Passos Coelho e os que comem criancinhas

No tempo do salazarismo, havia um faduncho anticomunista que servia para alimentar o medo do papão leninista-estalinista-siberiano. Incluía, o dito faduncho, versos como “Maldita seja a Rússia soviética!” e “Malditos os que comem criancinhas!”. Quando se pensava que já não seria possível reencontrar um discurso tão primário, eis que Passos Coelho reaparece para reavivar fantasmas em que ele próprio não acredita, mas que lhe dão jeito para a campanha em que se integra, juntamente com outros intelectuais do mesmo calibre, como Paulo Otero ou João César das Neves, alguns dos autores que integram a colectânea “Identidade e Família”.

Descaindo os cantos da boca, de modo a imitar uma gravitas de estadista, Passos Coelho disse que há uma «sovietização do ensino».

Um dos mitos alimentados pela direita tola

(ou pela direita que fala para tolos)

é o de que a Escola Pública é uma verdadeira madraça dominada por comunistas e outros parentes desgraçadamente próximos que andam a catequizar as pobres criancinhas, que, a não serem comidas ao pequeno-almoço, hão-de transformar-se, por força da doutrinação, em futuros comedores de criancinhas, em consumidores de drogas pesadas, médias, leves e pesos-pluma e em heterossexuais convertidos em quaisquer outros sexuais que tentarão obrigar toda a população a mudar a orientação sexual. [Read more…]

O possível ministro da Educação da AD ou Mudam as moscas

Vídeo roubado à Missão Escola Pública. Alexandre Homem Cristo é, pelos vistos, um especialista em Educação, estatuto que parece ser atingido sobretudo por gente que procura soluções para enfraquecer o poder reivindicativo dos professores.

O especialista em Educação nem sequer esconde que a concessão de maior poder aos directores das escolas serve para retirar poder aos sindicatos, como se esse poder fosse incomensurável e correspondesse a um problema. É um problema para quem gosta pouco dessas manias da democracia e dos direitos dos trabalhadores. Educação é outra coisa.

João Costa e a vulgata antigrevista

Quando nos pisam os calos, no mínimo, exprimimos um gemido de desconforto. Se nos pisarem os calos demasiadas vezes, a coisa descambou para falta de cuidado ou para agressão.

Os professores já andam a ser pisados desde 2005, pelo que é natural que se queixem, que protestem. Talvez se possa mesmo dizer que os protestos são poucos para tanta pisadura.

Entretanto, são os professores e todos os outros profissionais da área que mantêm as escolas a funcionar de uma maneira exemplar, contra ventos e marés constituídas também pela incompetência e pelo desinteresse das sucessivas equipas ministeriais, que se limitam a cumprir instruções superiores, aprofundando um desinvestimento constante e ignorando problemas já estruturais (formação inicial de professores, atracção dos jovens), até porque não estão lá para resolver. Graças aos professores, os alunos estão, pelo contrário, sempre em primeiro lugar.

Tenho pelas greves um respeito quase religioso, mesmo quando não sou praticante, porque cada um deve reagir às pisaduras como muito bem entender. Permito-me duvidar de métodos de luta que não consigam ferir verdadeiramente o adversário, mas isso é outra questão.

Entres os políticos no poder, mesmo em democracia, há uma vulgata antigrevista a que João Costa não resiste, tendo afirmado que lamenta (que é diferente de lamentar) a convocação de greves, uma vez que os alunos deveriam estar em primeiro lugar. Trata-se de demagogia pura e tem por objectivo propagandístico transformar o grevista num irresponsável ou mesmo num agressor. O poder, mesmo em democracia, na verdade, sonha com a ditadura e a greve deveria, no máximo, existir em teoria.

A greve é, assim, uma resposta a uma agressão. Chega a ser cómico ouvir o agressor queixar-se da reacção do agredido.

Não são os “pais”, é a CONFAP

Pais pedem aulas extra para compensar efeitos das greves de professores

Luta dos professores – ligações com vídeos

A propósito da luta dos professores, aqui ficam três ligações com vídeos de intervenções do Paulo Prudêncio, do Paulo Guinote e do Ricardo Silva. Em comum, têm a clareza e a informação. Quem vir e ouvir, não poderá ignorar. É de lamentar, no caso do vídeo do Ricardo, a intervenção de um jurista que não apresentou argumentos jurídicos, e que, para cúmulo, acredita ou parece acreditar que é indiferente ser-se professor universitário ou do básico e do secundário.

