Postcard from between Niagara Falls and Washington D.C.

‘You are all set to go’ or ‘welcome to the land of the free and the home of the brave’

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Levanto-me às dez da manhã em Niagara Falls, com a vista absolutamente delirante das American Falls, ali mesmo à minha frente. Tomo banho, constato que tenho cada vez mais borbulhinhas de que não sei bem a origem (alergia ao calor, provavelmente… nunca me tinha acontecido) e saio para tomar o pequeno almoço. Tenho de fazer o check out até ás 11h, por isso despacho-me e regresso ao hotel. Pago e fico um bocado no átrio, à espera que sejam horas do meu autocarro para Burligton, onde hoje apanharei o comboio para Toronto. Não havia comboios diretos à hora que pretendia regressar e esta foi a solução encontrada.
 
O taxista que me levou a mim e ao trambolho que me acompanha, agora já com muita roupa suja dentro, fez um caminho diferente do de ontem. Não me falou no Cristiano Ronaldo e conduziu em silêncio. Até que eu lhe disse que o caminho por onde seguíamos, junto ao Niagara Parkway primeiro e depois serpenteando o rio, era muito bonito. Disse que sim e que todos os dias fazia dezenas de viagens por ali mas que lhe era impossível não ficar embasbacado a olhar para as cataratas. É mesmo. São poderosas. Já o disse ontem. E maravilhosas. E torrenciais, como convém a cataratas.
 
Apanho o autocarro, em frente à estação de caminhos de ferro. A viagem dura cerca de uma hora. Em Burlington a estação está em obras e não é muito agradável. O comboio das 14h07 foi cancelado, anuncia uma voz mecânica aos passageiros da plataforma 3. Teremos de apanhar o próximo, às 14h37, para a Toronto Union Station. Para ali ficamos. Fumo uns dois ou três cigarros. Ninguém me recrimina. O tempo está agradável, sem estar muito calor. Corre mesmo uma vaga brisa na estação. O comboio chega. É diferente do que tomei ontem, o rápido para Nova Iorque. Mais tarde neste dia hei-de arrepender-me de não ter apanhado hoje esse comboio, ou amanhã. Mas agora ainda não. A viagem de comboio dura mais uma hora. É simpática. Sossegada. Dá para ir apreciando a paisagem. Adoro viajar de comboio, já se sabe. Lamentavelmente tomei uma decisão errada: voltar para trás, para Toronto e apanhar o avião para Washington D. C. no aeroporto Billy Bishop, no meio do lago.
 

Chego a Union Station e vou para o aeroporto imediatamente. Como não sou cidadã americana nem canadiana não pude fazer o check in online e por isso tenho de estar ali mais cedo. O aeroporto fica numa ilha do Lago Ontário e pode ser alcançado por ferry ou através de um túnel por baixo da água. Escolho este último caminho. Faz-se bem, tem tapetes rolantes, é fresco, largo, arejado. Faço o check in sem problemas, passo no controlo de segurança igualmente sem problemas. O aeroporto tem pouco movimento. Tudo corre bem, sinto-me bem, apesar da alergia que arranjei… Chego ao átrio do embarque depois de me ter deliciado com a vista deslumbrante sobre Toronto, desde o aeroporto. Há café, água, sumos, bolinhos, chá… tudo gratuito para os passageiros. Que coisa simpática, penso eu. O Canadá é mesmo um país civilizado. Em todos os funcionários a mesma simpatia, o mesmo respeito. Vou daqui verdadeiramente encantada com estas pessoas.
 
O encanto não me passa mesmo quando anunciam que o voo foi atrasado. Há raios e coriscos sobre Washington D. C. e por isso não se pode aterrar. Começo a ficar apreensiva. Vou comer qualquer coisa. Mais atrasos. O átrio minúsculo começa agora a parecer-se com uma feira, com as pessoas deitadas ou sentadas no chão, para além de todas as que estão sentadas nos sofás. Anunciam um atraso ainda maior no meu voo e em mais alguns (Boston, Nova Iorque…). Quero fumar, penso, mas tenho de sair, atravessar o túnel outra vez e regressar e passar de novo pelo controlo de segurança. Olho para o trambolho mais pequeno mas ainda assim pesado… depois para o homem com ar simpático sentado no sofá ao lado. Pergunto-lhe para onde vai, depois de o ter cumprimentado. Nova Iorque, responde. Mas está atrasado também o voo. Pergunto-lhe se me olha pela mala, porque quero ir fumar. Sorri e diz que com certeza. Lá vou eu a toda a pressa. Vou a meio do caminho e penso que na mala que o simpático nova iorquino está a tomar conta está todo o meu dinheiro americano, a minha máquina fotográfica, o meu tablet e dois ou três dos meus relógios. Respiro fundo e penso… bom… mas ainda tenho comigo o passaporte e os cartões. Temos de ser positivos. Mas fico com o sentimento que fiz asneira. Confiar assim a mala a um perfeito desconhecido só porque tem um ar simpático?
 
