Aí no silêncio onde moras
à luz oblíqua de outono
Sou teu íntimo felino
da Garra da tua sombra
Mago devoto na tua luz
Improvavel profeta
ecrã impossível
tocata e fuga
e som
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Expor ao vento. Arejar. Segurar pelas ventas. Farejar, pressentir, suspeitar. Chegar.
Aí no silêncio onde moras
à luz oblíqua de outono
Sou teu íntimo felino
da Garra da tua sombra
Mago devoto na tua luz
Improvavel profeta
ecrã impossível
tocata e fuga
e som
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Poema alusivo, de um anónimo, dito por mim, a propósito de um desafio…
ver e ouvir, aqui: http://wp.me/p29WGc-BJ
um poema de Günter Grass
À beira do caos porque fora da razão dos mercados,
Tu estás longe da terra que te serviu de berço.
O que buscou a Tua alma e encontrou
rejeita-lo Tu agora, vale menos do que sucata.
Nua como o devedor no pelourinho sofre aquela terra
a quem dizer que devias era para Ti tão natural como falar. [Read more…]
AntiDeuteronómio II
No tempo em que as sardinheiras das varandas dos pobres faziam parte dos nossos sonhos florindo em poemas de sol e de cor no tempo em que as andorinhas teciam grinaldas de vida nos beirais no tempo em que os rios bordavam a terra de areia branca no tempo em que a brisa sussurrava por entre as flores e as fontes murmuravam seus amores a aurora da nossa inquietação tinha o cheiro a maçãs e o pulsar das coisa vivas e o levíssimo sorriso dos jardins do paraíso tudo amávamos em nobre sentimento de exaltação [Read more…]
Foi a noite mais triste a mais negra noite mais triste do que todas as sombras mais triste do que a noite de Orfeu mais triste do que a sombra dos coqueiros sem lua mais negra do que o mergulho do tarrafe nas águas fundas do Cacheu
Na palma da mão tenho sonhos de liberdade e silêncio para enfrentar a morte.
A música treme na palma da mão como incerteza de paisagem e futuro.
Quem dera adivinhar a cor desta canção cinzenta que se dissolve no ar que respiro.
Neste verão diferente do outro eu quero vestir-te de primavera sem medo dos tiranos e da moral burguesa.
Quero escolher as palavras do poema que fazem chorar teus olhos azuis e abrir o sonho à luz do meio-dia.
Quero renascer dos versos que dentro de mim acendem as estrelas e clamam por outros seres e outros mundos.
Quero seguir quem me chama para outros mares onde o sol sempre nasce e ilumina.
Creio que a terra é minha e de espirais de estrelas o meu regresso.
O sol arde nas nuvens e o mar verde leva-me para habitar contigo onde quer que estejas.
Não sei aprender a morrer fora das linhas desta mão incerta onde as flores de verão deixaram raízes no inverno e hão-de desabrochar na manhã de sol em que partirei.
Não sei fazer uma rosa nem me interessa não sei descer à cidade cantando nem é grande a pena minha.
Não sei comer do prato dos outros nem quero não sei parar o fluir dos dias e das noites nem isso me apoquenta.
Não sei recriar o brilho do poema azul…e isso dá-me vontade de morrer.
Procuro para além das sílabas e dos versos a voz poderosa mais vizinha do silêncio o meu poema azul…o suspiro de Outono onde a brisa se aninha no breve silêncio do perfume do alecrim lugar das palavras e dos versos no caminho do teu rosto junto ao rio dos teus olhos onde a vida se faz poema e o mar se deita nos lençóis de luz do fim do dia.
Procuro para lá das sílabas e dos versos encontrar meu barco à entrada do mar onde repousa teu corpo entre algas e maresia meu amor perdido num campo de violetas.
O meu poema é tudo isto que me vive que me ilude que me prende ao lugar azul que procuro dia e noite por entre os versos do meu ser.
O poema mais lindo da minha vida ainda não nasceu não tem asas nem olhos nem sentimento que o traga um dia o vento se vento houver que a saudade o encontre onde ele estiver.
Dizem que no cimo dos pinheiros ainda é primavera mas tão alto não chego mais à mão molho a minha camisa primaveril no regato cristalino que vai correndo por entre os dedos num solo de cores e violino.
Não sei colher uma rosa nem sei descer à cidade cantando sou apenas aquele que ontem dormia sobre um poema azul e das asas da ilusão se desprendia.