Sem querer desvalorizar, de maneira nenhuma, outras vozes, é de louvar que as televisões dêem também visibilidade a professores a tempo inteiro. A surpreendente tenacidade da classe docente terá levado a que as televisões sentissem que não era possível ignorar estes contributos, em vez da redundância vazia de outros actores.

O governo, entretanto, continua na senda de fingir que está a negociar, prosseguindo, ao mesmo tempo, um caminho de destruição do sistema educativo. Tudo começou em 2005, no triste consulado de Maria de Lurdes Rodrigues. A perda da maioria absoluta do PS, em 2009, foi fraca consolação, uma vez que o rolo compressor não parou com Passos Coelho e António Costa, sendo indiferente o nome dos ministros da Educação, simples tarefeiros que se limitam a demolir, cumprindo ordens.

Este velho caceteiro, dedicado companheiro

Talvez não fosse má ideia criar uma escola de estadistas, porque, na política portuguesa, há um excesso de palavrosos e de caceteiros. Uma pessoa olha em volta, vê sócrates, passos, portas, costas, marcelos e não encontra um estadista, um bocadinho de gravitas que seja.

Santos Silva, que, actualmente, é, pasme-se!, a segunda figura do Estado e putativo candidato a Belém, não destoa.

O actual Presidente da Assembleia da República é um antigo guterrista e socratista reciclado, tal como António Costa, aliás. Se a uns lhes foge o pé para a chinela, a mão de Santos Silva foge-lhe para o cacete, por muito que se disfarce de fato e de gravata. Como mau democrata, se é contrariado o poder que defende ou que exerce, só pensa em bater.

Há uns anos, quando era ministro de Sócrates, ao ser confrontado com protestos de professores, declarou que estes não distinguiam «entre Salazar e os democratas», o que, curiosamente, o afastou do lado dos democratas. Recentemente, criticou, a propósito da greve dos professores, o «modelo anarco-sindical» de «sindicatos recentes» (é claro que, antes disso, disse que as pessoas têm direito a protestar, sim, mas), recorrendo a uma estratégia suja que pretende apenas desacreditar as críticas, não contribuindo, por puro desinteresse, para a resolução dos problemas dos professores, que são, também os problemas da Educação. Tudo isto é triste, tudo isto é fado, tudo isto é costume.

Os professores e a simpatia da opinião pública

Só devemos falar daquilo que nos preocupa. Marcelo Rebelo de Sousa não está preocupado com os professores.

Há poucos dias, deixou escapar um pequeno pontapé na semântica, mas percebe-se o que quis dizer. O Presidente afirmou que a “simpatia da opinião pública pode virar-se contra os professores”.

Curiosamente, Marcelo é especialista em ser simpático contra outros, parecendo que está a ser simpático com outros. Sobre os problemas dos professores não tem uma palavra que não seja muito redondinha ou muito previsível.

O que Marcelo quis dizer, na verdade, é que os professores poderão perder a simpatia da opinião pública.

Tem toda a razão e até acredito que os professores estejam preocupados com isso. Por outro lado, quando alguém está convencido da justeza da sua luta, é natural que deixe de se preocupar com a simpatia dos outros.

Blanche Dubois sempre dependeu da bondade de estranhos, mas não acabou bem. As sufragistas, por outro lado, não se deixaram abalar pela antipatia da opinião pública.

Há muitos sítios onde enfiar simpatias desnecessárias.

Vídeo exclusivo! PS, PSD, IL e Chega defendem os professores e a Escola Pública!

cabotino

ca.bo.ti.nokɐbuˈtinu

nome masculino

1.
actor ou comediante itinerante
2.
depreciativo actor ou comediante sem qualidade

adjectivo, nome masculino

figurado, depreciativo que ou indivíduo que procura atrair atenções alardeando as qualidades que, suposta ou realmente, possuivaidoso, presunçoso
Do francês cabotin, «idem»

Selecção nacional: professores e jogadores

Os professores e os jogadores da selecção nacional de futebol têm algumas coisas em comum, começando, de uma maneira geral, pela nacionalidade e por outros pormenores como membros inferiores e superiores acompanhados por órgãos e vísceras.

Professores e jogadores estão ao serviço do país, esperando-se que todos sejam sérios e exigentes quando desempenham os respectivos papéis. Há uma diferença: os professores não ganham internacionalizações de cada vez que dão uma aula.

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E se não mexêssemos nos programas de Português?

