O amish de Famalicão marcha para Lisboa

Há um amish em Famalicão que, enquanto encarregado de educação, tomou uma decisão radical: não deixar os seus educandos frequentar uma disciplina OBRIGATÓRIA do ensino básico.
Acho muito bem. Tão bem que decidi seguir-lhe o exemplo. Há uns dias, apanhei uma multa por circular a 130 km/hora na auto-estrada. Não vou pagar a multa. Porque acho que 130 km/hora numa auto-estrada é perfeitamente razoável. E tal como no caso do amish de Famalicão, sou eu que faço a lei e cumpro-a se quiser.
Inicialmente, não percebi o que o incomodava na disciplina de Educação para a Cidadania: É a igualdade de género? É a interculturalidade? É a sexualidade? É a participação democrática? É o bem-estar animal e o ambiente?
Acabei por perceber quando li sobre o assunto. Afinal, este católico radical, membro da Associação Portugueses das Famílias Numerosas, já em 2009 andava a lutar contra a educação sexual nas escolas; pouco depois, andou a recolher asinaturas contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo; tem como advogado João Pacheco de Amorim, do Partido Pró-Vida (hoje integrado no Chega), cabeça de lista do Chega nas Legislativas e irmão de Diogo Pacheco de Amorim, ideólogo desse mesmo Chega; esteve recentemente a manifestar-se na Assembleia da República contra um eventual referendo à morte medicamente assistida; faz parte da Plataforma Resistência Nacional (o nome diz tudo).
Compreende-se, pois, o facto de não querer que os filhos ouçam falar de sexualidade nas escolas; ou que ouçam dizer que as mulheres devem ter os mesmos direitos dos homens; ou que os pretos são iguais aos brancos; ou que o ambiente está em risco por causa de um capitalismo selvagem sem limites. É natural que, em casa, o discurso não seja este.
Nesta cruzada contra a lei, o amish de Famalicão não está sozinho. No entanto, as companhias não são as mais respeitáveis e só por elas ele já estaria apresentado. Dois dos mais execráveis políticos da democracia portuguesa, Cavaco Silva e Passos Coelho, com as responsabilidades que tiveram, apelam abertamente ao desrespeito pela lei. Representantes saudosos da Ditadura, como Adriano Moreira, ministro do Ultramar de Salazar (ainda não aderiu ao Chega?); ex-procuradores da República, como Souto de Moura, para quem só existem pedófilos à Esquerda; ou o cómico Sérgio Sousa Pinto, a quem, notoriamente, fizeram falta umas aulas de Educação para a Cidadania.
Torne-se opcional a disciplina de Educação para a Cidadania e, aproveitando a boleia, todas as outras disciplinas. Utilize-se a figura da objecção de consciência quando o professor de Ciências falar do sistema reprodutor, da saúde ou da alimentação saudável (quem é ele para dizer se os alunos devem ou não comer fritos?); ou quando o professor de História negar Adão e Eva e disser que, do ponto de vista dos factos, deus não existe e a Igreja Católica foi responsável pelos maiores crimes da Humanidade; ou quando o professor de Português leccionar o comunista José Saramago; ou quando o professor de Geografia se atrever a proclamar que a Terra é redonda.
Qualquer aluno que ultrapasse o limite de faltas injustificadas e não cumpra os planos de recuperação é reprovado no final do ano lectivo, mas os filhos do amish de Famalicão são de uma casta superior, têm privilégios especiais. Isso de ir às aulas é para os parolos dos colegas, não para eles.
Com as costas aquecidas pelos amigos fascistas, o amish de Famalicão ri-se das leis da República Portuguesa. Como não concorda com elas, não as cumpre e pronto. Está acima da lei. E isso CHEGA!
Agora, como o Ministério da Educação não concorda com ele, chegou a hora de marchar para Lisboa.

Comments

  1. anticarneiros says:

    “ou quando o professor de Geografia se atrever a proclamar que a Terra é redonda.”

    Pode parecer inacreditável, mas cerca de 10% da população do Brasil, acha que a terra é plana e não redonda.

    • fmart@sapo.pt says:

      Só 10%? Quer dizer que o Bolsonaro tem apoiantes para quem a Terra é redonda?

