Quem não sabe do que fala, que se cale para sempre

Edward C. Green é investigador científico da Escola de Saúde Pública de Harvard, nos EUA. Ontem, domingo, publicou um artigo no jornal Washington Post a propósito das polémicas palavras do Papa acerca da ineficácia da utilização do preservativo para travar a Sida em África. Bento XVI disse, recorde-se, que o problema podia ser ainda pior e apelou à abstinência.

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Adivinhe quem é mais atrasado?

Papa: Não aos preservativos para combater a Sida em África!

Cartoon de Dave Granlud

 

 

 

O Bispo de Roma mostrou que entre ele e África, sobretudo a área “negra”, há um fosso maior que os existentes nos antigos circos romanos. Edward Green dá indicações de que África, para ele, é o local de onde são originários os agora chamados afro-americanos.

Num artigo intitulado “O Papa pode ter razão”, o homem analisa os argumento de Ratzinger e diz que as campanhas de defesa de utilização das borrachinhas não podem ter sucesso em África.

Começa pela “compensação do risco. Quando as pessoas pensam que estão seguras por usar preservativos, pelo menos algumas vezes, são capazes de cair na tentação do sexo inseguro, salienta. Esquece que as campanhas devem ir mais longe que só dizer aos africanos que o preservativo deve ser utilizado mais do que apenas umas vezes.

Utilizar a protecção indica falta de confiança no parceiro, acrescenta, em mais um daqueles argumentos que é válido para todo o mundo e não apenas no continente negro.

Entre outras explicações do género, o senhor pergunta: “O que funciona em África?” E responde: “Estratégias que quebrem as múltiplas e simultâneas redes sexuais”. Concretize, amigo… “Monogamia mutua e fiel ou, pelo menos, uma redução do número de parceiros, especialmente quando em concorrência”. “A poligamia fechada e fiel também pode resultar”, acrescenta.

A alminha em causa pode ter boas intenções, não sabe é nada de África. Não é sequer necessário passar lá anos ou meses. Basta ir falar com a população e conhecer um mínimo dos seus hábitos.

Na maior parte das tribos (nesta área deve-se ter em conta as tribos mais do que os países) os usos, costumes e as tradições, ainda muito enraizadas, apontam para a poligamia plena e para práticas que, na Europa e nos EUA, podem ser tidas como promiscuas. Nos mais jovens as coisas já começam a mudar e deveria ser para eles que as iniciativas de combate à Sida se deveriam dirigir. Com preservativos.

O Papa não tem razão. E Edward Green também não.

Texto publicado em blocodenotas.eu e aventar.eu

Deitar à terra

Os lojistas da especialidade olham-nos com uma bonomia ligeiramente trocista e parecem saber exactamente o que buscamos: as espécies mais resistentes, as que suportarão a inépcia dos seus cuidadores, as rajadas de vento das noites portuenses, a inclemência do sol de Maio. As que são, a um tempo, dóceis e obstinadas.

A cada primavera que se anuncia, saímos das tocas de inverno, trocamos com entusiasmo as ferramentas da vida moderna pelas pazinhas que evocam as construções de areia da infância, e é ver-nos, nas varandas, nas nesgas de jardim que a cidade ainda não ocupou, esquecidos de tudo, tomados unicamente pela dúvida: a que profundidade plantar um bolbo de íris?

Seguir-se-ao longos dias de ansiedade, espreitadelas constantes, tantas vezes tomadas pela incredulidade de que algo (e muito menos uma íris) possa vir a irromper desse manto denso e negro. Virão ainda mais dias de neblina e chuva, a terra continuará quieta e desolada, mas a memória desses momentos em que os dedos remexem a terra, e em que julgamos vislumbrar, num fugaz instante, uma sabedoria ancestral que não imaginávamos possuir… essa memória preenche os dias de inverno.

E virá o dia em que, ao cair da tarde, regressados das obrigações e dos horários e dos dias cinzentos, descobriremos, com espanto e, confessemo-lo, uma pontinha de orgulho, que a primeira íris se desprendeu enfim e espreita o mundo com o seu corpo frágil e intensamente lilás. E nessa nova condição de semeadores, também nós olharemos o mundo como novo.