Joana Fonte defende, no P3 de 21 de Agosto uma “revisão ao programa de Português”, começando por afirmar que, no ensino secundário, “há alunos que perdem o gosto pela disciplina de Português – se algum dia o tiveram.” Depreende-se, tendo em conta o objectivo da autora, que haverá uma relação entre o programa a rever e a perda de gosto de alguns alunos. Seria importante, a propósito, saber em que se baseia para afirmar que há alunos que perdem o gosto e, sobretudo, se são muitos, poucos ou nem por isso. Estará isso estudado ou é uma mera impressão pessoal?

Nesse mesmo parágrafo, surge um verbo muito usado em discursos sobre Educação, o verbo ‘identificar-se’: “Os e as estudantes lutam por conseguir identificar-se com a linguagem de Fernão Lopes, Gil Vicente, Almeida Garrett, Eça de Queirós, Luís de Camões e Fernando Pessoa.”

Esse ‘identificar-se’ está muito na moda no que se refere, repito, a uma determinada visão da Educação. É sinal de um pensamento que encara o currículo escolar como um conjunto de conteúdos que não causem nenhum estranhamento ao aluno, como se o estranhamento não fosse, entre outras virtualidades, um caminho para o conhecimento, com tudo o que esta palavra deve implicar, incluindo o exercício do espírito crítico (em tempos de proscrição de palavras e conceitos, é estranhamente fundamental reafirmar o óbvio). Assim, o aluno, na Escola, só deveria encontrar a sua própria identidade, como se a Escola fosse um simples espelho e não um território onde deverá encontrar desafios minimamente controlados. Ainda por cima, esta ideia de uma identificação é redutora sob variadíssimos pontos de vista, desde logo porque parte do princípio de que os alunos são um todo uniforme por pertencerem a uma mesma geração.

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Impingir a democracia, disse ele

«A escola deve ser democrática, mas não impingir a democracia.»
António Barreto

Eu talvez preferisse a ditadura à democracia, se fosse ditador vitalício, rodeado por uma guarda pretoriana e com direito a pensão completa. Seria um ditador benevolente, amigo do meu amigo. Os meus inimigos teriam, apesar de tudo, a possibilidade de me criticar, desde que o fizessem em silêncio, porque o barulho faz-me dores de cabeça. O meu retrato, como é óbvio, estaria em todas as salas de aula e todos os alunos ficariam a saber que sou uma pessoa naturalmente bondosa, desinteressada, inteligentíssima e modesta.

Não é necessário impingir as virtudes da ditadura, porque, como predadores que somos, sermos lobos uns dos outros está-nos na massa do sangue e isso nota-se todos os dias.

A democracia, por ser tão custosa, por nos obrigar a contrariar a natureza do animal, tem de ser imposta, criando reflexos condicionados que nos levem a perceber que a sociedade humana não é a selva em que queremos viver.

Apesar da minha vocação para ditador, impingiram-me a democracia ainda em tenra idade. Devo isso a algumas pessoas e instituições, nomeadamente à Escola, onde fui alvo de doutrinações mais ou menos explícitas, entre benignas e malignas, sentindo-me sempre protegido e exposto e, com alguma frequência, obrigado a exercer o espírito crítico que me levou a escolher um caminho, quando me mostraram tantos.

A obsessão da direita, incluindo a alegadamente moderada, com a doutrinação de que os alunos são alvo é muito divertida, como todas as coisas perigosas. A propósito de António Barreto, diria que ser senador não é algo que se escolha, é algo que nos é oferecido e que devemos rejeitar. Escolher um verbo como ‘impingir’ no contexto que usou é um direito que a democracia lhe concede, porque a democracia também aceita a parvoíce.

Palavras para quê? É ministro da Educação!

Por razões de higiene também ortográfica, é raríssimo comprar o Expresso. Recentemente, João Costa deu a este jornal a sua primeira entrevista na qualidade de ministro da Educação.

Relembre-se, a propósito, que João Costa foi secretário de Estado do mesmo ministério durante os últimos seis anos.

A entrevista já foi devidamente escalpelizada pelo Paulo Guinote em quatro textos com a acutilância do costume: um, dois, três, quatro.

Limito-me a realçar o que, de qualquer modo, já foi realçado, roubando, ainda, uma imagem ao Paulo.

Em primeiro lugar, note-se que não há resposta à pergunta. Depois, a verdade é que João Costa trocou a função de professor pela de secretário de Estado e pela de ministro, o que não lhe retira nem acrescenta qualidades. Acrescente-se que João Costa é professor universitário, o que o coloca numa situação diferente da dos professores do Básico e do Secundário (e mesmo nestas duas áreas, há distinções importantes a fazer) e, portanto, afirmar que é “professor” é uma manobra de relações públicas altamente enganosa. Não se trata, aqui, de uma questão de superioridade ou de inferioridade.