Em vez de um, fumo dois cigarros. Já que ali estou. As coisas, a ser roubadas, sê-lo-ão na mesma quer eu fume um ou dois. Portanto, sou neste momento a descontração em pessoa. Um. Dois. Regresso a refazer tudo: túnel, segurança, átrio de embarque. O homem ainda lá está. A minha mala ainda lá está. Claro que não verifico absolutamente nada. Mal me sento ele diz-me: ‘agora é a sua vez de olhar pela minha mala’. ‘Com certeza’, digo eu. Não sei onde ele vai, mas ali fico com a mala dele e a minha. Apalpo a última discretamente e parece estar tudo no seu lugar. Tudo o que consigo identificar. Claro, o homem não me ia roubar. Que ideia estúpida. às vezes parece que tenho a voz da minha mãe na cabeça, é o que é. Não se deve confiar em estranhos. Mas, na verdade, não tenho feito outra coisa na vida senão desobedecer aos ensinamentos da minha mãe. Especialmente a este. Algum dia aprendo que também nisto dos estranhos ela tem razão, aprendo da pior maneira… mas hoje ainda não foi esse dia. O homem regressa e agradece-me. Trocamos palavras e sorrisos de circunstância.
 
Finalmente o voo dele sai. Passado uma meia hora sai o meu. Está com duas horas de atraso, mais minuto, menos minuto. Chegamos a Washington D. C. às 10 da noite. O voo foi calmo, com uns relâmpagos ao longe e um rapaz judeu igualzinho ao Woody Allen, mas muito mais alto por companhia. Estou muito cansada. Penso que vou levar tempos infinitos na alfândega e canso-me mais. Chega a minha vez de passar. Mostro o passaporte e a declaração. ‘O que vem cá fazer?’, ‘Conhece aqui alguém?’, ‘para onde vai a seguir?’, ‘Qual é a sua profissão?’… ‘ponha aqui os dedos da mão direita, agora os da esquerda, tire os óculos, ok,… ‘you are all set to go’ e carimba-me o passaporte. Nem 5 minutos. Estou ligeiramente desapontada. Esperava um interrogatório tenebroso e, basicamente, o que me dizem é ‘welcome to the United States’. ‘Piece of cake’.
 
Vou para fora do aeroporto. Mais cigarros. Reentro e procuro um transporte qualquer. Vou numa shuttle partilhada. Custa um terço de um táxi e, depois destas coisas todas, é bastante melhor que apanhar um autocarro e depois o metro. Entro na carrinha e o motorista parece que está adormecido, recostado no banco. Mal me vê põe-se direito e cumprimenta-me. Estamos ali um bom bocado. Parece que está à espera para ver se há mais clientes. Chega um colega e põem-se a falar em francês. Sigo a conversa com atenção e quando o colega lhe diz que tem de me levar porque sou a única cliente, exclamo ‘voilá!’. Voltam-se os dois ao mesmo tempo para trás e o condutor pergunta: ‘mas é francesa?’. Que não. Mas sei um bocadinho de francês. A partir daí a viagem (cerca de meia hora) até ao hotel faz-se em francês. É dos Camarões, está nos EUA com a mulher há já seis anos, gosta do trabalho que tem e vai este ano pela primeira vez regressar à terra natal, de férias. Diz-me que já tem a cidadania americana: ‘je suis un citoyen des États Unis’ e di-lo com orgulho, com prazer, com felicidade. ‘The land of the free and the home of the brave’. Basicamente é o que ele sente. É também o que diz o hino americano. Faz sentido. Atrevo-me a perguntar-lhe em quem vai votar e ele diz que é ‘pour la femme’. ‘Hilary?’ pergunto eu, ‘oui’. ‘Je suis très contente que vous ne votez pas pour Trump’, digo-lhe genuinamente.
 
É quase meia noite quando me deixa à porta do hotel. Um pardieiro, se comparado com aquele de onde venho em Niagara Falls. A vida tem altos e baixos e as viagens também. São só duas noites. É limpo e tem ar condicionado. Não hei-de morrer por isso e, assim como assim, já estou cheia de borbulhas no corpo. So, for the moment, I am all set to go to bed. Amanhã faço o passeio turístico e esta sensação de que este hotel é um ‘shit hole’ (ok, o hotel é um shit hole’) há de passar-me. E depois de amanhã chegarei, hopefully, à Penn Station, Nova Iorque e a um hotel mais agradável, espero.

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