Sou aquele que ontem se despia nos braços do poema que vivia sou aquele que ontem habitava em silêncio o poema azul que acontecia sou aquele que ontem sonhou em vão…com o poema azul de mais um dia.
Mera informação aos amigos do Aventar
Tenho vários livros contendo poemas, mas livros propriamente de poesia tenho dois, ou melhor, quatro, dado que o segundo é um conjunto de três pequenos volumes, com os subtítulos “Poemas do lusco-fusco”, “Poemas de ser e não ser” e “Poemas estoricônticos”. O primeiro livro intitula-se “Esta água que aqui vem dar” e foi editado em 1993, com a prestimosa ajuda do meu amigo Eugénio de Andrade. O segundo tem o título “Nova ponte sobre um velho rio” e é de 2006.
Estou a preparar um novo livro a que darei o título “Vai o rio no estuário”, com subtítulo “versos de braços abertos”. Neste livro, procurarei dar a poemas novos e a antigos que eu resolver reformular, uma nova forma, em que os versos se abrem e se espraiam como os braços de um estuário, tal como em criança eu abria os braços de par em par, quando chegava ao fim da corrida. Porei de lado o velho conceito de estrofes e a sua classificação quanto ao agrupamento de versos, versos que não submeterei a metrificações, encadeamentos e rimas previamente concebidos em esquemas. Uma espécie de versos livres, versos ao calhas, ao sabor do vento suave que afaga as águas de um estuário.
Procurarei fazer com que os poemas que doravante o Aventar fará o favor de publicar (deixo aqui lugar a uma ou outra excepção) obedeçam a este princípio. Tudo isto porque há muito me sinto um tanto enjoado com a poesia que por aí se faz e se consome. Talvez porque, embora tarde, comece a ter consciência das margens apertadas do meu rio e a sentir a atracção da liberdade de abrir os braços no fim da corrida.
Darei aqui um exemplo do que pretendo tentar fazer: [Read more…]
(adão cruz)
Não sei fazer uma rosa nem me interessa
não sei descer à cidade cantando
nem é grande a pena minha.
Não sei comer do prato dos outros nem quero
não sei parar o fluir dos dias e das noites
nem isso me apoquenta
não sei recriar o brilho do poema azul…
…e isso dá-me vontade de morrer.
Procuro para além das sílabas e dos versos
a voz poderosa mais vizinha do silêncio
o meu poema azul…
o suspiro de Outono onde a brisa se aninha
no breve silêncio do perfume do alecrim.
Lugar das palavras e dos versos
no caminho do teu rosto junto ao rio dos teus olhos
onde a vida se faz poema
e o mar se deita nos lençóis de luz do fim do dia.
Procuro para lá das sílabas e dos versos
encontrar meu barco à entrada do mar
onde repousa teu corpo entre algas e maresia
meu amor perdido num campo de violetas.
O meu poema é tudo isto
que me vive que me ilude que me prende
ao lugar azul que procuro dia e noite
por entre os versos do meu ser.
O poema mais lindo da minha vida ainda não nasceu
não tem asas nem olhos nem sentimento
que o traga um dia o vento se vento houver
que a saudade o encontre onde ele estiver.
Dizem que no cimo dos pinheiros ainda é primavera
mas tão alto não chego.
Mais à mão
molho a minha camisa primaveril
no regato cristalino
que vai correndo por entre os dedos
num solo de violino.
Vestido de tempo sem espaço e de espaço sem tempo
tento fundir a neve com o calor da nudez
em versos que tecem mais tarde ou mais cedo
o mundo das sombras.
Não sei colher uma rosa
nem sei descer à cidade cantando
sou apenas aquele que ontem dormia
sobre um poema azul
e das asas da ilusão se desprendia.
Sou aquele que ontem se despia
nos braços do poema que vivia.
Sou aquele que ontem habitava
em silêncio
o poema que acontecia.
Sou aquele que ontem sonhou…
em vão…
com o poema azul de mais um dia.