A cereja em cima do bolo, no entanto, está nesta ideia insidiosa e repetida de que os professores não sabem lidar com a diversidade social e que isso se resolve com uma qualquer formação milagrosa. Os professores são um dos grupos profissionais que se encontram na primeira linha do contacto com a diversidade social, com tudo o que isso implica de frustrações, de imprevistos, de derrotas e de conquistas, muitas conquistas. [Read more…]

Nuno falta de vergonha na cara Crato

 

Crato diz que há professores a mais e que “redução é inevitável”

Falta de professores é um “drama anunciado há muito tempo”, diz Nuno Crato

Há muito para repetir (porque já foi tudo dito) sobre o consulado de Nuno Crato. No que se refere às duas declarações patentes na imagem, impõe-se uma pergunta básica: qual é o número mínimo de anos que corresponde a “muito tempo”? Relembre-se que  foi, alegadamente, ministro da Educação entre 2011 e 2015.

Nuno Crato foi um digno sucessor de Maria de Lurdes Rodrigues, cumprindo com denodo a tarefa de demolir a Escola Pública, o que incluiu um ataque continuado aos professores.

Tal como Maria de Lurdes Rodrigues, também Nuno Crato, por ter a mesma quantidade de vergonha na cara, aparece regularmente a dar opiniões sobre Educação. Está no seu direito, porque, em democracia, os incompetentes e os desavergonhados também têm direito a exprimir opiniões.

A propósito das crianças portuguesas que falam “brasileiro”

A também nossa Paula Sofia Luz publicou recentemente uma reportagem que deu algum brado e fez sair muitos patrioteiros de tocas mal frequentadas: “Há crianças portuguesas que só falam ‘brasileiro'”. Desde portugueses enojados a brasileiros ressabiados, juntaram-se nos comentários do jornal e das redes sociais dezenas ou centenas de idiotas de ambos os lados do Atlântico, agarrados a estereótipos e a interpretações espúrias da História, ou melhor, de um conjunto de sentimentos e de preconceitos que alguns confundem com História.

O fenómeno da influência do português do Brasil na expressão dos jovens portugueses não é novo e pode (e deve) ser discutido, excluindo qualquer laivo de superioridade ou de inferioridade e incluindo linguistas e professores de Português, sendo que, neste último caso, há um afastamento indesejável entre ambos os grupos – polemizando já um pouco, e sendo eu suspeito, há alguns linguistas que imaginam os professores como meros receptáculos, mesmo quando o assunto é o ensino de uma norma linguística, por muito que este conceito contenha algo de demasiado artificial.

Assim, se é verdade que não faz sentido censurar (em qualquer dos sentidos da palavra) os conteúdos brasileiros, é importante pensar naquilo que se chama o “cultivo da língua”, expressão difusa que se pode prestar a usos elitistas desajustados e que poderá, muitas vezes, entrar em conflito com a natural circulação de palavras e de conceitos. [Read more…]

Bom dia?

Inspirado num texto da página https://www.facebook.com/Livrodponto

 

Era um professor que não cumprimentava colegas, porque, no fundo, detestava professores. Imagine-se o que será detestar professores e conviver com professores todos os dias da semana. Como se isso não bastasse, era casado com uma professora e meio professor por parte da mãe, mais um quarto do lado do avô materno. Como acontece com todos os professores, antes de ser professor, já tinha lidado com dezenas de professores, entre escola primária (era do tempo em que se chamava escola primária ao primeiro ciclo, imagine-se a antiguidade, a senectude) e a faculdade. Entre a casa e as escolas, nunca teria passado um dia sem se relacionar com, pelo menos, um professor.

O professor F. (vamos chamar-lhe assim, para manter o anonimato) vivia, por isso, em estado de sítio por se sentir sitiado, cercado de professores que nunca levantariam o cerco. Um dos dias mais felizes da sua vida consistira naquele em que passara a escrever sumários numa plataforma digital – nunca mais o viram na sala dos professores.

