A ingenuidade de João Miguel Tavares

É verdade que há uma tendência tribal para devolvermos ao outro lado as acusações, uma espécie de “quem diz é quem é” muito infantil. Isso nota-se nas discussões sobre futebol, quando criticamos o caceteiro adversário sempre que dizem mal do nosso caceteiro. Confirma-se na política, quando a alusão à imoralidade de uns despoleta referência à falta de ética dos outros.

Com José Sócrates sob fogo cerrado, há, é verdade, socialistas a lembrar a existência de Isaltinos ou de Relvas, mais os submarinos e os bêpêénes. João Miguel Tavares, no entanto, desvaloriza isso, colocando Sócrates num patamar superior a todos os corruptos de direita, garantindo que “aquilo que Sócrates procurou fazer nunca ninguém tentou antes: uma colonização feroz e autoritária de todos os ramos do poder – político, económico, financeiro, judicial e mediático.”

A memória de JMT é fraca ou a sua ingenuidade é grande. Antes de Sócrates, Mário Soares ou Cavaco Silva procuraram fazer o mesmo. Depois de Sócrates, a máquina pafista e arredores desenvolveram (e desenvolvem) estratégias várias, nomeadamente ocupando, a expensas próprias, espaços mediáticos (vamos lá a ver os donos da comunicação social, mesmo que haja quem afirme que os jornalistas são todos de esquerda), não precisando de distribuir cargos pela simples razão de que muitos já lá estão. Aliás, entre PS e PSD a diferença está sobretudo no D, porque andam, há muitos anos, num trabalho hábil e silencioso, a dividir poderes vários, fique o senhor doutor com a vazia que eu, desta vez, aceito o lombo, para a próxima trocamos e até juntamos um paiozinho de porco preto, se não formos nós a tratar de nós, quem trataria?

O caso de Sócrates, ainda assim, é realmente diferente de outros: foi parar à prisão e corre o risco de voltar para lá. A história desta personagem ainda está por fazer, mas parece-me que há aqui uma crença patológica na impunidade ou uma mitomania autodestrutiva e fascinante ou uma inabilidade própria de um rinoceronte descontrolado.

Tal como João Miguel Tavares, sou suspeito relativamente a Sócrates, porque se trata de uma figura que me enoja há anos, porque as suas palavras enquanto primeiro-ministro foram sempre reveladoras de uma enorme desonestidade, tendo contribuído para manter o Estado ao serviço de poderes privados, trabalhinho que Passos Coelho fingiu não agradecer e que aprofundou. Não estou, portanto, a defender o antigo primeiro-ministro, mas, por amor de quem lá têm, Sócrates, tirando o folclore judiciário, não é um caso único e esse é o grande problema da nossa democracia. Outro problema é o dos cronistas que se fingem ingénuos, mas ninguém disse que a democracia era perfeita.

Comments

  1. Rui Naldinho says:

    Tal como JMT, também eu sou um obsessivo anti Socrático, apesar de ter caído na asneira de ter votado nele uma vez, para ter a ”garantia” de que Santana Lopes não iria sentar o rabinho em S. Bento. Mas ainda assim há uma diferença gigantesca na forma como olho toda esta desgraça, que se abateu sobre nós. Contrariamente a JMT, eu acho a falência dos bancos, ou as privatizações feitas à medida dos amigos, alimentada por uma comunicação social que se pôs a jeito, um terrível crime lesa pátria.
    Nessa matéria de antisocratismo, eu sinto mais empatia pela formulação enfatizada por Jerónimo de Sousa quando afirmou acerca do PS, PSD e CDS:
    “Mais moída, menos moída, é tudo farinha do mesmo saco.”

  2. Luís Neves says:

    E do António Guterres é proibido falar.

  3. O JMT ganha dinheiro no Jornal Publico e no Governo Sombra porque Sócrates vende. Eu já o incitei a falar da Tecnoforma, disse-me que sim e nada.

  4. Paulo Neves says:

    Enquanto não pararmos todos de ver a política como uma extensão do campeonato Nacional não saímos disto. O sistema precisa de ser melhorado. Entretanto se não acontecer com este fulano será com outro. O único fator comum é o sistema. O resto é marketing político.

  5. JgMenos says:

    Não há como desvalorizar Sócrates.
    Nunca um vigarista de feira, grosso e descarado, teve tal séquito de seguidores e adoradores.

    O que trazia de mais aliciante?
    A feroz defesa do poder ao PS, TODO o poder!

    Quando o Seguro não deu garantias de ter o poder da seita como o primado da Política, logo lá puseram um dos do séquito; estão lá todos e sempre no mesmo jogo, o poder à cambada.
    Desde as raízes na monarquia constitucional, ao republicanismo, à maçonaria. à luta pela liberdade (de abocanhar o poder), até hoje e sempre, essa é massa de que se faz o PS.

    É preciso gente para combater fogos? Vamos a isso, mas com gente da cambada. Sempre!
    (com uma ou outra figurinha para disfarçar…e que cumpra a regra)

  6. ZE LOPES says:

    Não há como desvalorizar Coelho.
    Nunca um vigarista de feira, grosso e descarado, teve tal séquito de seguidores e adoradores.

    O que trazia de mais aliciante?
    A feroz defesa do poder ao PSD, TODO o poder!

    Quando o Rio não der garantias de ter o poder da seita como o primado da Política, logo lá hão-de um dos do séquito; estão lá todos e sempre no mesmo jogo, o poder à cambada.
    Desde as raízes na monarquia constitucional, ao salazarismo, ao marcelismo, à luta pela liberdade (de abocanhar o poder), até hoje e sempre, essa é massa de que se faz o PSD.

    É preciso gente para combater fogos? Vamos a isso, mas com gente da cambada, como Jaime Soares. Sempre!
    (com uma ou outra figurinha para disfarçar…e que cumpra a regra)

    V. Exa Gostou deste comentário?

    Fui eu que inventei!

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