O estranho caso de Ihor Homeniúk

A morte de um ser humano em Portugal sob tortura perpetrada pelo Estado português, seria, não há muito tempo, razão para um escândalo de contundente repercussão política.

Todavia, o que se assistiu foi a uma brandura de tratamento, transversal a toda a sociedade portuguesa.

Até a página da Amnistia Internacional  Portugal, não deu grande relevo a semelhante crime ignóbil (o nome de Ihor Homeniúke é apenas referido num texto recente).

Isto numa sociedade como a portuguesa, marcada, fortemente, por valores humanistas que fazem de nós, enquanto povo, gente com repulsa pela violação da dignidade humana, gente solidária e predisposta a acudir.

Além da habitual “exigência” de “apuramento de responsabilidades”, pouco mais ou mesmo nada a dita sociedade civil e as organizações políticas em geral exigiram sobre algo que deveria ter causado engulho e revolta.

Quando, recentemente, as rede sociais começaram a movimentarem-se na demanda por explicações, aos poucos lá começaram a aparecer algumas reacções.

Começou-se, então, a construir na comunicação social a ideia de que o que se passou com Ihor Homeniúk é um problema de procedimentos do SEF.

Uma bela forma de transformar um homicídio numa mera relação de causa/efeito.

Isto, enquanto se percebe que se tentou “martelar” a causa de morte de Ihor Homeniúk, e arrastar no tempo, tanto quanto possível, qualquer demanda por demissões ou culpados.

Entretanto, a culpa transitou para a esfera abstracta da institucionalidade. Porquanto a culpa é dos procedimentos de quem trabalha no SEF. A culpa é do SEF. Então mude-se o SEF, e o assunto está resolvido.

Tudo tem cheirado mal, desde as tentativas de forjar uma paragem cardio-respiratória – denominador comum a qualquer cadáver -, passando pelo pedido de desculpas à viúva através de terceira pessoa, pela ridícula indignação do MAI, pelas declarações públicas do Comandante Nacional da PSP sobre o futuro do SEF, até, como não podia deixar de ser, ao PR que não larga a pele de comentador político quando não está ocupado a fazer propaganda.

Mas, o que cheira pior é a apatia. O silêncio e o conformismo ao longo de meses.

É certo que estamos a viver tempos, infelizmente, únicos. E, obviamente, que o estudo sociológico do que estamos agora a viver e que se perspectiva por um largo período de tempo ainda, só terá conclusões daqui a uns bons anos.

Mas, face ao modo como socialmente o caso foi acolhido, levando meses a criar brado, dá que pensar se, por acaso, o fenómeno pandémico que estamos a viver, enquanto experiência colectiva e global na sociedade coeva, em todas as suas variantes de informação/desinformação, afectos, rendimentos, estilo de vida, crise social e económica, e incertezas, estará a fazer de nós seres imunes ao grotesco?

Comments

  1. Filipe Bastos says:

    Tudo no texto é verdade, mas não me parece que a culpa seja do “fenómeno pandémico”. A apatia tuga e a imunidade ao grotesco têm pelo menos décadas.

    Este governo xuxo-sucateiro só as piorou. O exemplo vem de cima: além dos cobardes assassinos do SEF, este governo tudo branqueia e nada assume. Como podia o país ser muito diferente?

    O Costa é o epítome da impunidade crónica. Para um porco tão badocha, sempre passou lindamente entre os pingos da chuva.

    Alguém que convoca um ‘focus group’ para avaliar o efeito de Pedrógão na sua popularidade só merece paulada. Ou forca. Em vez disso foi reeleito. Com mais votos! É preciso dizer mais?

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