Um leitor aparentemente mais inteligente poderia perguntar por que razão um homem que tanto odiava professores não escolhia outra profissão. Aviso, desde já, o leitor de que a minha responsabilidade de narrador não faz de mim um ser omnisciente. Por outro lado, a vida está cheia de incongruências e o ser humano raramente é racional. Finalmente, se o leitor não gostar da história, escolha outra e meta-se na sua vida, que uma coisa é ler, outra é coscuvilhar. [Read more…]

Aprendizagens irrecuperáveis

Sem prejuízo de melhores opiniões e de estudos especializados, gostaria que alguém me explicasse, como se eu nunca tivesse tido ou dado aulas, de que modo é que, havendo meios e vontade, um aluno ficará

brutalmente

violentamente

extraordinariamente

irremediavelmente

prejudicado nas aprendizagens, chegando-se ao ponto de os especialistas

(ou seja, toda a gente excepto os professores)

anteverem uma catástrofe cognitiva, um atraso talvez mesmo mental, a estupidificação de uma geração inteira, uma bomba atómica que arrasará para sempre o cérebro das crianças confinadas. [Read more…]

A tudologia dos economistas ou os pedagogos de sofá

Há anos que é isto: se o tema for Educação, toda a gente sabe tanto ou mais do que os professores. Em Educação, não há leigos. A haver, são, na prática, os professores. No futebol, temos os treinadores de bancada; na Educação, os pedagogos de sofá.

Entre este tipo de pedagogos, avultam os economistas, porque não há assunto que lhes escape, numa arrogância extraordinária que vai da esquerda à direita. Há uns anos, tive uma polémica com Carlos Guimarães Pinto, a propósito de um capítulo de um livro em que os autores explicavam ao mundo tudo o que sabiam sobre Educação. Nessa polémica, sobressaiu a ignorância atrevida de quem cultiva uma ciência social que se arroga o direito exclusivo de explicar tudo o que existe no mundo.

Recentemente, alguns, vindos da esquerda, desprezando a questão sanitária, descobriram a existência de assimetrias enormes na vida dos estudantes, que o ensino à distância iria fazer sobressair os efeitos que as desigualdades sociais têm sobre as aprendizagens – e a vida, senhores, a vida – dos alunos. As escolas deveriam ficar abertas, mesmo aumentando o risco de contaminação da sociedade, para resolver esse problema. Mais uma vez, a Escola é vista como um paliativo para um problema que os pedagogos de sofá descobriram quando apareceu o ensino à distância. Entretanto, os professores têm sido obrigados a lidar (que é diferente de resolver) com esses problemas, enquanto a tutela despeja nas escolas decisões que só atrapalham, como a manutenção de um número exagerado de alunos por turma ou o eterno adiamento acerca de decisões fundamentais sobre o acesso ao Ensino Superior, entre muita outra tralha. [Read more…]

Outros confinamentos

[Manuela Cerca]*

Tinha 15 anos.

Nos primeiros dias do mês de Agosto de 1975, o meu mundo desabava. Para trás ficavam dias sombrios. Para a frente só havia incerteza.

Ao entrar no Boeing 747 da TAP, com os meus irmãos, desfaziam-se todos os sonhos da infância e adolescência. Sozinhos, os meus pais, crédulos e ainda no exercício da sua actividade, ficariam por lá, até Outubro, enfrentávamos o desconhecido. Havia, é verdade, a certeza de que no destino estariam, pelo menos para nós, braços e colos que nos acolheriam e nos ofereceriam a tranquilidade de uma vida familiar. Mas muitos dos que connosco faziam a viagem não sabiam que destino os esperava. Não conheciam ninguém, muito menos a terra que os recebia.

Na dúzia de meses que antecedeu esta partida vivemos em guerra. Uma guerra civil que transformara, num ápice, a nossa zona de conforto em campo de batalha fratricida. As ruas onde brincávamos passaram a estar-nos vedadas, as escolas onde nos sentíamos em segurança muniram-se de “planos de contingência”, como agora se diz, e a qualquer momento as evacuações podiam acontecer. As viagens, naquela imensa Angola, tornaram-se perigosas e incertas. Desaconselhadas. Os postos de controle das várias organizações políticas( MPLA, UNITA, FNLA) consoante as zonas da sua influência, eram territórios aleatórios, de onde não sair, ou sair com vida, dependia em muito da sorte que nos cabia. O som das balas, rajadas ou morteiros, invadiam-nos os dias e principalmente as noites. O “inimigo” estava ao nosso lado, mas nem sempre o víamos. Os bens essenciais escasseavam, os assaltos pela calada da noite multiplicavam-se. [Read more…]

Notas sobre o recomeço das aulas

O governo falhou. O fechamento das escolas sempre foi uma possibilidade muito forte. A preparação deveria ter começado aquando do primeiro confinamento, mas o que interessa é adiar, empurrar com a barriga, prometer computadores esperando que não seja preciso entregá-los (o conselho de ministros reuniu na quinta-feira para aprovar a despesa para aquisição de computadores para alunos que começam as aulas hoje) . As salas de aula poderiam estar verdadeiramente preparadas para um sistema misto, com alguns alunos em casa e outros nas escolas, mas não estão.

