Não nego, de forma alguma, a ameaça, sem paralelo, que representam as alterações climáticas. Estou até profundamente convicto que nada é mais urgente que resolver este problema, responsável por criar e agravar um conjunto de outros problemas, todos eles preocupantes. Não obstante, e correndo o risco de ser rotulado de negacionista, tendo em conta aquele que é o pensamento dominante e já bem enraizado, parece-me que a transição energética em curso, na forma e à velocidade a que nos está a ser imposta, ignorando um sem-número de variáveis e consequências que não estão a ser tidas em conta, tem tudo para dar em nada. Na melhor das hipóteses. Pelo menos no que à defesa do clima diz respeito.
Ano após ano, ao longo dos últimos dez, quinze, construiu-se e consolidou-se uma narrativa, no centro da qual está a ideia de que recursos como os painéis solares, os carros eléctricos e os aerogeradores, entre outras tecnologias “verdes”, vão salvar a humanidade da extinção. E, durante muito tempo, poucos foram aqueles que a colocaram em causa. Contra mim falo, que rapidamente me deixei converter à nova religião verde, sem questionar grande coisa. Seguir o rebanho é sempre a opção simpática, principalmente quando tudo parece evidente demais para não ser verdade. Não que considere as tecnologias ditas verdes um embuste. Nada disso. O problema é que não nos estão a contar a história toda. Que não é tão verde como parece.
A verdade, ou pelo menos uma delas, é que esta transição energética, tal como foi concebida e está a ser executada, é, sobretudo, um projecto para relocalizar a poluição e gerar novas oportunidades de investimento e trocas comerciais. A redução das emissões está longe de ser a prioridade. Porque a emergência climática é um problema global que exige uma resposta global. Porque o que o carro elétrico, o painel solar e o aerogerador poupam em combustível fóssil e emissões, está e continuará a ser pago com gigantescas minas a céu aberto, que são cada vez mais, contaminação de lençóis freáticos, aldeias e pequenas cidades totalmente abandonadas, porque o solo deixou de ser arável e o ar se tornou irrespirável, destruição de ecossistemas e outras maravilhas mais que, sorte a nossa, estão – por enquanto – longe daqui, no Congo, na China, na Indonésia, na Bolívia ou no Chile, só para citar alguns exemplos.
A produção de todas estas tecnologias verdes aumentou substancialmente a procura por metais raros como o ítrio, o neodímio, o európio ou o gadolínio, que se junta à procura galopante por outros mais conhecidos, como o lítio ou a grafite. E o aumento exponencial da procura por estes materiais, já amplamente consumidos pela indústria, está, ironicamente, a gerar um aumento considerável das emissões de CO2. (Not so) fun fact: a China é o país que possui as maiores reservas da maioria destes materiais, cerca de 75%, o que nos diz muito sobre o futuro da indústria verde e do aprofundamento da dependência do resto do mundo, em particular das democracias ocidentais, as principais consumidoras de tecnologias verdes, em relação ao regime chinês. Sabemos como começa e podemos ter uma ideia aproximada de como acaba. Um bom exemplo disso aconteceu há 20 anos, quando se abriram as portas da OMC. Lembram-se quando a Europa tinha indústria?
Extrair, refinar, processar e transportar estes materiais está a causar novos problemas ambientais de proporções muito preocupantes, que tenderão a aumentar com uma procura que, em alguns casos, cresce a uma média de 25% ao ano. Mas a pressão também se coloca sobre metais mais comuns e utilizados pela humanidade há vários milénios, como é o caso do cobre, que está também presente em grande parte, para não dizer em todas as tecnologias verdes. Segundo Olivier Vidal, investigador da Universidade de Grenoble, o aumento expectável da extracção e processamento de cobre nos próximos 30 anos, ao ritmo actual, será equivalente à quantidade extraída e processada desde que o cobre começou a ser utilizado, por volta de 8000 AC.