O melhor cabrito do mundo
Não foi só o cabrito. Outros factores houve que nos fizeram deslocar do Porto, de Amarante, de Marco de Canaveses, de Setúbal, de Sever do Vouga, de Vale de Cambra, embora todos sejamos naturais de Vale de Cambra, com raras excepções. E o mais forte de todos foi a amizade que vem dos tempos da juventude. O outro foi a Serra. A magnífica e deslumbrante Serra da Gralheira, estendida pelos seus três contra-fortes, Freita, Arestal e S. Macário. Quem não conhece estes caminhos da Freita, Merujal, Castanheira, Mijarela, Albergaria da Serra, Salgueiro, Manhouce, Cabreiros, e tantos outros tem obrigação de cá vir pois não sabe o que perde. [Read more…]
Ao soar das horas mortas, nest’outro modo de ser hoje, recolho as asas tombadas à saída do corpo, asas de voo natural, sublime, acima das coisas.
Para lá do nevoeiro, sei que moram os dias claros e as nirvânicas noites. Apetece-me gritar: Menino, pastor da noite! Menino, pastor da noite!
Vestido de tempo sem espaço e de espaço sem tempo, tento fundir a neve com o calor da nudez. O cansaço e a ideia, do lado de fora de uma teia sem olhos, são fios que tecem, mais tarde ou mais cedo, o mundo das sombras.
A respiração acabou e o poema nasceu fechado, cianótico, asfixiante. No imediato corpo, tão longe e tão perto, um frio azul anidrido carbónico encharca as palavras secas.
Velha semente sem terra, nova terra sem semente, um tal dizer feito de gestos, e o prazer de supor que a água ainda corre nas entrelinhas da secura.
“jetzt
schreibst du.”
Paul Celan
Desobedece
traça e sega
sob um coração
a nudez das coisas
agora. As coisas que só tu habitas
deflagram sem, a rigor, nada de ti
te obrigar a entregá-las
puras
agora. Há um riso
clandestino
deduz os olhos
embriaga o amor
agora. Reconheceste só
os olhos apodrecem-te
pássaros em metal
asas de cinza
agora. Ultrajadas as coisas habitam-te
tu dentro delas conflagras
poeira e sol
agora. O breve amor
ainda te pendura
no vento
gomos de sangue
agora. Faz uma lotaria
nos sentidos que dás
às coisas
armadilhas
a tua língua
agora. Dói beijar respirar
a boca sobre as coisas
útero de mel
agora. Não morras
sem me desprezar
remo na face
inundada
agora. Ninguém sabe
os nossos olhos
no corpo o desejo
do sexo
agora. Lavras os olhos
no fio a que atas as coisas
a cicatriz é varanda
molhada delas
agora. Sentir ciúme é fácil
nos olhos
perco o pranto mergulho
na piscina de pulgas
agora. Espesso das coisas
admito o coração
no salto
da carne
agora. Não há aquilo
a amizade um bem uma coisa
é uma coisa um bem a amizade
agora. Para não perder
as coisas mais pequenas nos olhos
vejo melhor
agora. Amo-te só
só te amo
aqui
só a morte
chega
amar-te
agora. Um disparate a lembrança
no coração
dilacera-te
agora. Lado a lado
sem esquecer
todas as coisas
prolongam-nos uma distância
agora. O amor sempre
doente
eu amei sempre
a imperfeição
agora. Sou simples
complico-te
tal como és
agora. Agora mesmo passa
por aqui entra fica,
guarda
os olhos
blindados
agora. Brinca com as pedrinhas
azambrado sob a lua
a concha na mão
o vazio a suster
agora. O frio delicadamente
revira dentro das camisolas
o corpo só isso
agora. Faço amor
dou contigo
corpo adentro
persigo-te
agora. Ajeito as lágrimas
ligeiramente feridas
ficam a jeito
agora. Tudo
dorme comigo
antes despenhando-se
contigo
agora. Apanho tudo
o fundo a pé-coxinho
cabra-cega a infância
agora. O véu cicatriza
a ignorância a justiça
o teu sexo crescendo
cerejeira
agora. Ultrapassa a loucura
escreve a vaidade
ultra-light
agora. Perdi o medo
custa-me andar
por aí
onde estás?
agora. Um desprazer
o elmo durando face
anagrama o ódio
gorila
agora. Desvio até
os olhos
que te viram dentro
segredos
agora. Passas tempo
sei aí
beber
para saciar
dói
agora. Faz o desespero
absoluto
não voltes
volta
agora. Essa densa apoderação
alarga a presença das coisas
os olhos HI-FI
recuperam-se
agora. Se a morte fosse uma flor
seria buganvília –
folha denuncia a delicadeza
em que dissimulas a vida
agora. Um sentido
partilha e esconde
a colheita a identidade
só o lume pulsa intacto
agora. Funâmbulo
no débil leme onde embriagas
a noite – escreves: antes pétala
embrumada num final perplexo.