 

 

Alguns iluminados descobriram que o fecho das escolas aprofunda as desigualdades sociais. Pois aprofunda. Como de costume, esses iluminados tentam explicar aos habituais ignorantes de tudo: os professores. Os professores sabem isso muito bem. Os professores até sabem que a condição sociocultural e/ou socioeconómica dos alunos tem um peso brutal no seu rendimento, havendo crianças que entram no Primeiro Ciclo com limitações vocabulares e, portanto, cognitivas, brutais. Os professores, por várias razões, conhecem a vida de muitos alunos que vivem privados de comida, de afecto e de acompanhamento. Os professores até sabem que as férias, para alguns alunos, são uma tortura. As escolas, na verdade, disfarçam como podem todas essas insuficiências, até porque estão transformadas em mecanismo de compensação das enormes insuficiências de uma polícia social para a juventude.

E enquanto os governos sobrecarregam as escolas, tiram-lhes condições, aumentando o número de alunos por turma, entre outras estratégias que servem apenas para baixar a despesa, mas não para ajudar os alunos.

 

 

O ensino à distância não serve para substituir o ensino presencial, por variadíssimas razões, sendo a mais importante a necessidade de contacto humano. Os professores, de uma maneira geral, no primeiro confinamento, conseguiram fazer o melhor possível, com erros, insuficiências e exageros, aprendendo, experimentando e arriscando. É preciso fazer algo muito evidente: confiar nos professores.

 

 

Convém não esquecer que os professores são os principais financiadores do próprio patrão. Para além dos impostos que pagam, é do próprio bolso que saem as despesas com transportes, alojamento e, até, formação. O material de trabalho dos professores também não é fornecido pelo patrão: da caneta ao computador, é tudo pago pelos trabalhadores. O que de bom se conseguiu fazer durante o primeiro confinamento assentou na propriedade pessoal dos professores, o que, de resto, é costume e, curiosamente, nunca fez parte das reivindicações sindicais. Se os professores não tivessem investido em material informático, o sistema de ensino à distância não existiria. Também por isso, a sociedade deve agradecer, como se agradece a um amigo que nos dá boleia porque tem carro, mas não tem obrigação de nos dar boleia.

 

 

É possível ensinar à distância, mesmo que não seja desejável, mesmo que não seja fácil e mesmo que uma circunstância indesejada não seja suficiente para criar um novo paradigma. O novo paradigma só fará sentido se resultar de uma reflexão. O futuro próximo, esperemos que sem pandemia, poderá incluir a possibilidade de apoiar alunos que, por alguma razão, seja impedido de frequentar as aulas presencialmente, entre outras possibilidades.

 

 

Aprender à distância também é possível e há quem tenha conseguido, graças a um esforço enorme de quem quer aprender e de quem quer que os alunos aprendam. Isso: esforço.

A Lei do Teletrabalho Aplica-se aos Professores?

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Carta aberta ao Governo de um grupo de professores bloggers com pedido para que seja cumprido o estipulado no Plano de Ação para a Transição Digital, de modo a que os docentes tenham condições para trabalhar a partir de casa. 

 

A Lei do Teletrabalho Aplica-se aos Professores?

Para ler este conteúdo de forma completa, é favor visitar o blogue Correntes.

 

Fechar as escolas

Fechar as escolas é péssimo. Não fechar ainda é pior.

Quem não quer ser milionário?

Segundo parece, não há candidatos suficientes para preencher as vagas dos cursos orientados para o Ensino. Por outro lado, há um grande número de professores no activo que se aproximam rapidamente da idade de reforma. Não deve faltar muito, portanto, para que as escolas voltem a ser inundadas por professores com habilitação suficiente, licenciados em Direito a leccionar História ou engenheiros a ensinar Matemática.

Pode haver quem considere que essa falta de formação inicial poderá afectar a qualidade da leccionação, mas a verdade é que faz sentido: num país em que toda a gente sabe mais de Educação do que os profissionais da área, por que carga de água é que um professor, o menos entendido na matéria, haveria de dar aulas?

