Não, a austeridade não acabou!

[Santana Castilho*]

Os argumentos de Costa e Centeno dizem uma coisa, mas os factos dizem outra: a austeridade não só não acabou, como se agravou para os funcionários públicos, devido à manutenção dos salários nominais em 2018 e 2019. Os professores e todos os funcionários do Estado estão sujeitos a uma austeridade salarial clara e todos os portugueses sofrem uma impiedosa austeridade fiscal, via impostos indirectos.

Qualquer trabalhador do sector público pode fazer o seguinte cálculo: considere o valor da remuneração auferida em Dezembro de 2017; considere o valor da remuneração resultante do descongelamento das carreiras e do aumento faseado, tal como previsto, durante os anos de 2018 e 2019; ao valor do aumento registado no fim de 2019 subtraia o valor da inflacção no período em análise; verificará que o que melhorou não chega para anular a erosão do poder de compra do seu salário nominal. Recorde-se que a erosão aludida começou com o agravamento do IRS em 2013, prosseguiu com a sobretaxa e a revisão dos escalões e acentuou-se com a subida dos descontos da ADSE (de 1,5 para 3,5%) e da CGA (de 10 para 11%), subidas estas que não foram revertidas.

A política de António Costa foi por ele assumida na recente entrevista dada ao Diário de Notícias, quando disse que prefere criar mais empregos a subir os salários dos que já estão contratados. E que política é essa? Fazer crescer o número dos funcionários públicos à custa de salários e reformas cada vez mais baixos, em termos reais. É isto diferente do ajustamento da Troika? Sim. É mais anestesiado, mas pior para os trabalhadores. E não pode ser dissociado da circunstância de 75% dos empregos criados, de que Costa e Centeno tanto se orgulham, serem empregos a salário mínimo.

Esta política de empobrecimento por via de salários baixos começa a dar resultados no sistema de ensino: começamos a ter escolas onde os alunos ficam sem professores durante largos períodos de tempo, apesar de termos milhares de professores desempregados. Trata-se quase sempre de horários incompletos e temporários, que ninguém aceita por a remuneração não cobrir o custo das deslocações e alojamento. E o fenómeno já não se circunscreve a escolas de zonas isoladas. Outrossim, já se regista em Lisboa. Por outro lado, pairam para futuro as consequências dos ataques promovidos pelos últimos governos à profissionalidade docente: o afastamento da profissão por parte dos jovens candidatos ao ensino superior vai reconduzir-nos, se nada for feito (e nada está a ser feito) à falta de professores que vivemos há quatro décadas.

Se passarmos para a gestão mais específica do ecossistema das escolas, o ambiente é desolador. Vejamos dois exemplos colhidos na actualidade:

  1. Os concursos de docentes deste ano parecem preordenados por mentes sinuosas, apostadas em prejudicar os professores e lançar o caos. Atropelou-se a lei de modo primário, como aqui fundamentei no último artigo. Mas não ficaram contentes os mandantes. Agora voltaram a mudar as regras, para prejudicar mais uns milhares de professores, que serão preteridos a favor de outros, que nunca deram uma só aula no ensino público. Embora o aviso de abertura do concurso publicado em Diário da República consigne a validade do tempo de serviço prestado no âmbito das Actividades de Enriquecimento Curricular, alguém redigiu um manual interpretativo e veio dar instruções às escolas para fazerem o contrário. Suceder-se-á uma chuva de recursos e de acções em tribunal. Continuarão as já insuportáveis visitas de cortesia dos sindicatos ao Ministério da Educação, sem resultados práticos. Mas mais uns milhares de vidas de professores ficarão imediatamente estilhaçadas.
  2. Nas provas de aferição de expressões físico- motoras, os alunos foram chamados a fazer testes com aparelhos com que nunca lidaram, porque não existem nas escolas que frequentam. Repetiu-se este ano a farsa do ano transacto, com a transumância, por empréstimo ou compra apressada, dos aparelhos necessários, ou, o que é pior, com a sua substituição por outros diferentes, para consumar uma mistificação sem fiabilidade.

