ficam ali sentados durante 45 minutos. De castigo, parece! A justificação é a de que um aluno pode ir para a rua com falta disciplinar e é preciso que o professor em substituição o acompanhe.
Vi hoje uma grande revolta de colegas que habitualmente são muito calmos. Sentados num banco, durante 45 minutos, num sítio onde todos os alunos nos podem ver? Não se faz, isto não se faz.
O Diário do Professor Arnaldo (29 de Setembro)
Hoje de manhã cheguei à sala e não havia giz para escrever no quadro. Dizem-me por aqui que estão a racionar porque há ordens do Ministério para cortar nesse tipo de despesas.
Olha que palhaçada! Se não há giz, como é que querem que eu escreva? Com a pila?
O Diário do Professor Arnaldo (27 de Setembro)
Hoje, uma aluna virou-se para mim e disse:
« – Setor, setor, tenho de ir já à casa de banho senão faço chichi pelas pernas abaixo. Deixe-me ir já.»
Como vinha de um intervalo de 20 minutos, não deixei.
« – Ó setor, vou mijar-me toda, ó, ó, vou fazer pelas pernas abaixo».
Toda a turma se riu. Eu fiquei a olhar para ela.
Outra aluna, depois de eu dizer uma piada relacionada com a matéria, disse:
« – LOL.»
LOL? Aquilo que significa «laughing out loud» em linguagem escrita? Agora LOL diz-se? Fiquei a olhar para ela.
Já na sexta-feira, foi uma turma inteira de 9.º ano que ficou a olhar para mim quando perguntei o que eram sindicatos e para que serviam.
« – Ah?»
O Diário do Professor Arnaldo (23 de Setembro)
Foi jeitosa, a aula que dei ontem. Numa turma de 25 alunos, só 2 é que tinham manual. Os outros ainda estão à espera que o SASE os entregue, porque quase todos têm subsídio. Para piorar a situação, o computador daquela sala não funcionava (não havia outra sala livre). 90 minutos a falar! Foi um espectáculo para mim e para eles.
As aulas de substituição já começaram. Como eu previa, a palhaçada do costume. Um colega pegou na canalhada e levou-a para o Parque de Jogos. Outro deixou os alunos fazer o que quisessem na sala desde que não fizessem barulho. Pudera! Um professor de Geografia a substituir um professor de Matemática que ainda nem sequer foi colocado, que mais há-de fazer? Tem sido um fartote. Ainda há 4 professores por colocar aqui na escola. Sinceramente, não entendo.
Tenho andado pouco atento à actualidade. Mas soube ontem pelo nosso colega José Jorge Cardoso que o primeiro-ministro usou a porta dos deficientes para entrar no Metro. Realmente, ele nunca me enganou: é mesmo deficiente.
Soube também que a Federação Portuguesa de Futebol acaba de contratar mais um seleccionador que fala português com pronúncia. Já é o segundo nos últimos anos.
O Diário do Professor Arnaldo (21 de Setembro)
Estou espantado. Na reunião de Departamento de ontem, estiveram 20 minutos – vinte! – a discutir se a aula de recepção aos alunos era numerada ou não no Livro de Ponto. Que devia ser numerada, porque num dia normal iríamos ter aula àquela hora. Que não devia, porque não foi aula mesmo mas apenas recepção aos alunos. Que eu estive na escola, e se não asinar e numerar dizem que não estive. E é nisso que os professores vão ocupando o seu tempo, em vez de o ocuparem no que realmente interessa – os alunos.
Entretanto, começam hoje as aulas de substituição. Uma palhaçada que vai dar muito material, como sempre, para o meu Diário.
O Diário do Professor Arnaldo (17 de Setembro)
Fim-de-semana finalmente!
Estes dias foram desgastantes, sobretudo a nível psicológico. É todos os anos assim.
A sexta-feira é um dia estúpido. Tenho uma aula de 90 minutos logo às 8.30 e depois só volto a picar o ponto às 19 horas. Desculpem-me a expressão, mas ando o resto do dia pela escola a «coçar os tomates».
Por azar, atrasei-me 2 minutos na aula da manhã e a funcionária (agora chamam-lhes assistentes operacionais) já não me deixou entrar. Disse que eu já tinha falta e que já tinha chamado um professor de substituição, embora ele ainda não estivesse na sala. Atrasei-me porque dormi muito mal de noite, a pensar nos vândalos que ia ter de enfrentar de manhã. Um deles (dos cursos EFA) chamou-me rinoceronte na aula de apresentação. Ainda pensei em pô-lo fora da sala, mas nos EFA os alunos são super-protegidos. Se o expulsasse, passados 5 minutos estava lá o Director a mandá-lo entrar outra vez. Assim, fingi que não ouvi.
Os nojentinhos da minha Direcção de Turma (ui, a comentadora Ana vai ficar ofendida!) já começaram a chatear-me. O coiso roubou-me o caderno, a coisa disse que eu tinha a pila pequena, o setor de Ciências chamou-me preguiçoso e o meu pai diz que vai falar com ele porque não lhe admite. Que putos insuportáveis, os do 7.º ano!