A falta de candidatos ao Ensino, no entanto, espanta-me, porque os vários pedagogos de sofá que explicam Educação em todas as direcções sabem perfeitamente que os professores

  • não trabalham
  • recebem salários principescos

  • fazem greve, dia sim, dia não

Notai bem: se alguém não trabalha e é pago, já recebe demasiado. Além disso, não se pode falar bem em salário, já que quem é pago para não trabalhar recebe antes um subsídio. Como se isso não bastasse, os professores, que não trabalham, ainda estão sempre em greve, o que é extraordinário – muito provavelmente, reivindicam melhores condições para não trabalhar. [Read more…]

O confinamento e as escolas

Maurício Brito*
A ver se nos entendemos: o que deveria pesar mais do que qualquer outra coisa é o valor da vida humana. Não está em causa discutir o que é melhor para os alunos, para os pais ou para os professores pois é óbvio que o ensino presencial é insubstituível: para os alunos pelas mais variadas razões e em todos os planos, sejam eles pedagógicos ou sociais; para os pais por ser confortante por diversos motivos; e para os professores, porque sabem que o seu trabalho é incomparavelmente melhor se realizado presencialmente. Mas, volto a dizer, não deveria ser tudo isto a pesar mais numa decisão que, digam o que quiserem e sustentem-se nos estudos que encontrarem, não irá reduzir tão rapidamente o terrível quadro que assistimos neste momento. Irão circular cerca de, afinal, 2,5 milhões de portugueses nos próximos tempos apenas para chegar às escolas. Será necessário fazer um desenho a explicar que isto não faz sentido se o que se pretende é reduzir mais rapidamente uma propagação descontrolada, em que se desconhece a origem de 87% dos contágios e, consequentemente, evitar a perda de mais vidas? Já agora: há algum professor que considere efectivamente que a perda de 15 ou 30 dias de aulas presenciais vá provocar “danos irreversíveis” nas aprendizagens dos nossos alunos? A sério? Quantos alunos ou mesmo turmas inteiras já perderam esses dias de aulas (ou mais ainda) desde que o ano lectivo começou, devido a casos de contágios, quarentenas, outras doenças/lesões e coisas afins? Estes alunos todos estão “irremediavelmente” perdidos? Enfim.
Aguardemos as cenas dos próximos capítulos. Apesar de saber que assim que os “números” abaixarem e voltarem para “valores” mais aceitáveis, os mesmos que não cumpriram as promessas de providenciar meios a alunos, escolas e professores para o ensino à distância, virão cantar vitória, com os comprometidos de sempre da comunicação social a fazer eco do enorme feito. Independentemente das dezenas ou centenas de pessoas que vierem a falecer devido a uma desastrosa decisão.
*Professor

Quando um elogio é um insulto

João Miguel Tavares elogiou os professores. O Paulo Guinote já escreveu que dispensa certos elogios.

O combate às desigualdades sociais é muito complicado, especialmente quando as prioridades dos governos correspondem a outras áreas em que há fartura de desperdício de dinheiros públicos.

Essas desigualdades são especialmente revoltantes quando atingem crianças e jovens. São essas desigualdades que, se combatidas demasiado tarde, provocam atrasos culturais e mesmo cognitivos.

A Escola é, evidentemente, um das armas mais importantes desse combate. Por isso, retirar condições às escolas é criminoso – e os verdadeiros problemas continuam por resolver (número de alunos por turma, delírios curriculares, burocratização inútil do trabalho dos professores).

A dedicação de todos os que trabalham nas escolas é tão evidente e geral como frequentemente desvalorizada. E, na verdade, é nas escolas que muitos miúdos encontram pessoas que, fora da família, fazem alguma coisa por eles. As políticas sociais para a juventude assentam, então, em grande parte, na ausência do Estado e na presença da Escola. Acrescente-se que essa luta é feita, muitas vezes, para lá do que é imposto pela lei.

João Miguel Tavares e muitos outros opinadores chegam sempre a estes problemas com atraso ou acertam ao lado. Na maior parte dos casos, não querem saber. Como, de certo modo, já está instituído que as políticas sociais para a juventude se limita às escolas, o facto transformou-se em direito e passou a exigir-se às escolas que resolvam todos os problemas relacionados com a infância e com a juventude. [Read more…]

O envelhecimento da classe docente

 

Vídeo encontrado no ComRegras

Reabrir as escolas: um mal desnecessário

Entre os entusiastas que passaram a acreditar que este momento de excepção até poderia passar a ser regra e os que defendiam que deveríamos ficar quietos sem fazer nada, a comunidade educativa foi conseguindo o possível, não sem problemas, nunca sem defeitos e com algumas virtudes. Problemas, defeitos e virtudes, todos aprofundados, curiosamente.