Habemus paxem
Magnífica surpresa nesta saga de poetas para as cinzas nocturnas!
Há um labirinto de ismos que se entrecruzam
de pontes sobre um rio seco ou rio desviado para lá de mim
lago de silêncio com a cidade ao longe
regateando simbolismos de esferas ocas semeadas pelo parque
monumental parque de outros ismos já mortos
à espera de uma ressurreição sob o reflexo de mil janelas
empoleiradas nos altos muros da cidade virtual
em serena ode à quietude universal.
Ali na esquina há fumo branco e o estribilho feroz
de um surrealismo macabro, de um débil concretismo
experimentalista hermeticamente grosseiro
gritando aos ares habemus paxem.
Na deserta anatomia do silêncio onde outrora a poesia já morou
grita bem alto o histórico fóssil da verdade
em pedaços de vida fumegante
e monstruosas resmas de páginas em silêncio.
Montanhas de nomes a apodrecer entre escombros de pensamentos
que embrulharam a consciência adormecida durante séculos
Inglórios sufocos de ar emoldurados de paz e de vida. [Read more…]
a mulher do meus sonhos
Entrei na sala de aulas. Era o meu dia de proferir uma lição. A lição da semana. Não olhei para sítio nenhum, conforme meu hábito, nem falei. Distraia-me. Distrair-se no começo da elocução, era um pecado. Um grave pecado. O meu dever era ensinar. Para ensinar, deve-se estar concentrado. Todos o sabiam e por isso não me falavam. Era sabido por todos que no meio da conferência, ia parar, calar e dizer, caramba, estava tão dentro dos meus pensamentos, que me esqueci de cumprimentar. Todos riam. Mas ninguém falava. Conhecido era que qualquer frase ia danar-me, perdia o fio da memória, esquecia a frase seguinte. A prova era dura. Era meu costume enviar as habituais seis páginas da temática que ia proferir, vários dias antes. Todos liam e sabiam do que eu ia tratar. Carregado de textos, enquanto falava, procurava citações em livros sinalizados por mim com pequenos colantes amarelos escritos com a ideia central para desenvolver ao longo de 45 minutos. Nenhum minuto mais, nenhum minuto menos. O título da aula era a minha hipótese, e os pequenos colantes que marcavam diversos sítios dos vários textos, as ideias substantivas para provar a central. Esses 45 minutos voavam como borboletas, com os meus olhos fixados em cada flor que ai estava. Olhava-as, mas não as vias. Bem sabiam as minhas borboletas que um pequeno sussurro delas, encurtava o meu pensamento e não ia saber como continuar. Cada dez minutos, contava uma anedota para aligeirar a lição e aliviar a forçada concentração a que as obrigava. Borboletas femininas, borboletas masculinas, de curta idade, à tarde e à noite, adultos que trabalhavam durante o dia e apareciam às 18.15 – a minha lição devia começar às 18, mas eu dava quinze minutos de tolerância, porque, em hora de ponta, as deslocações eram cumpridas e pesadas, porque um café para estarem acordados, porque um queque para entreter a fome. Porque a conversa de corredor era obrigatória. Porque milhares de motivos entretinham as minhas borboletas.
(Poema de Ofélia Bomba, minha colega, não de cardiologia mas de psiquiatria)
O ninho
É do azul que parto
Para o percurso único da poesia
Do azul do mar imenso
Do azul intenso
Que banha o meu país
E a minha fantasia
E segue solitário até ao infinito.
Passo pelo roxo da saudade
Nos lírios imortais de Van Gogh
Mistura de óleo e eternidade
De espanto e grito.
Passo, depois, no amarelo vivo
Dos girassóis de Julho em Portugal
E brindo à vida, ao amor cativo
Único, intemporal.
Navego no vermelho. Lume e fogo
Aurora boreal do meu percurso
Em que me perco e quase afogo
E desço à terra, ao castanho baço
Força telúrica a lembrar o curso
Do passado e do presente, num abraço.
Continuo no preto. Tinta-da-china.
Ou numa nuvem carregada de água
Na viuvez duma tarde chuvosa.
