O estado dos negócios

Apesar de todas as tensões com os EUA, a União Europeia não perde o sentido do negócio. Com o intuito de amainar as relações comerciais transatlânticas, abaladas pelas medidas norte-americanas contra as importações da UE e os ataques à ordem comercial global, o novo comissário europeu para o comércio, Phil Hogan, planeia visitar Washington já próxima semana.

Na agenda para as conversações com o representante norte-americano para o comércio, Robert Lighthizer, Hogan leva a ameaça americana de impor tarifas aduaneiras a bens franceses no valor de 2,4 mil milhões de dólares, em retaliação ao imposto francês sobre as gigantes tecnológicas – em especial a Google, Apple e Amazon, cujas manobras de evasão fiscal são vastamente conhecidas.

O abandono dos acordos internacionais que visam combater as mudanças climáticas, o controle das armas nucleares na Europa e o programa de energia atómica do Irão são algumas das causas mais gerais das tensões transatlânticas; já no âmbito do comércio, os pontos centrais do conflito da UE com os EUA vão muito além de possíveis tarifas de retaliação americanas vinculadas ao imposto digital da França, a saber:

  • O impasse no órgão de recurso da OMC causado pelo bloqueio dos EUA à nomeação de novos membros;
  • As tarifas dos EUA sobre uma gama de produtos europeus, na sequência da decisão da OMC relativa ao apoio estatal ilegal à Airbus (estando a decorrer idêntico processo em relação à Boeing);

  • As tarifas dos EUA sobre o aço e alumínio europeus, com base em controversos motivos de segurança nacional e

  • A repetida ameaça dos EUA de impor taxas aduaneiras aos automóveis europeus.

Ora, o ponto número um para os americanos é a inclusão dos produtos agrícolas no âmbito das conversações sobre a redução dos direitos aduaneiros sobre bens industriais.

Sabendo do “poder de persuasão” da administração Trump e da capacidade da Comissão de vergar os padrões europeus ao interesse superior do grande negócio, bem podemos começar a tremer por mais um ataque a uma tão almejada agricultura europeia mais sustentável.

Comments

  1. Paulo Marques says:

    Até um idiota consegue fazer tremer uma zona económica focada na austeridade. E não me parece que seja desta, nem ajudado com os bonitos discursos do BCE, ou tão pouco com as chamadas de atenção dos bastiões esquerdistas que são o FMI e a OCDE.

  2. Rui Naldinho says:

    Utilizei o tradutor automático visto o artigo estar em alemão. Mas a sua leitura é quase obrigatória. Vale a pena ler.
    Já agora, obrigado Ana por nos manter atentos para estes fenómenos gerados pelo capitalismo, os quais, maioria das vezes passam-nos ao lado, na correria dos dias.