Neste momento, a proximidade social ainda acarreta demasiados riscos. Ainda assim, com muita prudência, será possível ir (re)pondo a economia a funcionar. Calculo que, na medida do possível, muitos profissionais irão manter o teletrabalho, minimizando riscos.

A reabertura das escolas só deveria acontecer se fosse absolutamente indispensável e há muitas razões para considerar que não é, mesmo nesta versão minimalista de limitar o acesso aos alunos com disciplina de exame. Por muitos cuidados que se tomem, o risco de propagação aumenta. Além disso, este regresso forçado resulta de um problema que continua por resolver: a subordinação do ensino básico e secundário à Universidade, devido a um sistema de acesso ao Ensino Superior que tarda em ser alterado.

O documento emanado do Ministério da Educação serve para demonstrar, mais uma vez, que se trata de uma instituição governada por pessoas fechadas em gabinetes que não sabem e não querem saber o que é a vida de uma escola, dando ordens que poderão ser difíceis ou impossíveis de cumprir. Seria o momento ideal para que encarregados de educação e/ou directores tomassem posições conjuntas, à semelhança do que já aconteceu com a Escola Secundária Camões.

Aqui ficam algumas leituras: [Read more…]

Há quem confunda interdisciplinaridade com a Feira de Beja

Não é o caso de António Carlos Cortez: Quem deve leccionar Português? Um contributo

As refeições escolares e a autonomia

Há alguns anos, escrevi sobre o processo de desumanização das escolas que prossegue o seu curso. Entre outros aspectos, fazia referência à importância de que as refeições escolares fossem cozinhadas nos estabelecimentos de ensino.

Através de um texto do Paulo Guinote, cheguei a esta notícia: Escola transforma cantina no “melhor restaurante da região”. Todos os que tiveram a sorte de comer em cantinas escolares antes de serem entregues a empresas têm memórias da qualidade da comida, sendo que essa qualidade era indissociável da proximidade que criava uma impressão de algo caseiro.

Entretanto, a maioria PS/PSD/CDS vai fazendo o seu trabalho de entregar paulatinamente as escolas às autarquias, o que constitui uma negociata política para deixar o Ensino nas mãos dos muitos caciques que estão à frente das câmaras. O processo só ainda não está mais avançado, porque as câmaras querem mais dinheirinho.

O argumento usado para vender as escolas aos presidentes das câmaras assenta na ideia de que isso trará mais autonomia às escolas, o que é mentira. A palavra “autonomia” está, aliás, sempre na boca dos responsáveis políticos, mas a verdade é que nunca existiu. A municipalização será mais uma maneira de não dar autonomia às escolas, trazendo para o seu interior o compadrio e a politiquice.

Mesmo que o retrato das autarquias portuguesas pudesse ser mais simpático e mesmo que o Ministério da Educação funcionasse, a autonomia das escolas não deveria ser uma expressão vã. A qualidade da comida é mais um sinal.

A vida das escolas poderá melhorar a partir do momento em que isso seja uma causa importante para os cidadãos e não apenas uma preocupação dos funcionários docentes e não docentes.

Como nota final e desencantada, os textos da minha autoria para que remeto mais acima têm sete anos e a minha opinião é a mesma.

Escolas de Primeira e de Segunda

Um texto do Paulo Prudêncio.

Falta de professores ou a vida dos milionários

Esta chamada está na primeira página do Expresso de hoje e é suficiente para se perceber que deixar os mercados à solta serve para encarecer bens de primeira necessidade como a habitação, que a única política educativa do país consiste em poupar dinheiro à custa dos alunos e que os professores contratados vivem, na verdade, com salários tão miseráveis que não podem pagar alojamentos a preços ditados pelos mercados à solta (aproveitamos para lembrar que os professores não recebem subsídios de deslocação ou de alojamento, ao contrário dos deputados, por exemplo).

Com uma Assembleia da República submetida ao Partido alegadamente Socialista, estas situações irão continuar, porque o PSD, o CDS, o FMI e o que resta da União Europeia não querem saber. Os partidos de esquerda pouco fizeram durante quatro anos e estão dispensados por António Costa. De resto, a maioria dos cidadãos portugueses também não quer saber. Por outro lado, os sindicatos não se sentem lá muito bem.