Liberto-me no branco em que assisto
À neve, à cal, aos vestidos de noiva
À bata da escola de menina
E paro p’ra pensar. Duvidosa.
Que importa se o teu olhar
É verde ou dourado
Bordado de sol ou de luar
Que importa se o teu sorriso
É um poente
Tinto de promessas quase a naufragar.
Se este poema é um caminho
Tecido de arco-íris e de asas
Onde me aventuro e ouso
E todas as cores do mundo
São o ninho
Em que eu repouso.
(adao cruz)
Daqui te escrevo
Onde o mar não existe
Onde as mãos do silêncio
Não tardam a entrar
No silêncio da tarde.
Daqui te escrevo
Nesta tarde de silêncio
Onde a memória da tarde
Arde em silêncio
No mar das tuas mãos.
Daqui te escrevo
Onde o deserto é imenso
E a sede do teu mar
Cresce em silêncio
No silêncio da tarde
Onde não tarda o silêncio
Do mar das tuas mãos.
A minha cidade é o mar
E o deserto de silêncio
Do mar das tuas mãos.
Não a cidade da fome
Dos caminhos errantes
E das estrelas inseguras
Que ardem em silêncio
Sem fome das tuas mãos.
Daqui te escrevo
Onde o mar não existe
E o deserto é imenso
No silêncio da tarde.
Daqui te escrevo
Desta tarde sem fim
Onde arde a cidade sem mar
E o deserto sem cidade
Onde arde em silêncio
Na tarde das tuas mãos
Todo o silencio da tarde.
(adao cruz)
Pobre de quem tem medo das esquinas da vida
e só caminha pelas ruas a direito
bem iluminadas!
Nunca tem sonhos nem surpresas.
Vive na pálida
insípida e mistificadora rotina da vida
que tu e eu bem conhecemos
porque somos exactamente sonhadores. [Read more…]
Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia
Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram
Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram
Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto
Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!
A saudade vai de barco
leva na frente a luz vermelha
que fende as águas verdes.
Atrás uma palmeira
menina do deserto
aprisionada no sonho.
Balançam copos de vinho
à flor do mar incerto
e a música desce ao fundo do mar.
O peito estremece
e entrelaça os remos
nas mãos da água
que já não abraça
o ventre do casco verde.
(adao cruz)
“Mãos de mulheres, cheias de ternura,
cozinharam seus filhos,
que lhes servirão de alimento,
quando da ruína da filha do meu Povo.”
Bíblia. Livro das Lamentações, Jod
«O que é um homem bom?»
O que é um homem bom?, penso e pergunto-te
sem medo da palavra que não trova com o mundo,
de quando em vez, acosso-te: «O que é um homem bom?»
novamente assomo sem pudor de te perturbar ainda; vivo assim:
sem medo da tua pele tão à beira de mim, sem me retrair nos olhos
e fico de borco desejando despenhadeiro – tua voz – essa vida com sotaque vigilante
e se a minha palavra se abeirasse dos teus olhos
não sei se seria um lago, neve, iogurte dentro do prazo, a leve vida,/
ou Elisa cantando: Tanzânia, T-a-n-z-â-n-i-a, T-a-n-z-â-n-i-a,
T-a-n-z-â-n-i-a sem adivinhar um punhal
levando a morte ao seu corpo;
sei, talvez, que essa palavra seria sempre um objecto secundário,
um acessório de uma memória suja, demente ou ambição de vertigem
face de um fragmento rudimentar com que irias à procura
de qualquer coisa que te lembrasse
que não existe diz-que-diz-que na solidão
essa pele que absorve a fundo a noite
outra vez vem ter comigo, imploro!