    “……Crescimento verde é uma ilusão. O capitalismo que conhecemos é incompatível com a sobrevivência do planeta. Já é tempo de projetarmos um novo sistema económico (George Monbiot)
    Passei a maior parte da minha vida adulta contra o “capitalismo corporativo”, o “capitalismo de consumo” e o “nepotismo capitalista”. Levei muito tempo para perceber que não é o adjetivo que é o problema, mas o substantivo. Enquanto outros rejeitaram com alegria e rapidez o capitalismo, eu o fiz de maneira extremamente lenta e relutante. Parte do motivo foi que não consegui ver uma alternativa clara. Ao contrário de alguns anticapitalistas, nunca fiquei entusiasmado com o comunismo de Estado, fui prejudicado por seu caráter quase religioso. Dizer “o capitalismo falha” no século 21, é como dizer “Deus está morto” no século 19. Isso é blasfémia secular e requer um nível de autoconfiança que eu não tinha.
    Mas, à medida que envelheci, percebi duas coisas. Em primeiro lugar, é o próprio sistema, e não apenas uma certa forma do sistema, que nos faz tropeçar sem parar numa catástrofe. Segundo, que você não precisa ter uma alternativa definitiva para dizer que o capitalismo falha. A afirmação é própria.
    O fracasso do capitalismo deriva de dois de seus elementos definidores. O primeiro é o crescimento permanente . O crescimento económico resulta inevitavelmente da busca de acumulação de capital e lucro extra. Sem crescimento, o capitalismo entra em colapso, mas num planeta finito o crescimento permanente inevitavelmente leva à catástrofe ecológica.
    Não podemos crescer indefinidamente
    Os defensores do capitalismo argumentam que o crescimento económico pode ser dissociado do uso de recursos materiais, porque o consumo continua mudando de bens para serviços. Um artigo de Jason Hickel e Giorgos Kallis no Journal New Political Economy examinou recentemente essa suposição, Concluiu que durante o século XX houve alguma dissociação – o consumo de recursos materiais aumentou, mas não cresceu no mesmo ritmo da economia – que houve uma dissociação no século XXI. Até agora, o aumento do consumo de recursos correspondeu ou até excede o nível de crescimento econômico. A dissociação absoluta que seria necessária para evitar uma catástrofe ambiental – ou seja, uma redução no consumo de recursos materiais – nunca foi alcançada e também parece impossível enquanto a economia continuar crescendo. Crescimento verde é uma ilusão.
    Um sistema baseado em crescimento permanente não pode funcionar sem periféricos e sem um exterior. Sempre deve haver uma área que é explorada – da qual os recursos são retirados sem pagamento integral – e uma área em que os custos são descartados na forma de resíduos e poluição. À medida que o nível de atividade económica aumenta até que o capitalismo permeia tudo, da atmosfera ao fundo do oceano, todo o planeta se torna a área sacrificada – e todos nós habitamos a periferia da máquina lucrativa.
    Isso leva-nos a uma catástrofe, a tal ponto que a maioria das pessoas nem consegue imaginar. Estamos em risco dum colapso muito maior do nosso sistema de suporte à vida do que as guerras, a fome, as epidemias ou as crises económicas sozinhas poderiam causar – mesmo que provavelmente inclua todas essas quatro pragas. As sociedades podem-se recuperar de tais eventos apocalípticos, mas não da perda de habitat, de uma biosfera rica em espécies e de um clima favorável à vida.
    Você pode distinguir entre capitalismo bom e ruim?
    O segundo elemento definidor é a suposição bizarra de que alguém tem direito a tanta riqueza natural da terra quanto ele pode comprar com seu dinheiro. Essa apropriação de bens comuns causa mais três falhas. Primeiro, a luta para controlar os bens não reproduzíveis que levam à violência ou à restrição dos direitos de terceiros. Segundo, o empobrecimento de outros através de uma economia baseada em saques e superexplorações no presente e no futuro. Terceiro, a tradução do poder económico para o político, uma vez que o controle sobre os principais recursos leva ao controle sobre as relações sociais que os cercam.
    No New York Times , Joseph Stiglitz , vencedor do Prêmio Nobel , tentou distinguir entre bom capitalismo, que ele chamou de “criação de riqueza”, e mau capitalismo, que ele chamou de “apropriação de riqueza”. Eu entendo essa distinção. Mas, de uma perspectiva ecológica, criação de riqueza é sinónimo de captura de riqueza. O crescimento económico, inerentemente ligado ao aumento do consumo de recursos materiais, significa retirar a riqueza natural dos sistemas vivos e das gerações futuras.
    Aqueles que apontam esses problemas devem estar preparados para uma enxurrada de acusações, muitas das quais baseadas na seguinte premissa: O capitalismo tirou centenas de milhões de pessoas da pobreza – agora você quer empurrá-las de volta à pobreza . É verdade que o capitalismo e o crescimento económico que ele promove melhoraram a situação económica de um grande número de pessoas e, ao mesmo tempo, destruíram a prosperidade e o bem-estar de muitos outros. Nomeadamente aqueles que foram privados de terra, trabalho e recursos para promover o crescimento em outros lugares. Grande parte da riqueza das nações ricas é baseada na escravidão e na expropriação colonial .
    Não há volta
    Como o carvão, o capitalismo trouxe muitas conveniências. Mas, como o carvão, hoje faz mais mal do que bem. Assim como descobrimos maneiras de gerar energia utilizável que é melhor e menos prejudicial que o carvão, precisamos encontrar maneiras de criar prosperidade humana que seja melhor e menos prejudicial que o capitalismo.
    Não há como voltar atrás. A alternativa ao capitalismo não é o feudalismo nem o comunismo de Estado. O comunismo soviético tinha mais em comum com o capitalismo do que os representantes de ambos os sistemas admitiriam. Ambos os sistemas são (ou foram) obcecados em gerar crescimento económico. Ambos estão prontos para causar um sofrimento incrível para atingir esse e outros objetivos. Ambos prometeram um futuro em que só precisamos trabalhar algumas horas por semana, mas, em vez disso, exigem um corcunda brutal e interminável. Ambos são desumanos. Ambos são absolutistas e insistem que a deles – e realmente apenas a deles – é a única religião verdadeira.
    Então, como seria um sistema melhor? Não tenho uma resposta completa para esta pergunta. E também não acho que alguém tenha. Mas vejo como é criada uma moldura aproximada. Parte disso é proporcionado pela civilização ecológica proposta por Jeremy Lent, um dos maiores pensadores de nosso tempo . Outros elementos vêm da Donut Economics, de Kate Raworth, e do pensamento ambiental de Naomi Klein , Amitav Ghosh , Angaangaq Angakkorsuaq , Raj Patel e Bill McKibben . Parte da resposta está na noção de “adequação privada e luxo público”, Outra parte surge da criação de um novo conceito de justiça baseado no simples princípio de que toda geração em todo lugar deve ter o mesmo direito de desfrutar da riqueza natural .
    Nós temos uma escolha
    Penso que o nosso trabalho é identificar as melhores sugestões de muitos pensadores diferentes e depois transformar o todo em uma alternativa coesa. Porque nenhum sistema económico é apenas um sistema económico. Ele penetra todos os aspectos da nossa vida. Precisamos de muitas pessoas de diferentes disciplinas – negócios, política, cultura, sociedade e logística – que trabalhem juntas para pensar numa melhor organização da sociedade que atenda às nossas necessidades – sem destruir nosso espaço de vida!
    No final, a escolha que temos se resume ao seguinte: Terminamos a vida para que o capitalismo possa continuar – ou terminamos o capitalismo para continuar vivendo?..”