O julgamento de Isaltino Morais e uma questão de paciência

Quando criança e adolescente era visita frequente de um barbeiro localizado no centro da cidade onde vivia, Ermesinde. Era junto da estação de comboios e, com naturalidade, era uma barbearia bastante solicitada. À frente daquelas cadeiras enormes e pesadas, e por cima dos espelhos que nos permitiam ver o progresso da arte do corte dos cabelos, enquanto ouviamos a tesoura, havia um pequeno mas significativo quadro. A memória diz-me que o quadro estava emoldurado mas todos sabemos como as recordações de há alguns anos podem ser traiçoeiras. Já quanto à mensagem tenho a certeza, até porque não era particularmente original. Dizia: “Saber esperar é uma virtude”.

Foi deste quadro, e da sua mensagem, que me lembrei na sequência das notícias das primeiras sessões do julgamento de Isaltino Morais.

Perante as revelações que o autarca e ex-ministro fez  em tribunal, esperei pelas reacções. Isaltino confessou que fugiu ao fisco na aquisição de uma casa, nos anos 90, num negócio que classificou de “normalíssimo”. Desafiou alguém a apontar alguém que, até 1995, tenha pago a escritura pelo valor da casa. Não especificou se era necessário ou não indicar pessoas que ocupavam cargos políticos, eleitos e de responsabilidade pública. Como ele, que era presidente da Câmara de Oeiras desde 1985.

O homem, que admitiu “apetência” por dinheiro (e isto não tem mal nenhum), pagou, em 2003, 35 mil euros em numerário por um Audi8, que vendeu um mês e meio depois por 60 mil euros. O preço do veículo novo rondaria os 130 mil euros. E, como se sabe, os veículos têm uma estranha tendência em valorizar-se com o tempo, não é?

Para não vos maçar, nem vou particularizar o caso das alegadas irregularidades na Quinta da Giribita, nem da casa em Cabo Verde. Vamos, pois, ao assunto que me deixa mais perplexo.

Isaltino Morais admitiu que tinha na conta bancária que possuía na Suíça (a tal conta do sobrinho taxista) “sobras” eleitorais que rondavam os 400 mil euros. Era dinheiro excedente das campanhas, feitas até 2001. Dinheiro entregue por pessoas e, eventualmente, empresas que deveria ter aplicado no pagamento de despesas da campanha eleitoral. Pelos vistos, o autarca de Oeiras não tinha as mesmas dificuldades de outros e não lhe faltaram contribuições. De forma tão avantaja que nem gastava tudo. Sem saber muito bem o que fazer com as “sobras”, guardou-as. Mas não para sempre, porque utilizou esse dinheiro, pelo menos em parte, em “bens pessoais”.

Diz que era, na época, antes da lei de 2005, prática habitual. Traduzindo: nem todo o dinheiro das campanhas eleitorais era gasto e quem tinha “sobras” ficava com elas.

Perante isto, e procurando respeitar a virtude de saber esperar, esperei. Esperei que o habitualmante prolixo presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, sempre pronto a reivindicar mais verbas para as autarquias, viesse dizer que as coisas não eram bem assim. Esperei que os partidos políticos, que até comentam anúncios de estações de rádio, comentassem estas informações. Esperei que as televisões, que analisaram à exaustão o penalti do Sporting – Benfica, analissasem em detalhe estas revelações.

Esperei, mas em vão. O defeito pode ser meu, mas há algo de muito mal-cheiroso nisto tudo.

P.S.

Uns segundos apenas para dizer ao que venho. Sou jornalista. Dizem que estou a caminho dos 40 e deve ser isso mesmo que está a acontecer. Não sou militante de nenhum clube, nem sócio de nenhum partido. Tenho as minhas preferências mas prefiro que as descubram ao longo do tempo.

Inicio hoje a minha colaboração com Aventar, sentindo-me um dos orgulhosos fundadores desta comunidade. Se não se importam, irei manter o meu blogue pessoal, a solo, blocodenotas.eu, que lancei em Janeiro passado, procurando estabelecer o melhor equilibrio entre eles.

Hoje é dia 1 de Abril! Vamos ao Trabalho!