O melhor exemplo dos impactos ambientais resultantes do aumento da produção de cobre está no no norte do Chile, em Chuquicamata, a maior mina de cobre a céu aberto do planeta, onde se encontram cerca de 30% das reservas mundiais de cobre. O processo de extracção continuo e em permanente expansão, fruto, em larga medida, do crescimento da procura provocado pelas tecnologias verdes, trouxe consigo um aumento significativo da contaminação dos solos e dos rios envolventes, provocada pela libertação de águas residuais carregadas de metais tóxicos, sem qualquer tipo de precaução. Extrair e refinar o cobre consome, por segundo – sim, por segundo – cerca de 2 mil litros de água, numa zona particularmente árida do país, onde não chove há 500 anos.
Antofagasta, terceira maior cidade do Chile, a mais de 200km de Chuquicamata, onde se localiza o principal porto a partir do qual é expedido o cobre, tem o ar saturado de partículas de metais pesados. A principal causa de morte, no Chile, são as doenças cardiovasculares. Excepto no norte do país, onde o cancro do pulmão bate todas as outras, garante Aliro Bolados, médico e presidente da Faculdade de Medicina de Antofagasta, acrescentando que existe evidência científica da transmissão genética da sensibilidade ao cancro pulmonar. Em alguns distritos de Antofagasta, o cancro do pulmão afecta cerca de 10% da população.
Existem outros exemplos, igualmente assustadores, e todos convergem para uma realidade evidente demais para continuar a ser ignorada: o modelo económico assente na extracção destes minérios está a criar novas emergências de saúde pública, paralelas à emergência climática, da qual se alimentam. E as grandes empresas por trás deste desastre, seguindo o textbook do capitalismo mais selvagem e destrutivo, não estão nem aí para as consequências. O seu propósito é o lucro, não o bem-estar das populações. Esta transição energética é, essencialmente, um novo modelo de negócio. E, entre as suas consequências, estão o surgimento e o reforço de fontes alternativas de emissões, novas formas de destruição ambiental e a acentuada degradação das condições de vida dos milhões directamente afectados pelo aumento exponencial da extracção dos metais necessários à indústria verde. Green is the new black.
A mudança, a acontecer, terá que passar, acredito, por mudanças profundas nos nossos padrões de consumo, em particular no mundo desenvolvido, e pela implementação de um modelo económico e de desenvolvimento centrado na sustentabilidade e não apenas nos mercados. E as tecnologias verdes devem esforçar-se mais por ser isso mesmo: verdes. Limpas. Com as emissões reduzidas ao mínimo necessário. Não podem estar sentadas em cima de um modelo de extracção altamente poluidor, consumidor de quantidades enormes de recursos, responsável por danos ambientais profundos, mensuráveis e, em muitos casos, fatais. A COP26, sem grandes surpresas, falhou redondamente. Mais não poderíamos esperar de uma conferência patrocinada por alguns dos maiores poluidores do mundo. Não se fazem mudanças deixando tudo na mesma, não é mesmo?
P.S: O documentário O Lado Negro das Energias Verdes, que passou na 2 e está completo (com legendas) no YouTube, foi o gatilho que me fez debruçar sobre o tema. Merece ser visto, penso eu de que.
…..ora bem……é isso mesmo………energia “verde-tinto”……..fresquinho tem outro sabor……..!!!
Obviamente que as grandes empresas oligopolistas do capitalismo selvagem apressam-se a colher os lucros da transição, seja lá o que isso for. Logo, do que precisamos é de uma sociedade socialista, realmente democrática, solidária e sustentável a sério. Para isso temos de ultrapassar a fase dos gadgets inúteis, consumir bastante menos e implementar circuitos económicos localizados em que a economia esteja ao serviço das pessoas e não o oposto como hoje.
o que o carro elétrico, o painel solar e o aerogerador poupam em combustível fóssil e emissões
Na verdade e na prática, o carro elétrico nada poupa em combustível fóssil, porque a eletricidade que faz o carro elétrico funcionar é, na maior parte das situações, produzida utilizando combustível fóssil.
A realidade é que, na maior parte dos países, atualmente as energias renováveis nem sequer conseguem produzir toda a eletricidade necessária para as utilizações usuais – muito menos conseguem produzir a eletricidade necessária para alimentar os carros elétricos.
Acresce que a generalidade dos painéis solares atualmente produzidos não são passíveis de reciclagem. Quando o seu tempo de vida útil chegar ao fim, irão todos para aterro.