    George Monbiot é jornalista britânico, autor, professor universitário, ambientalista e ativista

    http://www.theguardian.com

    • Ana Moreno says:

      Obrigada pelo artigo, Rui! É sufocante, esta sensação de que as receitas actuais estão obsoletas e que não há visão, nem interesse (porque outros são dominadores), em encontrar caminhos novos.

      • Importante apesar de longa esta análise, obrigada, Rui Naldinho. e consigo também digo :
        “, obrigado Ana por nos manter atentos para estes fenómenos gerados pelo capitalismo, os quais, maioria das vezes passam-nos ao lado, na correria dos dias”…

        Como diz a Ana Moreno, é sufocante mesmo .

        .” Porque nenhum sistema económico é apenas um sistema económico. Ele penetra todos os aspectos da nossa vida. Precisamos de muitas pessoas de diferentes disciplinas – negócios, política, cultura, sociedade e logística – que trabalhem juntas para pensar numa melhor organização da sociedade que atenda às nossas necessidades – sem destruir nosso espaço de vida! ” ….. diz George Monbiot

        São poucos ainda, porque deveria haver mais _ ou haverá ? _ mas muito bons artigos ( e debates media/tvs ), de alguma gente de nível alto intelectual e moral. que deviam ser e estar acessíveis e serem apelativos de modo geral à sua leitura e reflexão ….mesmo sabendo nós que a maior parte das pessoas não tem nenhuma consciência nem conhecimento deste lado sério dos tempos que vivemos, ….. mas sabem TUDO sobre futebol ! …

  3. Quanta verdade no que afirma, Ana. E vamos sentindo cada vez mais a fragilidade de uma realidade capaz de reverter este estado de coisas, a mudança que faz parte da história do mundo vai deslizando para um abismo com muitas cavernas de destruição que receamos poder ser irreversível !

    E somos tão poucos a sentir assim….eu mesma na minha muita ignorância sinto e vivo essa angustia.

    Nem este nosso pontinho azul no Universo merecia este habitante homo sapiens que o domina,
    nem esse homo sapiens merecia ser habitante do Universo !

    e no entanto tanta coisa maravilhosa se sonhou, se sonha ainda e se construiu….!

    Ficamos com o nosso abraço de cheirinho de alecrim, pá !

  4. Julio Rolo Santos says:

    Quando todos ambicionamos ganhar mais e mais para satisfazermos as nossas sempre crescentes necessidades, estamos a falar de quê? Que outra modalidade poderia substituir o capitalismo? Não confundamos capitalismo que comanda e desenvolve com os detentores do capital, os capitalistas, que exploram e oprimem quem os ajudam a fazer crescer o seu capital.

  5. Pedro Vaz says:

    TROCA: Mais uma ONG ao serviço do neo-feudalismo Globalista.

  6. Ana Moreno says:

    Que gracioso, Pedro, e onde foi buscar essa ideia luminosa?

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