Notas sobre o recomeço das aulas

O governo falhou. O fechamento das escolas sempre foi uma possibilidade muito forte. A preparação deveria ter começado aquando do primeiro confinamento, mas o que interessa é adiar, empurrar com a barriga, prometer computadores esperando que não seja preciso entregá-los (o conselho de ministros reuniu na quinta-feira para aprovar a despesa para aquisição de computadores para alunos que começam as aulas hoje) . As salas de aula poderiam estar verdadeiramente preparadas para um sistema misto, com alguns alunos em casa e outros nas escolas, mas não estão.

 

 

Alguns iluminados descobriram que o fecho das escolas aprofunda as desigualdades sociais. Pois aprofunda. Como de costume, esses iluminados tentam explicar aos habituais ignorantes de tudo: os professores. Os professores sabem isso muito bem. Os professores até sabem que a condição sociocultural e/ou socioeconómica dos alunos tem um peso brutal no seu rendimento, havendo crianças que entram no Primeiro Ciclo com limitações vocabulares e, portanto, cognitivas, brutais. Os professores, por várias razões, conhecem a vida de muitos alunos que vivem privados de comida, de afecto e de acompanhamento. Os professores até sabem que as férias, para alguns alunos, são uma tortura. As escolas, na verdade, disfarçam como podem todas essas insuficiências, até porque estão transformadas em mecanismo de compensação das enormes insuficiências de uma polícia social para a juventude.

E enquanto os governos sobrecarregam as escolas, tiram-lhes condições, aumentando o número de alunos por turma, entre outras estratégias que servem apenas para baixar a despesa, mas não para ajudar os alunos.

 

 

O ensino à distância não serve para substituir o ensino presencial, por variadíssimas razões, sendo a mais importante a necessidade de contacto humano. Os professores, de uma maneira geral, no primeiro confinamento, conseguiram fazer o melhor possível, com erros, insuficiências e exageros, aprendendo, experimentando e arriscando. É preciso fazer algo muito evidente: confiar nos professores.

 

 

Convém não esquecer que os professores são os principais financiadores do próprio patrão. Para além dos impostos que pagam, é do próprio bolso que saem as despesas com transportes, alojamento e, até, formação. O material de trabalho dos professores também não é fornecido pelo patrão: da caneta ao computador, é tudo pago pelos trabalhadores. O que de bom se conseguiu fazer durante o primeiro confinamento assentou na propriedade pessoal dos professores, o que, de resto, é costume e, curiosamente, nunca fez parte das reivindicações sindicais. Se os professores não tivessem investido em material informático, o sistema de ensino à distância não existiria. Também por isso, a sociedade deve agradecer, como se agradece a um amigo que nos dá boleia porque tem carro, mas não tem obrigação de nos dar boleia.

 

 

É possível ensinar à distância, mesmo que não seja desejável, mesmo que não seja fácil e mesmo que uma circunstância indesejada não seja suficiente para criar um novo paradigma. O novo paradigma só fará sentido se resultar de uma reflexão. O futuro próximo, esperemos que sem pandemia, poderá incluir a possibilidade de apoiar alunos que, por alguma razão, seja impedido de frequentar as aulas presencialmente, entre outras possibilidades.

 

 

Aprender à distância também é possível e há quem tenha conseguido, graças a um esforço enorme de quem quer aprender e de quem quer que os alunos aprendam. Isso: esforço.

Comments

  1. Luís Lavoura says:

    Os professores, de uma maneira geral, no primeiro confinamento, conseguiram fazer o melhor possível

    Não foi o caso na escola do meu filho, que está no 11º ano. Ele diz que no primeiro confinamento só teve uma hora de aula por dia (em vez de uma manhã inteira de aulas), e que em boa parte das aulas os professores se limitavam a fazer conversa de circunstância com os alunos (tipo “como estás?”, “como tens passado?”), recusando-se a dar matéria, sob pretexto de que alguns alunos não poderiam acompanhar, pelo que, de facto, todo esse tempo de aulas foi quase totalmente perdido. Houve um sério (isto é, quase total) atraso na lecionação de matéria.

  2. Luís Lavoura says:

    É preciso fazer algo muito evidente: confiar nos professores.

    Depende. Isso nalguns casos será verdade. No caso da escola frequentada pelo meu filho, a opção do Conselho Diretivo (opção que alguns, poucos, professores tentaram, e conseguiram com a ajuda dos pais, boicotar) foi a de nivelar por baixo. Sob o argumento de que alguns alunos não teriam material para acompanhar as aulas online (argumento que na turma do meu filho não colhia, todos tinham material), as instruções do Conselho Diretivo foram no sentido de para completamente na lecionação. O presidente do Conselho Diretivo defendeu mesmo explicitamente que o melhor seria cancelar totalmente o ano letivo, isto é, atrasar um ano na vida da totalidade dos alunos.

    • António Fernando Nabais says:

      Podemos sempre não confiar nos professores. Situações dessas devem ser levadas, no mínimo, ao Conselho Geral.

    • Professora says:

      Discute-se um problema que envolve uma floresta e vem alguém condicionar o debate às raízes de uma árvore…

  3. Tal & Qual says:

    Ainda não percebi porque alguns comentadores não são primeiros ministros desta merda de país !

  4. Tantos boçais a defender escumalha… Hilariante!

    • POIS! says:

      Pois é!

      Mas faltava V. Exa. Bem sabemos, estava a passajar uma roupinha e não teve tempo, mas, felizmente, chegou. A escumalha tem , finalmente um defensor à altura! Justifica-se amplamente o inhenho estado de felicidade mal disfarçado por V. Exa.!

    • Democrata_Cristão says:

      Aleluia.

      Afinal o clone do Menos, ainda está vivo.

      A cassete deste é “boçais”

      Paciência ! Cada maluco com a sua mania !

    • António Fernando Nabais says:

      Estou a ouvir vozes. Tenho de ir tratar disto.

  5. Filipe Bastos says:

    O Lavoura expôs uma objecção baseada num caso concreto e, supõe-se, real. O Nabais terá resposta?

    Confiemos nos professores, paguemos-lhes o necessário: de acordo. Mas quando alguém recebe o mesmo fechando tudo, num país onde ninguém é responsável por nada, surgem casos como o exposto.

    E a malta aqui, além de trocar insultos terá alguma resposta?

    • António Fernando Nabais says:

      Os professores é que fecharam as escolas? Muito me conta, Filipe.

    • Paulo Marques says:

      Anedotas também tenho, hoje uma professora contava que perdeu uma manhã a ensinar a um aluno a instalar o software invés de dar aulas porque os pais não estavam em casa.
      Há muito a correr mal, mas a formação e competência dos professores não são para isto.

      • Filipe Bastos says:

        Não duvido. Muitos professores fazem o que podem e o que não podem, sem eles o caos seria ainda pior. Tive alguns professores assim; não eram todos uns relaxados em baixa intermitente. Os bons nunca esquecemos.

    • POIS! says:

      Pois aquilo do Lavoura é mesmo intrigante.

      A escola do filho ainda tem Conselho Diretivo, pelo que deve ter sido esquecida pelo ME algures espaço-tempo. O que quer dizer que o filho do Sr. Lavoura deve ter, se anda no 11º ano, uns 41 anos mais coisa menos coisa. Já é um homenzinho.

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