“Numa era em que a mentira é universal, dizer a verdade é um acto revolucionário”, George Orwell

Cara ou Caro leitor

Estou certo do Seu interesse por estas linhas, caso contrário estaria a ler o manual de bom escuteiro da JS. Mas, como teve o azar de vir aqui parar, vai ter que partilhar comigo esta primeira ventania – assim, aos pares (eu e o meu amigo leitor) vai custar menos um bocadinho. Vamos lá então!
E não vou fazer por menos. Vou alterar uma tradição muito Nossa. Hoje é dia 1 de Abril.

Sim, não me enganei – Decidi antecipar o dia um. Ou antes, porque não antecipar o dia 1 de Abril para o dia 30 de Março e assim fazer três dias de mentiras e partidas, algo ainda muito longe do que nos tem feito o Governo vigente da República quase indigente? Parece-me uma excelente opção.

As pilhas estão na prateleira da direita, mesmo aí junto à escova das botas de camurça.

Pilhas?

Sim, as do rato – é que só pode ter acontecido uma coisa para ter chegado aqui – faltou a pilha no seu rato sem fios e não consegue clicar para sair. Obrigado tecnologia que estás sempre aí!

Neste primeiro dia das mentiras vou escrever sobre o emprego, ou antes, sobre a falta dele. Não há dia que não me recorde dos cento e cinquenta mil empregos que o Partido Socialista levou às eleições e que o Governo transportou para o seu programa de (dês)governo.

Vamos, eu e o caro leitor, imaginar que recuamos um ano. Ninguém falava de crise. Nessa altura o que se dizia sobre esta promessa dos cento e cinquenta mil empregos?

Em Setembro de 2009 Vieira da Silva reconhecia que ia ser difícil, o que todos viam há muito tempo.

Está claro então para todos que a promessa do Senhor, que foi Primeiro antes de ser Engenheiro, não só não se transformou em realidade como se virou exactamente ao contrário!

Tenho para mim que não se deve confiar em alguém que nunca trabalhou – é que o trabalho é um pilar da natureza humana: dignifica e torna cidadão e colectivo, o que biologicamente é individual. Sem trabalho é a dignidade do Homem que fica em causa.

Se a ideia era ter um saldo positivo de 150 mil duvido que qualquer um dos governantes fosse, hoje, abdicar de um saldo negativo dessa ordem de grandeza.

E, descontando o efeito da crise (que não nego), importa equacionar como foi possível conduzir um país de forma tão demagógica, prometendo o que não se podia prometer?

Como foi possível mentir sobre algo tão importante?

Como foi possível mentir ao povo que minuto a minuto, segundo a segundo ia perdendo o seu emprego?

O que pensarão, por exemplo, os colaboradores da Quimonda sobre esta promessa?

E, mais grave ainda, como houve quem acreditasse? Bem, depois do Sr. Lopes, qualquer um acreditaria no coelhinho da Páscoa.

É pois sob o signo da mentira que começo estes três dias da mentira. A próxima mentira será sobre a área da Educação.

P.S.: Para terminar este primeiro dia de mentiras informo os caros leitores que o Guarda Abel foi escolhido para novo provedor de justiça.

Avente-se!

Aqui o limite são as calúnias e as caralhadas! As calúnias não passam nunca. As caralhadas não passam se forem ordinárias. Como vê, a culpa é sempre sua. No resto, exponha-se, arremesse, adivinhe, preveja, manifeste-se, suspire e tudo o mais que AVENTAR representa. Que são todas estas palavras e mais o que a sua imaginação conseguir criar.
Pode ficar AVENTADO? Pois pode, mas só faz bem ao stress ser agitado por vendaval! É bem melhor do que sofrer de AVENTAMENTO, ficar calado, azedar!
Por mim, infelizmente, só sou novato enquanto bloguer. Já levei com a minha dose de fascismo.
Andei numa guerra que não me dizia nada. Trabalhei de dia e estudava de noite. As namoradas engravidavam sem saber como e, pior, a pílula não existia. As namoradas engravidam pelo “ar que lhes deu”. Sem pílulas e com preservativos que saiam do lugar, tive que lutar pelo aborto muito antes dos actuais políticos fracturantes.
Tive sorte na vida profissional. Havia poucos gestores de empresas com estudos e isso deu-me vantagem. Aviso já que só fiz o que gostei! Bem, pelo menos a partir de certa altura.
Deixei de trabalhar logo que pude! Deito-me às três da manhã e levanto-me às 11 horas.
Antes do meio-dia, não estou para ninguém!
Como percebem, aguento tudo menos a mediocridade. Estou farto da merda deste país em que os gajos de sempre nos mantêm na miséria e, se puderem, no obscurantismo.
Este é um espaço de ar livre, com brisas, rajadas e ciclones. Está tudo na mão de quem aqui escreve, desde os que iniciaram esta tempestade aos que quiserem correr o risco de apanhar uma pneumonia. Mas é a loucura boa de quem quer escrever sem compromissos e sem ter que agradar a quem quer que seja. Eu por mim estou na maior. Não conheço nenhum dos meus
compinchas aventados!
AVENTE-SE! Mande-os à merda!