      • anticarneiros says:

        10% é mais do dobro da população de Portugal.
        E não acredito que esses “matumbinos”, sejam índios

  2. Alves says:

    “…São estes os domínios da disciplina de Educação para a Cidadania (cujos conteúdos podem ser consultados aqui) que motivaram um abaixo-assinado a favor do respeito pela objeção de consciência dos pais que não queiram que os seus filhos a frequentem e que juntou cerca de 100 personalidades, entre as quais Aníbal Cavaco Silva, Pedro Passos Coelho, D. Manuel Clemente, cardeal patriarca de Lisboa, e Sérgio Sousa Pinto.” esqueceu-se de mencionar estes “objectores de consciência”, do chega?

  3. Elvimonte says:

    O art. 43º, nº2, da CRP proíbe o Estado de “programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”.

    A dita disciplina não ensina os preceitos constitucionais, não ensina os preceitos jurídicos pelos quais os cidadãos se devem reger, apenas pretende inculcar preceitos ideológicos em crianças indefesas.

    Chega de indoutrinação de cariz políticamente correcto, chega de ideologia e de negação da ciência, nomeadamente da Biologia que há muito estabeleceu a existência de dois sexos confirmados pelos pares de cromossomas XX e XY, cuja evidência é abundante em tudo o que é fauna deste planeta.

    • Luis Rodrigues says:

      A ciência confirma os dois sexos no genótipo.
      A ciência também tem um conceito que se chama fenótipo que o convido a conhecer.
      A ciência também tem centenas de observações registadas de comportamentos homossexuais, heterossexuais e tudo o que há pelo meio, pelo que o argumento naturalista não está a seu favor.
      Antes de acenar com a ciência, informe-se sobre a mesma.

      • Elvimonte says:

        As chamadas aberrações estatísticas, cujas percentagens são ínfimas e nem sequer alteram a forma da curva de Gauss representativa de uma distribuição normal.

        • Luís Rodrigues says:

          Não são menos naturais por serem minoritárias.


          • A esquizofrenia e a psicopatia também são naturais. Antes que comece aos gritos, não estou a comparar esquizofrenia e psicopatia com homossexualidade, estou a dizer que o seu argumento que tudo o que é natural deve ser igualmente tolerado é disparatado.


        • Ao contrario da esquizofrenia e da psicopatia. A homossexualidade, a transexualidade e afins só por si não fazem mal a ninguém. Nem aos próprios se os deixarem em paz.
          As tais aberrações estatísticas são pessoas. Como pessoas que são, têm sentimentos e projectos de felicidade tal como os meus caros e eu.
          Condenar uma pessoa a ter uma existência merdosa só porque tem uma característica completamente inofensiva mas que algumas cabecinhas levam a mal já é só por si um cenário muito mau.
          Quando alguém acha insignificante a existência de uns seres humanos só porque estes pertencem a uma percentagem ínfima e que não-sei-o-què da curva de Gauss. Ou não tem noção que uma percentagem ínfima de, por exemplo, 1% numa população de sete mil milhões de humanos se traduz em 70 milhões de pessoas, ou… Já falamos de psicopatas? É que esses não são infelizmente uma percentagem ínfima.

      • xico says:

        Está a dizer que um homem homossexual, por o ser, não se sente homem? Ou uma mulher homossexual, por o ser, não se sente mulher? Ou que um homem bissexual se sente homem uns dias e sente-se mulher outros dias? O mesmo para uma mulher?

    • anticarneiros says:

      “Chega de indoutrinação de cariz políticamente correcto, chega de ideologia e de negação da ciência”

      Sempre me pareceu que gostavas muito da palavra “chega”

      • Elvimonte says:

        Vá tratar por tu a carneirada da sua família que eu não o conheço de lado nenhum.

    • Paulo Marques says:

      A ciência também confirma que o sexo é só para procriação, imagino.


  4. Miudagem, se têm pais “conservadores” se quiserem livrar-se das horríveis aulas de matemática basta queixarem-se que são ensinados algarismos árabes na escola.
    https://www.live5news.com/2019/05/19/should-arabic-numerals-be-taught-schools-most-americans-say-no/

  5. Abstencionista says:

    “Há um amish em Famalicão que, enquanto encarregado de educação, tomou uma decisão radical: não deixar os seus educandos frequentar uma disciplina OBRIGATÓRIA do ensino básico.”

    Havia “amishes” da União Nacional que achavam que era OBRIGATÓRIO os filhos dos outros irem combater na guerra colonial.

    Este caso de objecção de consciência não é para todos.
    É só para quem tem coluna vertebral.

  6. Filipe Bastos says:

    As falsas dicotomias têm destas coisas: tal como na discussão esquerda / direita, esse Benfica-Sporting da carneirada pulhítica, não me revejo no lado do amish nem no lado do Sr. Ricardo Pinto. Nenhum deles serve.