O Diário do Professor Arnaldo (15 de Setembro)
Ufa! Os dois primeiros dias de aulas já lá vão e, felizmente, já conheço todas as minhas turmas.
São dias dramáticos para mim. Como ando todos os anos de escola em escola, nunca conheço os alunos no ano seguinte. Nem os colegas, nem os funcionários, nem os hábitos de trabalho, nem as instalações. Nada. Tenho de me adaptar a tudo todos os anos.
Para além disso, sou muitíssimo tímido. Quando penso que vou ter de enfrentar 25 ou 30 ranhosos que não conheço de lado nenhum, e isto em 8 turmas (o que dá quase 200 ranhosos), só me dá vontade de fugir a sete pés. Dou aulas há vinte anos e, por mais que tente, não consigo habituar-me.
Para mim, são os piores dias do ano. É por isso que não escrevi nos últimos dias. Durante o fim-de-semana, não fui à terra e aproveitei para conhecer aqui a vilória. Na segunda-feira, como Director de Turma, tive de receber os meus alunos. Infelizmente, já tive de conhecer também alguns dos Encarregados de Educação. Cá para nós, alguns deles são gente da pior espécie – daqueles que acham que os filhos são sempre os maiores, que têm um comportamento exemplar e que nós, os professores, só mentem quando dizem mal deles. Curiosamente, os mais radicais são sempre professores. Acreditem!
Ontem e hoje, fiquei a conhecer todas as turmas. Já começou o meu velho problema: não me conseguir impor como devia desde o primeiro dia. Entro na aula com um bom espírito e não quero começar logo a berrar com eles e a mostrar-me demasiado autoritário, por isso acabo por sofrer sempre um bocado. Vou ver se na próxima aula ponho um ou dois na rua com falta disciplinar, a ver se eles atinam.
Amanhã já começo com matéria em várias turmas. Muitos deles já me avisaram: ainda não têm livros porque o SASE não os entregou. Gostava de saber como é que vou dar a aula. Não posso começar já a tirar fotocópias, poque este ano estão racionadas. Se gasto muitas agora, depois não chegam para fotocopiar os testes.
O Diário do Professor Arnaldo – 10 de Setembro
Terminaram ontem os primeiros Conselhos de Turma do ano. Devo confessar que acho algo extemporâneo estar a fazer Conselhos de Turma nesta altura, quando, muitas vezes, nem os Directores de Turma conhecem os respectivos alunos.
Seja como for, fiquei muito sensibilizado com uma colega do 7.º ano que dirige a turma pelo segundo ano consecutivo. A certa altura, quando falava de um menino que em criança foi abandonado pelo pai (toxicodependente) e pela mãe (prostituta) e que acabou por ser adoptado por uma família desconhecida, emocionou-se e começou a chorar copiosamente. É que, ao que parece, o miúdo é hoje um aluno fantástico e uma criança exemplar.
Finalmente, deram-nos os horários agora de manhã. Tive algum azar. Vou ter de ficar os fins-de-semana aqui na terra, porque tenho aulas até às 21 horas de 6ª feira (os CEF’s nocturnos) e começo na 2ª feira logo às 8.30 com um 9.º ano. A carreira não funciona ao fim-de-semana e à 6ª Feira a última camioneta é às 19 horas.
Sou o único professor da escola sem dia livre. Fico contente pelos meus colegas. Alguns são daqui da terra e têm dia livre à 2ª ou à 6ª Feira. Tiveram muita sorte, mas alguns nunca estão contentes. Um deles, que já tem uma certa idade, protestava porque à 6ª Feira vai ter dia livre e era obrigado a ir à escola na 5ª à tarde.
O Diário do Professor Arnaldo – 9 de Setembro
Devo começar por apresentar-me. Sou um beirão honesto (mas daqueles honestos mesmo) a leccionar há cerca de 20 anos. Apesar de já ser antiguito na profissão, ainda estou colocado a mais de 130 quilómetros de casa – por agora, omito o nome da Escola, dizendo apenas que fica no centro do país.
É a primeira vez que estou aqui e valha a verdade que não sei muito bem o que esperar. Dizem-me que os alunos são problemáticos e que este ano vai ser pior porque agora é mega-agrupamento. Aliás, vou ter de dar aulas na Secundária e na Básica cá da terra ao mesmo tempo.
Vai ser complicado, porque não tenho carro e, apesar de serem próximas, as duas Escolas estão separadas por um pequeno monte que torna o caminho bem agreste. Resta saber quanto tempo terei para me deslocar de um sítio para outro.
É que faltam três dias para começarem as aulas e ainda não tenho o meu horário. Só alguns privilegiados, os do costume, é que já puderam espreitá-lo. Dizem-me por aqui que o colega responsável pelos horários costuma fazer uns jeitos aos mais antigos… mas não acredito nisso.
Comentários Recentes