Coro

“Mãos de mulheres, cheias de ternura,
cozinharam seus filhos,
que lhes servirão de alimento,
quando da ruína da filha do meu Povo.”
Bíblia. Livro das Lamentações, Jod

«O que é um homem bom?»
O que é um homem bom?, penso e pergunto-te
sem medo da palavra que não trova com o mundo,
de quando em vez, acosso-te: «O que é um homem bom?»
novamente assomo sem pudor de te perturbar ainda; vivo assim:
sem medo da tua pele tão à beira de mim, sem me retrair nos olhos
e fico de borco desejando despenhadeiro – tua voz – essa vida com sotaque vigilante
e se a minha palavra se abeirasse dos teus olhos
não sei se seria um lago, neve, iogurte dentro do prazo, a leve vida,/
ou Elisa cantando: Tanzânia, T-a-n-z-â-n-i-a, T-a-n-z-â-n-i-a,
T-a-n-z-â-n-i-a sem adivinhar um punhal
levando a morte ao seu corpo;
sei, talvez, que essa palavra seria sempre um objecto secundário,
um acessório de uma memória suja, demente ou ambição de vertigem
face de um fragmento rudimentar com que irias à procura
de qualquer coisa que te lembrasse
que não existe diz-que-diz-que na solidão
essa pele que absorve a fundo a noite
outra vez vem ter comigo, imploro!
acossa de relance – nos meus olhos – a tua mão, par
da mão que desossa com o cutelo os ossos, toca piano,
mão engatilhando, levando a extinção na sua força, fixando
os corpos no seu tempo “ A guerra foi há duas semanas”, diz o homem
com as duas mãos no volante
. O que é um homem bom?, vacilo
— a mão de Sacha nas mãos
da mãe de Sacha; os olhos das mães crescendo
como a tensão nas mãos da mãe de Sacha

tanta face de lume! quando pensas noutro humano
tão impartilhável como é para mim o teu corpo de remendos,
depois vêm as palavras que seguram
o homem empoleirado, podando a preceito os ramos
de árvores russas, isso, as árvores eram russas,
as copas das árvores russas, a cidade ao fundo,
um enquadramento, um plano
tal como o rosto de infância a ser enterreado
na improvisada vala comum,
a areia tapando o rosto infantil de olhos abertos,
os corpos amontoados na carrinha de caixa aberta,
mas esse relâmpago em câmara-lenta — a última imagem — os olhos abertos
o bebé, e outras palavras juntam-se a ti
: manga-curta manga-comprida
porco-preto porco-branco
« o porco-preto é mais difícil de conseguir, corre mais
»

e os corpos arrojados até à porta da embaixada
as copas das árvores russas, os sacos de comida para o gato
a cultura do açafrão, Maria, a campa da Maria, as mãos da Marias
separandos as lágrimas do rosto, para se sentir mais na morte do filho,
o filho da Maria a galope do cavalo entrando pelo lago num dia de verão
russo, a aldeia russa da Maria, o marido da Maria e a nova mulher nova
a Maria entrando terra adentro com as suas mãos respirando a força do sol,
a comoção do realizador com a morte e campa da Maria, com as palavras da filha da Maria,/
a Maria fixando-se palavra viril
e ficas a pensar na possibilidade do nome das coisas, das tuas coisas quotidianas, tão a jeito e próximas da tua indiferença,
« o porco-preto é mais difícil de conseguir, corre mais»