    E no entanto, admito certa razão ao Sr. Pinto sobre as taras do amish; e ao amish sobre as tretas destas disciplinas, em particular as que têm ‘cidadania’ no nome.

    O problema é que cada lado rejeita as taras e tretas do outro lado para impor as suas próprias, seja o cancro religioso (no caso do amish) ou a histeria woke destes tempos politicamente correctos à força (no caso do Sr. Pinto).

    Concordo com o Abstencionista no seguinte: rejeitar o que é OBRIGATÓRIO pode não ser mau; depende do que se rejeita. Dependendo de onde e quando vivemos, muitas coisas obrigatórias eram ou são absurdas. Outras são atrozes.


  7. Aos jacobinos deste blog, falta-lhes a coerência. Se realmente entendem que os “diktats” do Estado em matéria de cultura e costumes são para seguir à risca, escrevam com o português do AO90. Eu, “amish” ortográfico me confesso, e com muito gosto.


    • Lol, o ao90 dificilmente terá algo de jacobino. Foi homologado pelo subsecretário de estado da cultura Pedro Santana Lopes e assinado pelo primeiro ministro Anibal Cavaco Silva.


  8. A doutrina esquerdalha como matéria obrigatória e os professores armados em comissários políticos é programa da corja para dar seguimento à facultativa ‘religião e moral’..


    • E no estado novo, com aqueles livros de leitura era o quê, apenas arautos da verdade. Se está com tantas saudades do antigamente e de Salazar, sempre pode ir ter com ele…


  9. acho que aqui o problema são as questões do sexo…


    • Deixa de haver problema.
      Tirem todo e qualquer conteúdo de educação sexual dos nossos programas escolares.
      Os miúdos não precisam que a escola lhe ensine sobre a vida sexual. Eles são dados ao auto-didactismo.
      No meu tempo tínhamos as revistas da Gina. Hoje em dia a miudagem tem muito mais material de estudo por ai.

  10. Correia says:

    Acho interessante que se vá buscar uma série de “dados” para descredibilizar uma ação… mas não se apresentem todos: o tal católico radical também não inscreveu os filhos na disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica!!!

  11. Amora de Bruegas says:

    Nem sei se devo considerar este artigo somente um assomo de cinismo ou de malvadez encapotada. O certo, é que criticar o que critica no Homem, na Família que corajosamente assumiram e bem o combate contra a promiscuidade, a hiper sexualização e banalização do acto sexual, do fomentar de um ambiente propício aos pedófilos, é de agradecer. Acima de tudo, mostraram uma coerência difícil de encontrar em muitos que se dizem católicos e depois apoiam assassinos, caso dos abortistas e eutanazi s…, além de votarem em partidos responsáveis pelo maior crime da nossa História, a vergonhosa descolonização!

    • POIS! says:

      Pois claro!

      Há todo um clima favoravel à pedofilia. Então se os pedófilos frequentarem as aulas de cidadania estamos lixados!

      Realmente a pedofilia tornou-se um problema, mas só com a democracia. Na era salazaresca nada daquilo acontecia. Lá pelas colónias, por exemplo, forneciam bonecas insufláveis aos locais e aos soldados, para que aliviassem sem o perigo dessas coisas. Apesar de as autoctones serem tão precoces, tão precoces, que se reformavam aos vinte anos.

    • Paulo Marques says:

      Essa projecção com a pedofilia é sintomática, como se esta não acontecesse quase sempre dentro da família ou de contactos próximos desta. Se os outros estão bem, só pode ser por não sentirem a amargura da insegurança sexual por achar o colega do trabalho girito enquanto a mulher estar sempre com dores de cabeça.
      E depois, claro, estão tão preocupados com as criancinhas dos outros que se esquecem de não as deixar num mundo que não tem emprego para muitos, para muitos dos restantes só pagos a feijões, tudo recheado de muita dívida num planeta que arde – mas quem quer saber, vem aí o Genesis!

      Coerência cristã, claro, é meter-se na vida dos outros.
      “Não julgueis, para que não sejais julgados. Pois com o critério com que julgardes, sereis julgados; e com a medida que usardes para medir a outros, igualmente medirão a vós. Por que reparas tu o cisco no olho de teu irmão, mas não percebes a viga que está no teu próprio olho? E como podes dizer a teu irmão: Permite-me remover o cisco do teu olho, quando há uma viga no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás ver com clareza para tirar o cisco do olho de teu irmão.”
      “Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis, e não sereis condenados; perdoai, e sereis perdoados. ”
      etc

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