Posição da APP sobre a decisão de homologação de um novo Programa de Português para o Ensino Bás

appAPP (Associação de Professores de Português)

O Despacho 2109/2015, de 27 de fevereiro, determina que será concluída uma nova proposta do Programa de Português para o Ensino Básico, a ser colocada à discussão pública ainda durante o mês de março de 2015. Este documento visa agregar o Programa de Português de 2009 (PPEB) com as Metas Curriculares (MC) de 2012, procurando constituir-se como “um documento único perfeitamente coerente”, introduzindo “os eventuais reajustamentos mínimos indispensáveis” que não obriguem à adoção de novos manuais.
O Despacho autojustifica-se com “os resultados positivos” que teriam sido verificados em sala de aula, “conforme as consultas efetuadas junto das escolas e análise dos respetivos resultados da avaliação dos alunos” e com os “muitos testemunhos sobre a pertinência da entrada em vigor das Metas Curriculares”.
Como é possível chegar a estas conclusões? Pode-se afirmar que, em menos de três anos, a adoção das MC sobrepostas ao PPEB teve efeitos positivos em sala de aula? Como e quando foi realizado esse estudo? Por que razão não é do domínio público? Certamente que não será a partir dos resultados dos exames nacionais que se podem tirar conclusões robustas, uma vez que só em junho de 2015 os alunos do 6.º ano que estudaram no âmbito do PPEB revisto pelas MC irão prestar provas. Quanto aos alunos do 9.º ano, estudaram com base nas MC em 2013-2014, mas não o tinham feito nos anos anteriores. Aliás, o calendário de implementação das MC, como se pode verificar, só pelos exemplos anteriores, é bastante incoerente (Cf. Despacho n.º 15971/2012). Portanto, se não é a partir dos resultados dos exames nacionais, onde se encontram os resultados positivos invocados no Despacho 2109/2015 que justificam a próxima homologação de um novo programa de Português?
A falta de rigor científico no documento das MC, que foram muito pouco alteradas, apesar dos vários pareceres negativos recebidos, como por exemplo o da APP e da APL, faz recear uma igual falta de rigor científico no novo programa de Português para o Ensino Básico.
Uma das diferenças cruciais entre o PPEB e as MC reside na organização do currículo de Língua Materna em competências, conceito cientificamente validado pela investigação em ensino das línguas há várias décadas. A proibição da explicitação deste conceito nas MC e numa nova versão de programa agudizará um paradoxo epistemológico, pois é inerente ao ensino e à aprendizagem de uma língua (cf. QECR, e.o.) trabalhar competências; por exemplo, fazêmo-lo ao realizar uma produção escrita, ao ler, ao realizar uma produção oral. Contudo, segundo as MC e, tudo indica, segundo o programa com elas “harmonizado”, esse trabalho deverá ser descrito ou explicado a partir de conceitos como “capacidade” ou “conhecimento”. Como diria Galileu Galilei, “E pur si muove!”
Outros exemplos de falta de rigor das MC e de divergência em relação ao PPEB podem ser apresentados, como, no domínio da Gramática, o caso da omissão de funções sintáticas principais ou da omissão do conceito de constituintes de frase (grupo nominal, grupo verbal, grupo preposicional…), que garante, nomeadamente no 1.º ciclo, a compreensão do conceito de função sintática.
No PPEB opta-se por um trabalho de explicitação progressiva de propriedades da língua, sem o recurso obrigatório a metalinguagem, e valoriza-se o papel da gramática na melhoria dos desempenhos dos alunos na escrita, na leitura e na oralidade. Será que no programa “harmonizado” com as MC se vai continuar a optar por uma gramática focalizada em aspetos taxionómicos da morfologia, das classes de palavras, da sintaxe, em tarefas classificatórias, tantas vezes áridas e improdutivas?

O PPEB resultou de um processo muito aberto de consulta pública que envolveu estudos, experiências curriculares anteriores, pareceres e formação. Foram reunidos consensos por parte de especialistas de diversas áreas, técnicos e professores do ensino básico. A informação foi analisada, publicada e divulgada. A nova proposta de programa terá em consideração os resultados deste processo ainda recente? Como será promovida a consulta pública do novo documento?
A falta de rigor científico num documento normativo não é inconsequente. Na verdade, um bom professor pode ensinar bem com um mau programa, mas a falta de rigor acarreta necessariamente uma desqualificação do ensino e da aprendizagem. A isso acrescem outros problemas que as MC e o programa que com elas será “harmonizado” não resolvem, ou resolvem insuficientemente, ou resolvem mal. De facto, MC e novo programa não poderão responder a várias perguntas decisivas, nomeadamente:

– Que textos literários absolutamente obrigatórios todos os alunos do Ensino Básico devem ler?
– Para além do “contacto continuado com a melhor literatura portuguesa”, devem os alunos ter também contacto continuado com a melhor literatura em língua portuguesa?
– Quem deve decidir acerca desse corpus textual?
– Como evitar que o novo programa conduza a situações de nivelamento simplificado ao definir uma organização por anos de escolaridade?
– Como é possível que o novo programa não obrigue a alteração de manuais escolares, quando a introdução das MC, que tinham como referência o PPEB, impôs essa alteração?
– Como é possível respeitar “a autonomia pedagógica dos professores” e continuar a impor-lhes a leitura obrigatória, não só de autores e livros, mas igualmente de textos selecionados?

Para garantir um trabalho coerente e consistente, com efeitos verdadeiramente robustos e que justifiquem os custos que facilmente se antecipam a estas medidas agora tomadas, será preciso responder com rigor e honestidade científica e pedagógica às questões anteriores e resolver os problemas enunciados.

Professores em Assembleia Geral da Associação de Professores de Português,

Évora, 6 de março de 2015

Comments

  1. A Associação de Professores de Português é uma organização colaboracionista na implementação do – ilegal, inútil, prejudicial, ridículo, totalitário – «acordo ortográfico de 1990» (é mesmo uma das mais «fundamentalistas» nesse âmbito), pelo que as suas declarações, opiniões, posições, a respeito de qualquer assunto não têm credibilidade nem relevância.

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