Frei Tiago Brandão, abade João Costa e a noviça Alexandra Leitão transformaram o Ministério da Educação numa confraria de folclore, incompetência e arbitrariedade.

*Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

Comments

  1. Bento Caeiro says:

    Claro que a austeridade não acabou; só aparentemente – para dar a idéia que agora as coisas estariam melhor (acordos partidários, a quanto obrigas?) – se deu essa idéia. Contudo, como o Centeno muito bem sabe, a ilusão não poderia durar muito tempo e fez o que qualquer pessoa de bom-senso faria, recusa-se a aumentar a despesa. E com razão, como já indiciam os indicadores do crescimento, dando este em queda.
    Também é verdade que os funcionários, com atitudes idênticas aos que vivem do Estado e à custa do mesmo, não deixarão de exigir. Sabem, tal como os banqueiros e outros sabem, que cá estarão os contribuintes para pagar todos estes desmandos.

    • Paulo Marques says:

      Porque quatro décadas de perda salarial não chegam. Para quem diz que não é de direita nem de esquerda, nunca uma vez o Caeiro defendeu os trabalhadores nalguma coisa.

      • Bento Caeiro says:

        A melhor forma de ajudar, é ser realista e não contribuir para manter a ilusão. Por isso, se já denuncio o papel do sistema financeiro na vida das nações, tal não me impede de criticar os que vendo uma folga aparente – porque não é real – nas finanças do País, queiram, pelas suas exigências, provocar um aumento da despesa que o País não está à altura de suportar. Mais não fazendo que levar o País à anterior situação.
        Tal como eu, muitos são da mesma opinião – aumento de despesa, seja para alimentar os bancos ou para o funcionalismo público – para este peditório não contem comigo.
        Até porque, como já se está a notar, o crescimento da economia já está a abrandar. Também, porque sei que quem acaba por pagar tudo isto são os contribuintes.

        • Paulo Marques says:

          “Tal como eu, muitos são da mesma opinião – aumento de despesa, seja para alimentar os bancos ou para o funcionalismo público – para este peditório não contem comigo.”

          Claro que contam. O superávit tem que vir de algum lado, ou das poupanças ou das balanças comerciais. Quando o turismo abrandar e não ter chegado a haver investimento para mais coisa nenhuma, acha que o dinheiro para atenuar a montanha de dívida privada na banca vai vir de onde?

          • Bento Caeiro says:

            Obviamente, Marques, que sou forçado como a generalidade dos cidadãos a fazê-lo. Como se depreende facilmente do que eu disse: comigo, conscientemente e de vontade, não contem comigo; pelo que mostrarei a minha recusa e oposição – sempre que poder – a tais intenções, mormente por parte dos que fazendo apenas parte da despesa mais não pretendem que aumentá-la fazendo que tenhamos – apesar de não o querermos – de participar.

          • Paulo Marques says:

            Pode-se queixar o que quiser, a equação de fluxos monetários não quer saber. Se o estado corta, o privado eventualmente segue (seja primeiro do lado das empresas ou dos consumidores), ciclo que se auto mantém.
            Com as empresas sem terem com que investir, a menos que defenda que o país se torne na praia da Eurolândia (e só as alterações climáticas garantem o eventual falhanço), a sua posição não faz sentido.

            E tudo isto era dito, repetido e óbvio durante a caranguejola, agora já é radicalismo… porque sim.

  2. Missa semanal... Amém says:

    O eterno candidato a ministro a mostrar a sua azia! Acólito do papa pedro da austeridade…

  3. Pretor says:

    A verdade doi, mas é assim mesmo.
    Estamos iguais ao tempo da troika

  4. Nascimento says:

    Professor.!
    Não diga tal coisa.Os novos padres só querem repartir os votos dos ” pobrezinhos’.
    Ladrões ?só quem negoceia 3000€, ou tem 50 mil num banco!Que o diga o padre Louça! São tao giros os velhos komunas!Sô ainda não deram conta que os “pobrezinhos” nem sequer votam! Vão para a praia!Nunca aprendem .
    E o mais giro é que a ” moral” vem dos maiores corruptos da democracia!o PS!Acompanhado do presidente que andou anos a curtir no Brasil com Ricardo Salgado!Lindo.

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