acossa de relance – nos meus olhos – a tua mão, par
da mão que desossa com o cutelo os ossos, toca piano,
mão engatilhando, levando a extinção na sua força, fixando
os corpos no seu tempo “ A guerra foi há duas semanas”, diz o homem
com as duas mãos no volante. O que é um homem bom?, vacilo
— a mão de Sacha nas mãos
da mãe de Sacha; os olhos das mães crescendo
como a tensão nas mãos da mãe de Sacha —
tanta face de lume! quando pensas noutro humano
tão impartilhável como é para mim o teu corpo de remendos,
depois vêm as palavras que seguram
o homem empoleirado, podando a preceito os ramos
de árvores russas, isso, as árvores eram russas,
as copas das árvores russas, a cidade ao fundo,
um enquadramento, um plano
tal como o rosto de infância a ser enterreado
na improvisada vala comum,
a areia tapando o rosto infantil de olhos abertos,
os corpos amontoados na carrinha de caixa aberta,
mas esse relâmpago em câmara-lenta — a última imagem — os olhos abertos
o bebé, e outras palavras juntam-se a ti: manga-curta manga-comprida
porco-preto porco-branco
« o porco-preto é mais difícil de conseguir, corre mais»
e os corpos arrojados até à porta da embaixada
as copas das árvores russas, os sacos de comida para o gato
a cultura do açafrão, Maria, a campa da Maria, as mãos da Marias
separandos as lágrimas do rosto, para se sentir mais na morte do filho,
o filho da Maria a galope do cavalo entrando pelo lago num dia de verão
russo, a aldeia russa da Maria, o marido da Maria e a nova mulher nova
a Maria entrando terra adentro com as suas mãos respirando a força do sol,
a comoção do realizador com a morte e campa da Maria, com as palavras da filha da Maria,/
a Maria fixando-se palavra viril
e ficas a pensar na possibilidade do nome das coisas, das tuas coisas quotidianas, tão a jeito e próximas da tua indiferença,
« o porco-preto é mais difícil de conseguir, corre mais»
(Foto de Rodrigo Antunes, LUSA) Os trabalhadores e os proprietários de estabelecimentos de restauração e similares (restaurantes, cafés, bares, etc) vieram para a rua protestar contra a situação que estão a viver desde março de 2020. Mais do que um protesto foi um acto de desespero. Nalguns casos estão sem trabalhar desde março (bares e […]
Fechar as escolas é péssimo. Não fechar ainda é pior.
acabar o jogo», não há um jornalista que responda: «o Pizzi não acabou o jogo, senhor Pepe, o Pizzi foi substituído ao minuto 77»?
Para Ventura, há portugueses de primeira e portugueses de segunda. Para Ana Gomes, temos de contar com as mulheres para mudar isto.
Mais um episódio de “o meu identitarismo é melhor do que o teu”.
Pois, OK. Mas era sobre assuntos sérios e não sobre futebolices. Já agora, ainda bem que houve quem não tivesse medo. Obrigado.
Ler aqui. Pena a decisão não ter sido tomada em defesa da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa.
… já foi eleito tantas vezes, nas últimas semanas, que poderá ser obrigado a cumprir três ou quatro mandatos seguidos.
Na escola, a disciplina de Cidadania é obrigatória e a miudagem faz educação física de máscara, mas a cura para a maior peste que algum dia assolou a humanidade é “facultativa”. Trata-se de cognição quântica, processos de decisão inspirados nos diários de Schrödinger.
Efectivamente: «Setor diz que “é a cereja no topo do bolo” para acabar de vez com a atividade».
This is not America. This is America. (Flag. Jasper Johns|MoMA)
Não vi a entrevista do André Ventura. Mas quem gosta dele, diz que o MST foi duro. Quem não gosta, diz que foi levezinho. Mais um típico caso tuga de “na minha área é bola na mão, na tua é mão na bola”.
Finalmente, acabou o tempo em que jogávamos à grande e à francesa e voltamos a jogar à “quase que era” e à portuguesa. Confesso, tinha saudades!
Aqueles que aplaudem o jornalista da CNN que se emocionou com a vitória de Biden são os mesmos que criticaram o Rodrigo Guedes de Carvalho quando escrutinou ao máximo a ministra da saúde. Haja mínimos.
Há anos houve o chamado orçamento Limiano. Agora vamos ter o governo Terra Nostra.
Gosto dos dois, dos queijos, entenda-se.
Sim, leram bem: os republicanos meteram uma chalupa no Congresso que acredita que Trump está em guerra com um lobby pedófilo que quer dominar o mundo. RIP, GOP.
Açorda. Enquanto reflectimos acerca da Geringonça açoriana, recomendo um texto do António Fernando Nabais, uma delícia da Banda do Casaco e esta fotografia.
«Este OE falha na questão mais importante do nosso tempo.» Efectivamente.
Ministro da Saúde demitido por organizar reunião num restaurante. Quer se concorde ou não com as medidas, pelo menos não há dois sistemas num país só.
Quanto apostam que amanhã vai haver trocadilho com a Teoria da Evolução nos jornais desportivos?
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